Osaka – Um encontro que, para o governo brasileiro, começou de maneira constrangedora terminou com o sucesso do acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul. O anúncio das negociações entre os dois grupos interferiu no humor do presidente Jair Bolsonaro, que, na quinta-feira, chegou à cúpula do G20, no Japão, irritado com a imprensa e, ontem, embarcou de volta para Brasília com um trunfo reconhecido até mesmo por autoridades internacionais.
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Moro foi alvo de críticas por aceitar Ministério, diz sitePSL vai decidir sobre destaques à reforma da Previdência na segunda-feiraGilmar suspende processos de acordos coletivos que reduzem direitos trabalhistasProcurador confirma autenticidade de mensagens sobre Moro'Não é cedo para falar em reeleição agora', diz Marco FelicianoGoverno corre para aprovar reformas com temor de nova recessão econômicaBolsonaro completa seis meses de governo com o desafio de melhorar relação com o CongressoO papel de Bolsonaro foi elogiado por Cecilia Malmström, comissária europeia para o Comércio. Segundo ela, as negociações – que duraram 20 anos e foram iniciadas no Rio de Janeiro –, ganharam outro ritmo depois da posse presidencial, em janeiro deste ano. Não é que o acordo estivesse travado durante todo esse tempo, até pela complexidade dos temas e dos produtos envolvidos. Mas é inquestionável a velocidade da amarração das pontas ao longo dos últimos meses, considerando o pacote apresentado em Bruxelas e comemorado em Osaka por latino-americanos e europeus.
Eleições O presidente argentino, Mauricio Macri, durante o pronunciamento conjunto dos líderes dos dois blocos e do presidente, Jean-Claude Juncker, ressaltou o comprometimento dos atuais chefes de governo com o acordo. “São líderes com boa vontade para as transformações”, disse ele na madrugada de ontem (horário de Brasília). Macri, ao citar o Brasil, disse que as negociações facilitam a atuação de empresas e a vinda de investimentos para a região, considerando desafios como o fluxo migratório e a pobreza. “No atual momento de tão poucas boas notícias, temos algo para apresentar.”
Se para Macri – candidato à reeleição em outubro numa disputa dura com o grupo de Cristina Kirchener – o acordo Mercosul e União Europeia é uma “boa notícia”, o mesmo pode ser dito em relação a Bolsonaro. Logo que as negociações foram fechadas, o presidente brasileiro correu para o Twitter e marcou posição: “Prometi que faria comércio com todo o mundo, sem viés ideológico. Não foi retórica vazia de campanha, típica da velha política. É pra valer! Estou cumprindo mais essa promessa, que renderá frutos num futuro próximo. Vamos abrir nossa economia e mudar o Brasil pra melhor”.
Com a economia travada e a alta resistência das taxas de desemprego, o governo Bolsonaro tem de certa maneira vivido das expectativas do mercado com a virtual aprovação da reforma da Previdência. Os resultados positivos na bolsa de valores são a parte evidente das apostas quase certas na vitória do texto com a mudança nas regras de aposentadoria, mesmo que a economia de R$ 1 trilhão esteja longe de se confirmar. Entre as pastas do governo, a mais efetiva até agora é a da Infraestrutura, comandada por Tarcísio Gomes de Freitas. Outras são colocadas em xeque, como a da Educação, chefiada por Abraham Weintraub, e das Relações Exteriores, de Ernesto Araújo.
Cotações Bolsonaro percebeu a necessidade de reforçar a equipe de governo e fez questão, tanto nas redes sociais como na entrevista coletiva à imprensa no sábado, de citar os ministros mais envolvidos no acordo, entre eles Ernesto Araújo. “Parabenizo também os ministros Paulo Guedes e Tereza Cristina (Agricultura)”, escreveu ele, no Twitter. Depois, aos jornalistas, lembrou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que, segundo o presidente, foi responsável pelas negociações envolvendo vinho e produtos derivados do leite. Lorenzoni está sob fogo cruzado nas negociações da reforma da Previdência e, de certa forma, tem visto o poder esvaziado nos últimos tempos.
Para além do acordo Mercosul e União Europeia, a participação de Bolsonaro no G20 teve um momento importante representado pelo encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O brasileiro fez mais uma vez uma ponte direta com o republicano, rasgando elogios ao norte-americano e acabou recebendo afagos. Bolsonaro foi o porta-voz de uma possível visita de Trump à Argentina no próximo mês, o que pode representar uma reunião com os chefes latinos de centro-direita. “Graças a Deus a América Latina está deixando de ser de esquerda para ser de centro-direita e até mesmo de direita.”
A ponte com a China, por sua vez, acabou interrompida nos minutos finais do G20, depois do cancelamento do encontro bilateral com Xi Jinping. Um atraso na agenda do líder chinês acabou inviabilizando a reunião, desmarcada pelo governo brasileiro. Com integrantes do governo divididos sobre o avanço dos negócios com o país asiático, a ausência da conversa foi pelo menos simbólica, considerando a antipatia dos gurus palacianos do escritor Olavo de Carvalho com o regime de Jinping. O problema é que o próprio Trump, espelho da ala conservadora, fez um movimento forte com a China ao longo da cúpula, retomando as negociações comerciais.
O saldo para Bolsonaro, porém, foi positivo. O presidente saiu bem maior do que entrou na cúpula de Osaka. A ponto de falar com tranquilidade sobre o episódio da apreensão de drogas no avião da Força Aérea Brasileira (FAB) na Espanha, algo que havia se recusado a comentar na terça-feira ao desembarcar. “Aquele elemento ali traiu a confiança dos demais. Traiu a confiança, sim. Olha, pena que não foi na Indonésia. Eu queria que tivesse sido na Indonésia, tá ok? Ele ia ter o destino que o Archer teve no passado.” Em 2015, o brasileiro Marco Acher foi executado na Indonésia por tráfico de drogas. Bolsonaro estava tão mais tranquilo que voltou a desempenhar o papel de Bolsonaro.
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