Projeto iniciado pelo governo petista em 2009 e que já consumiu milhões de reais, o Memorial da Anistia, que seria construído num terreno da UFMG no Bairro Santo Antônio, em BH, não vai mais ser concluído. Quem deu a notícia foi a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, ao visitar ontem o canteiro de obras, abandonado há anos. Segundo ela, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) não tem dinheiro para este fim. “Podemos encontrar outro destino para esse prédio, mas (para) o memorial não temos recursos”, disse. Damares afirmou ter grande respeito aos anistiados e que a história está preservada em acervo, sob os cuidados da UFMG. “A gente vai depois decidir o que fazer com a memória, com o acervo, a museografia, o material, os livros, aí é uma outra situação. Mas o prédio não temos condição de entregar para a sociedade, não temos dinheiro mais para isso.”
Na segunda-feira, véspera da visita ao ex-futuro Memorial da Anistia, a ministra escreveu no Twitter que veria o que dava para fazer sobre o assunto e calculou que já foram gastos R$ 28 milhões na obra, que inicialmente tinha um orçamento previsto de R$ 5 milhões. Durante a visita, os integrantes da cúpula da UFMG contestaram o número e disseram que foram gastos R$ 12 milhões até agora.
Damares visitou toda a estrutura do prédio em construção, acompanhada pela cúpula da universidade. No percurso, foi informada de que faltariam cerca de R$ 3 milhões para a restauração do prédio e mais R$ 8 milhões para colocar o memorial para funcionar. De acordo com ela, no entanto, os recursos que forem conseguidos servirão para dar melhor estrutura à Comissão de Anistia do governo federal, para responder mais rápido aos pedidos dos interessados.
Mais tarde, após visitar o local, Damares foi mais crítica em relação ao Memorial da Anistia. Divulgou no site do ministério que os valores empenhados na obra foram resultado da transferência de recursos do Fundo Penitenciário, que, inicialmente, deveriam ser usados na construção de presídios e na modernização da Polícia Federal. Os recursos, ainda segundo a publicação do ministério comandado por Damares, foram realocados para o Memorial após o cancelamento de outras obras e serviços, como a “construção da quinta penitenciária federal, adequação física de penitenciárias federais, reintegração de presos, internados e egressos, capacitação em serviços penais, reaparelhamento de unidades penais e acompanhamento à execução de penas alternativas”. As mudanças nas destinações dos recursos foram verificadas em auditoria feita pelo ministério. O decreto que autorizou a transferência é datado de 19 de novembro de 2009, quando foi publicado no Diário Oficial da União.
Diálogo Damares disse que vai dialogar com os anistiados e explicar a situação e que um memorial não é a resposta que eles esperam do seu ministério. “Isso aqui não é a resposta que os anistiados querem, é uma resposta para a história, para a memória, mas ela está preservada”, disse. Ao lado da reitora da UFMG, Sandra Goulart, a ministra disse que o fim do memorial, que nem chegou a ser feito, não é culpa do governo atual. “Não fomos nós que demos causa a este problema”, disse.
Damares isentou sua gestão também da culpa pela negativa de 1,2 mil requerimentos de anistia, desde o início do governo Bolsonaro. Segundo ela, coube à atual administração somente “rever” os processos e publicar. A ministra disse ter uma fila de mais de 7 mil pedidos para analisar, entre os quais há um feito em 2001. Ainda segundo ela, idosos morreram abandonados e sem dinheiro sem que as solicitações fossem analisadas. “A comissão vai focar em dar resposta a essas pessoas”, afirmou.
A construção do Memorial da Anistia está sob investigação da Polícia Federal, que apura um suposto desvio de recursos no empreendimento. Em 2017, foi feita uma operação e reitores da UFMG foram alvo de conduções coercitivas para explicar o atraso na obra. Questionada sobre o assunto, a reitora Sandra Goulart disse que a UFMG está “à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos.”
Tarso rebate ministra
O ex-ministro da Justiça Tarso Genro (PT) reagiu ao anúncio feito pela ministra Damares Alves de que foi cancelada a instalação do Memorial da Anistia em Belo Horizonte. Segundo ele, a medida é fruto do corte “generalizado” que vem sendo promovido pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) e considerou a atitude como “radical e ofensiva”. Ele rebateu a acusação de que os valores para a obra viriam do Fundo Penitenciário, como informado pela pasta de Damares. “Com certeza os recursos destinados eram específicos”, disse, negando que os valores teriam sido deslocados de outras áreas. E acusou a atual gestão de ter feito as alterações. “Se ocorreu alguma mudança foi feita por eles.” Ele estava à frente do Ministério da Justiça quando o memorial foi idealizado. Ainda de acordo com Tarso, a atual gestão tem promovido uma série de cortes sob a desculpa de falta de recursos. “Há um corte generalizado na educação e de direitos. Isso é fruto de uma posição política que tenta dividir o Brasil de maneira radical. De um lado os ultraliberais e de ultradireita, e de outro os que defendem aos valores da Constituição de 1988”, afirmou.