Diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) até o mês passado, o engenheiro agrônomo José Graziano afirmou que "não se combate a fome dizendo que ela não existe". Ele defendeu ainda os programas sociais de transferência de renda. "Se tirar (esses programas), voltaríamos a ter números na ordem de 20 milhões ou mais que passam fome", afirmou Graziano.
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro causou polêmica ao dizer que é "uma grande mentira" que pessoas passam fome no Brasil. Questionado, recuou e afirmou que "alguns passam fome". "Adotou-se (em governos anteriores) que distribuição de riqueza é criar bolsa. É o país das bolsas. O que faz tirar o homem da miséria é o conhecimento", declarou Bolsonaro na ocasião. "A historiografia da fome é real, tem uma base, não foi inventada", disse Graziano ao jornal O Estado de S.
O sr. assumiu a FAO em 2011. O que mudou no mundo desde então no combate à fome?
Nós conseguimos uma redução substancial da fome, se você comparar aos anos 2000, quando falávamos em 1 bilhão de pessoas passando fome. Nós estamos hoje falando em 820 milhões. Foi um grande progresso. Isso se deve em grande parte a uma mudança de estratégia: o combate à fome antes era direcionado exclusivamente ao aumento da produção agrícola, à disponibilidade de alimentos. Achava-se que as pessoas passavam fome porque não tinham alimentos.
Qual o impacto da crise econômica na segurança alimentar?
Total. Da nossa análise, 85% dos países em desenvolvimento têm na crise econômica um elemento central no aumento da fome. Isso é particularmente visível na América do Sul, a região que mais sofreu com a crise. Estava crescendo muito rapidamente, exportadora de matérias-primas, commodities agropecuárias.
Qual importância de programas de transferência de renda?
A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE mostra que 28 milhões de pessoas no Brasil hoje têm alguma forma de desocupação. Essas pessoas não têm acesso a uma renda que propicie alimentação adequada. Ou são subnutridos ou candidatos à subnutrição. Se tirar programas sociais de transferência de renda, voltaríamos a ter números na ordem de 20 milhões ou mais que passam fome. Felizmente, o Brasil mantém uma cobertura social que impede que isso aconteça.
Há risco de o Brasil voltar para o mapa da fome?
O ponto mínimo da fome no Brasil foi em 2013, 2014, que foi o ponto mínimo do desemprego.
O presidente Jair Bolsonaro disse que ninguém passa fome no Brasil e, depois, voltou atrás.
O presidente é do Vale do Ribeira.
O sr. já declarou que o combate à fome não deve ter ideologia...
Acho um pouco cedo para avaliar o governo Bolsonaro. Ele tem tido um componente ideológico em muitas de suas ações, mas eu prefiro dizer que não podemos ter ideologia no combate à fome. Não podemos submeter um direito fundamental à pergunta se o cara é de direita ou esquerda, se é do PT ou não é. Isso não pode ser o parâmetro de decisão.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo..