O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso endossou a tática do correligionário e governador de São Paulo, João Doria, de se distanciar criticamente do presidente Jair Bolsonaro. Para FHC, eventual fusão entre PSDB e DEM não significa, necessariamente, uma guinada à direita da sigla tucana. Sobre a decisão de rejeitar a expulsão do deputado Aécio Neves (MG), afirmou que a direção seguiu o estatuto do partido. O ex-presidente concedeu ontem entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em Buenos Aires, onde participou de seminário.
O PSDB decidiu rejeitar a expulsão do deputado Aécio Neves que era cobrada pelos diretórios paulistas. Como o senhor observou essa decisão?
Pelo que eu vi, seguiram o estatuto (do partido). O estatuto diz que a pessoa tem de ser condenada para ser expulsa. Então, o diretório não tinha muita alternativa.
O senhor acha que tenha sido uma derrota do governador Doria e do prefeito Bruno Covas?
Não, eu não acredito que tenha sido. Eu não sei o quanto ele se envolveu, mas não acredito que tenha sido.
Então, o senhor avalia que deveria ser uma iniciativa própria do deputado Aécio Neves. Baseada em ética e moral?
Baseada no sentimento dele: "se está prejudicando o partido, eu me afasto". Agora, ele tem de balançar isso com os interesses jurídicos porque isso pode enfraquecer a postura dele. Pode ser uma espécie de antecipação de reconhecimento de culpa.
O senhor acha que isso pesou?
Ah, sem dúvida.
Como vê o atual posicionamento de Doria, que agora é crítico do governo Bolsonaro?
Eu acho que esta fase é melhor porque, objetivamente, se o governador Doria quiser ser candidato, o Bolsonaro é adversário, não é aliado.
O governador pondera isso nessa decisão?
Sem dúvida.
PSDB e DEM deveriam mesmo caminhar para uma fusão?
Acho que a estrutura partidária brasileira está tão esfarelada, tão fragmentada, que muitas fusões seriam bem-vindas. Sou presidente de honra do PSDB, mas não tenho contato com o dia a dia. Emito minha opinião como observador. Acho que a fragmentação é de tal natureza que vamos precisar de uma reorganização da vida partidária.
O PSDB não está ao centro e o DEM à direita?
É verdade. Sempre foi assim.
Combinam?
O miolo do PSDB era um centro que olhava para os pobres, digamos assim. Uma centro-esquerda. Pouco a pouco, foi-se deslocando para o centro. O mundo foi para o centro.
Mas chegou à centro-direita?
Não chegou.
Com Doria, não?
Bom, pode ser que algumas pessoas tenham chegado, mas o partido, no seu conjunto, não chegou. Agora, o que acontece no mundo? Você hoje tem o liberalismo autoritário ou o liberalismo progressista.
Mas com o DEM não ficaria bem mais à direita?
O DEM mudou muito. Líderes do DEM que estão conversando com o PSDB já têm outra cabeça. Não são da geração dos avós.
Existe uma alternativa de centro no Brasil?
Acho que sim. No Brasil e no mundo. Não há vantagem em ser velho, mas eu vivi muito. Eu vi o Brasil, num certo tempo, polarizado: Vargas ou contra Vargas. Getúlio ou anti-Getúlio. Resultou depois numa fragmentação e numa organização de um centro. Eu acho que a posição assumida pelo governo atual, no plano dos costumes, não corresponde ao sentimento da sociedade brasileira. A cultura brasileira é de muita transigência, muita acomodação.
Nesse espaço de centro, quem deveria ser o representante? Luciano Huck seria esse o nome?
Ele tem a possibilidade. O Luciano Huck é um homem que, certamente, tem popularidade. Qual é a questão do Luciano Huck? É transformar-se de celebridade na TV em líder político para a popularidade se tornar voto. Não é a mesma coisa.
O projeto Luciano Huck deve ser sustentado pelo centro político brasileiro?
Se ele tomar os passos necessários, sim. Eu acho que, quando uma pessoa é um líder, é o líder quem tem de abrir o caminho.
Tem algum outro nome?
Não, porque, dos nomes que estão, certamente o governador de São Paulo é forte. Se é governador de São Paulo é porque demonstrou capacidade eleitoral. Quando ganhou a Prefeitura e depois o governo, foi ele quem ganhou. Não foi o partido propriamente.
Mas o senhor diz que candidato paulista, por vir de um Estado rico, não ganha eleições para presidente no Brasil...
Sim, tem muitas dificuldades. Mas o Doria é baiano (risos).
A indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington deveria ser revista?
Se eu fosse presidente, não nomearia um filho meu para a embaixada de Washington porque, primeiro, expõe muito a pessoa. Segundo, no caso dos nossos filhos, eles não são diplomatas. Não têm formação necessária para fazer frente aos múltiplos desafios de uma embaixada. O presidente Bolsonaro abriu um flanco enorme para aqueles que querem atacá-lo. Não vejo vantagem nenhuma em ter relação direta pessoal, através de um filho, com o setor mais reacionário dos EUA. Expõe o Brasil mais uma vez. O mundo está num momento difícil porque aquele entendimento aparente que havia entre EUA e China está se esgarçando. Precisamos, primeiro, olhar para o que vai acontecer. Segundo, tirar proveito. Um embaixador que é filho do presidente não tem nunca condições de fazer um jogo mais sutil nessas matérias porque o filho é a voz do presidente. É mais arriscado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo..