Com cofres vazios e arrecadações cada vez menores diante da crise econômica que se arrasta há mais de cinco anos, governadores se reúnem na tarde de hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF), em busca de acordo com a União sobre os ressarcimentos da Lei Kandir. Estado que mais deixou de arrecadar após a aprovação da lei, em 1996, Minas Gerais leva uma grande comitiva ao tribunal para a tentativa de conciliação com o governo federal, com representantes do Executivo, Legislativo e do Ministério Público. Um acordo pode representar melhorias no parcelamento dos salários de servidores e aliviar as contas públicas do estado.
Estudos feitos por técnicos da Secretaria de Fazenda e da Advocacia-Geral de Minas Gerais apontam que o estado tem a receber um total de R$ 135 bilhões em valores corrigidos pela taxa Selic acumulada, que é a mesma base de cálculo usada pela União em relação à dívida com os estados.
Os governadores esperam fechar um acordo com o governo federal para colocar fim em uma disputa iniciada em 2013, quando o governo do Pará ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) questionando o Congresso Nacional por não regulamentar a forma que a União deveria ressarcir os estados que deixaram de arrecadar com a Lei Kandir. Caso não haja acordo, os estados pedem a definição por parte do STF de um novo prazo, desta vez inadiável, para que as formas de compensação sejam definidas pelo parlamento.
“Será uma tentativa de conciliação entre estados e governo federal. Esse ressarcimento com as perdas da Lei Kandir pode ocorrer de várias formas: abatimento das dívidas com a União, emissão de títulos da dívida da União ou pagamento direto de forma parcelada”, explica Ricardo Sefer, procurador-geral do Pará. O estado da Região Norte é um dos maiores exportadores de minério (nos últimos anos Pará e Minas disputaram a liderança no ranking de maiores exportadores) e espera aumentar as arrecadações com a extinção da lei.
A audiência marcada para as 14h pelo ministro Gilmar Mendes, relator do processo na Segunda Turma do STF, contará com a presença de todos os estados federados e com representantes do governo federal. Alguns governadores e lideranças estaduais esperam que a União apresente uma proposta de ressarcimento, mas a comitiva mineira levará ao tribunal um plano para que as compensações sejam feitas parceladas ao longo das próximas seis décadas.
Na proposta elaborada pelo governo de Minas em parceria com a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o crédito do estado relativo às perdas tributárias, estimado em R$ 135 bilhões, pode ser pago em 60 anos, em parcelas mensais corrigidas pela taxa Selic. De acordo com o texto, Minas receberia cerca de R$ 4,9 bilhões por ano, como forma de compensação. Desse total, R$ 3,7 bilhões (75%) iriam para o caixa do estado e R$ 1,2 bilhão (25%) seriam divididos entre os 853 municípios mineiros, que também têm direito à compensação.
Em relação às perdas futuras, a proposta é que a União repasse, anualmente, R$ 18 bilhões a serem repartidos entre os Estados, considerando-se os critérios já estabelecidos pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
CARTA
Um documento em apoio à proposta elaborado pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de Minas, que recebeu o nome de Carta de Minas, foi assinado por vários prefeitos e pelas bancadas mineiras na Câmara, Senado e Assembleia.
A Carta de Minas será apresentada aos governadores e representantes da União pelo presidente da Assembleia, deputado Agostinho Patrus (PV). “Esta é nossa luta por recursos que possibilitarão o pagamento de contas atrasadas do estado e a retomada do desenvolvimento e dos investimentos em saúde, educação, infraestrutura e, principalmente, na área social. A Carta simboliza a união em busca dos R$ 135 bilhões que o estado deixou de arrecadar após a Lei Kandir”, afirmou o presidente da ALMG.
Nas últimas semanas, o governador Romeu Zema (Novo) passou a citar em suas agendas oficiais o ressarcimento como prioridade do governo estadual. Segundo ele, o recebimento das verbas permitirá até mesmo o fim do parcelamento do salário do funcionalismo e pode aliviar a situação das contas públicas no estado.
“Nesta segunda (hoje) estaremos indo para Brasília, junto com o presidente do Legislativo, Agostinho Patrus, e o procurador-geral Sérgio Tonet, demonstrando que Minas está toda unida no que diz respeito à Lei Kandir. Minas foi um dos estados mais prejudicados, ou talvez o mais prejudicado, já que tem por vocação a exportação. Sabemos que o governo federal está em situação financeira crítica, mas ele não pode fugir da responsabilidade”, cobrou Zema no sábado.
Segundo o procurador-geral do Pará, caso não seja firmado um acordo com a União, a Constituição Federal prevê que a ADO permite ao Supremo determinar que o Congresso coloque um ponto final sobre o tema e estabeleça um prazo. Ele avalia que a posição do Pará será de esperar inicialmente uma posição da União sobre os ressarcimentos. “É bastante razoável a proposta de Minas Gerais, mas o Pará entende que a proposta inicial tem que partir da União, pois é ela quem foi condenada pelo STF a promover a regulamentação do ressarcimento”, explicou Ricardo Sefer.
PRORROGAÇÃO
Em 2016, o plenário do Supremo acatou o pedido do Pará e estabeleceu prazo de 12 meses para a regulamentação da lei. Caso isso não ocorresse, a corte determinou que o Tribunal de Contas da União (TCU) deveria fixar em caráter provisório o montante total devido e a cota de cada ente federativo, até a edição da lei. Em 2017, o governo federal pediu que o prazo fosse prorrogado por mais 24 meses.
Em fevereiro deste ano, o ministro-relator do processo, Gilmar Mendes, atendeu a um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) e concedeu mais 12 meses para que o Congresso delibere sobre a compensação financeira aos estados. O ministro, no entanto, convocou todos os envolvidos para a audiência de hoje na tentativa de um acordo.
"Esta é nossa luta por
recursos que possibilitarão
o pagamento de contas atrasadas do estado e a retomada dos investimentos em saúde, educação, infraestrutura e na área social”
. Agostinho Patrus (PV),
presidente da Assembleia Legislativa
Sem compensação
A Lei Complementar Federal 87, de 1996, isentou do recolhimento de ICMS as exportações de produtos primários e semielaborados, como o minério de ferro. De autoria do então deputado federal Antonio Kandir (PSDB-SP), a lei tinha como objetivo estimular as exportações no Brasil e previa a regulamentação de um ressarcimento aos estados, o que ainda seria discutido. A medida levou à perda de arrecadação de vários estados, que deixaram de receber ICMS, sem que fosse feita uma compensação.