No dia em que as atenções estavam voltadas para a reforma da Previdência, a Câmara rejeitou nesta terça-feira, 9, uma das principais bandeiras do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e dos procuradores da Lava Jato. O grupo de trabalho criado para analisar o pacote anticrime apresentado pelo ex-juiz decidiu, por 7 votos a 6, retirar do texto a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
A intenção de Moro ao apresentar a medida era incluir na lei o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2016, que permitiu, por exemplo, a prisão de vários dos condenados na Lava Jato, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até então, um réu só poderia começar a cumprir sua pena após o chamado transitado em julgado - ou seja, após esgotadas as possibilidades de recursos pela defesa, o que poderia levar anos, aumentando a sensação de impunidade.
A votação na Câmara ocorre no momento em que o próprio Supremo não descarta a possibilidade de um recuo. O presidente da Corte, Dias Toffoli, já sinalizou que a decisão de três anos atrás pode ser rediscutida no segundo semestre deste ano.
A maioria dos deputados justificou o voto com um argumento técnico. A avaliação é de que a mudança apresentada por Moro deve ser tratada no Congresso por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) - que exige os votos, em dois turnos, de 60% dos deputados e dos senadores -, e não por projeto de lei, que precisa de maioria simples, como foi enviado por Moro aos parlamentares.
O pacote anticrime de Moro acrescentava um artigo ao Código de Processo Penal para estabelecer que um tribunal, ao proferir acórdão condenatório, "determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade". "Se quiser modificar esse ponto, o ministro e sua bancada deverão fazer através de PEC", afirmou o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), contrário à proposta.
Relator
O relator da matéria no grupo de trabalho, deputado Capitão Augusto (PL-SP), que havia mantido a proposta de Moro em seu relatório, criticou a decisão dos colegas. "O que aconteceu aqui, hoje (ontem, terça), favorece a impunidade. A aprovação da proposta nos garantiria a certeza de que condenados por Moro ficariam na cadeia mesmo se o Supremo revisse seu entendimento", afirmou o deputado.
A votação no grupo de trabalho foi o primeiro passo do pacote anticrime na Câmara. As propostas ainda deverão passar por comissões da Casa e pelo plenário, onde ainda podem sofrer alterações.
A decisão, porém, representa um novo revés político ao ministro, que declarou ter abandonado 22 anos de magistratura com o propósito de aprovar medidas que atualizem a legislação de combate à corrupção no País. Em maio, Moro já havia perdido, por decisão dos parlamentares, o controle do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Economia.
Além de Freixo, rejeitaram a medida os deputados Lafayette de Andrada (PRB-MG), Paulo Teixeira (PT-SP), Margarete Coelho (PP-PI), Orlando Silva (PCdoB-SP), Fábio Trad (PSD-MS) e Paulo Abi Ackel (PSDB-MG). A favor, além do relator, votaram os deputados Coronel Chrisóstemo (PSL-RO), Adriana Ventura (Novo-SP), Subtenente Gonzaga (PDT-MG), Carla Zambelli (PSL-SP) e João Campos (PRB-GO).
Desidratado
Além da prisão em segunda instância, o grupo ainda vai analisar, pontualmente, outros 15 itens do pacote anticrime de Moro. Em junho, o jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o pacote anticrime do ministro seria desidratado na Câmara.
Os deputados devem rejeitar também a possibilidade de a Polícia Federal desmembrar automaticamente investigações, sem a necessidade de autorização de tribunais superiores. Os parlamentares não querem também autorizar que agentes infiltrados possam induzir um suspeito a cometer um crime. Outro tópico que deve ser rejeitado é o chamado excludente de ilicitude, que concede a policiais a isenção de pena quando, em serviço, tiverem de atirar e matar alguém.
Vazamentos
A discussão do pacote anticrime ocorre no momento em que Moro é alvo de vazamentos de supostas conversas com procuradores da força-tarefa da Lava Jato. Conforme o site The Intercept Brasil, as mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram indicam conluio entre o ex-juiz e os investigadores. Os envolvidos alegam não ser possível confirmar a autenticidade do conteúdo divulgado e nem qualquer acordo.
A sequência de reveses imposta a Moro no Congresso também tem sido vista como reflexo de uma intenção de parlamentares atingidos pela Lava Jato de dar um "troco" no ex-juiz. Nos bastidores, deputados lembram que o atual ministro sempre teve um discurso contrário à classe política.
Em contrapartida, Moro tem investido em aumentar sua interlocução com o Parlamento, se afastando do perfil técnico que pretendia adotar. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
POLÍTICA