Às vésperas do Sínodo da Amazônia, o Planalto demonstra desconfiança em relação ao encontro que ocorrerá, em Roma, entre 6 e 27 de outubro. Na semana passada, o governo enviou um novo embaixador para o Vaticano, o diplomata Henrique da Silveira Pinto, que já foi instruído a conversar com representantes da Santa Sé sobre as preocupações com possíveis críticas ao Brasil. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, ressaltou que foram realizadas várias reuniões com representantes da Igreja, mas não esconde que o Palácio do Planalto espera que o Sínodo se limite a questões religiosas.
O incômodo do governo aumentou em razão de um périplo pelo rio Amazonas, iniciado em julho, de um barco-hospital da Diocese de Óbidos, iniciativa financiada por entidades religiosas de São Paulo. Batizada de Papa Francisco, a embarcação tem feito atendimentos da saúde a populações carentes do Baixo Amazonas, no Pará. O governo afirma que faz rotineiramente esse atendimento humanitário às populações ribeirinhas, com pelo menos cinco embarcações, em diversos braços fluviais na região.
A presença desse barco, neste momento, é encarada como uma forma de fazer propaganda da Igreja em atendimento a populações desassistidas. Embora reconheça dificuldades e carências da região, o governo pretende reagir caso o périplo do barco sirva para que a Igreja dê a entender que não há assistência do Estado na Amazônia.
Ao levar a assistência aos ribeirinhos, d. Bernardo Bahlmann, presidente do Regional Norte 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), disse que a iniciativa partiu de um chamado do papa Francisco para uma maior atenção sobre a região. A ideia do barco-hospital surgiu diante "da necessidade do nosso povo, o abandono do nosso povo no Oeste do Estado do Pará e, sobretudo, a fragilidade da saúde na nossa região da Amazônia", afirmou o bispo.
Interlocutores do presidente Jair Bolsonaro disseram que aumentou a preocupação com o tom do documento a ser produzido pelo Sínodo, em meio às críticas sobre o aumento das queimadas, a demora em ação no combate ao fogo e o crescimento do desmatamento.
Quando indicado ao cargo, o embaixador Silveira Pinto apontou problemas em documentos preparatórios do Sínodo. Segundo ele, os textos continham "ideias e conceitos" que causaram preocupação. O governo espera que o documento final, por tradição do Vaticano, não cite nominalmente governos e políticas públicas.
Soberania
O incômodo do governo é com a possibilidade de que haja tentativa de interferência em políticas públicas e ameaças à soberania. O ministro Augusto Heleno, mesmo usando um discurso conciliador, demonstra sua preocupação. "A nossa expectativa é de que não haja problema para o governo e nem nenhum desentendimento com a Igreja", declarou. "Nós temos promovido ótimas reuniões com o Sínodo, não só aqui, mas em Roma, e está se encaminhando para se ter uma atividade dentro do que foi previsto, que não vai exceder os limites do que a Igreja se propôs a fazer. É o que nós esperamos."
Da mesma forma, haverá uma atenção especial de como este tema será levado para a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em setembro. O governo imagina que o presidente Bolsonaro deverá ser alvo preferencial de ataques na reunião internacional.
O primeiro sinal do tamanho que essa polêmica envolvendo a Amazônia e o meio ambiente pode alcançar veio com a queda de braço com a França, que levou o tema para o G-7, grupo dos sete países mais ricos do mundo. Isso ampliou as queixas no governo brasileiro sobre a tentativa de interferência em questões internas.
As declarações do papa Francisco sobre o assunto, no domingo, 25, endossaram as desconfianças. "Estamos todos preocupados com os grandes incêndios que ocorrem na Amazônia. Vamos orar para que, com o empenho de todos, possam ser controlados o mais breve possível. Esse pulmão florestal é vital para o nosso planeta", afirmou o papa a fiéis na Praça São Pedro.
Essa não é a primeira vez que o papa manifesta preocupação com o meio ambiente e a floresta amazônica. Há um ano, quando foi agendada a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica, ele já havia comentado que "o objetivo principal desta convocação é identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do povo de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente sem perspectivas de um futuro sereno".
Como noticiou o Estado, os movimentos do governo desde o início do ano, quando ocorreram as primeiras reuniões do Sínodo, tinham o objetivo de neutralizar os ataques que poderiam ser feitos ao País. Como o papa será o condutor da reunião e já se manifestou sobre os incêndios na Amazônia, há temor em relação ao teor do texto final a ser elaborado, mesmo que haja contestações de setores conservadores da Igreja - que estão mobilizados e prometem reação antes do evento.
Bispos
A onda de incêndios florestais no Brasil e na Bolívia entrou na pauta dos últimos encontros de bispos da Igreja Católica no continente antes do Sínodo da Amazônia, convocado para outubro pelo papa Francisco.
A um mês do evento no Vaticano, os bispos brasileiros e bolivianos vão debater as queimadas durante duas reuniões de análise dos temas prioritários a serem levados à Santa Sé. Os encontros ocorrem nesta semana em Belém (PA) e em Cochabamba, cidade andina na Bolívia.
Conforme um religioso a par da organização, os bispos discutirão formas de deter os incêndios, que consideram ataques à floresta e aos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos.
Os bispos foram convocados para estudar o documento conhecido como "Instrumento de Trabalho", que servirá de base para orientar o futuro Sínodo da Amazônia. Ele foi elaborado após centenas de assembleias entre os religiosos católicos e as comunidades amazônicas, em nove países sul-americanos, desde que o papa convocou a realização do Sínodo, em 2017.
O Conselho Episcopal Latino-americano (Celam) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) expuseram em notas oficiais a preocupação e o tom com que os líderes católicos usam para se referir ao fogo na floresta amazônica. "É urgente que os governos dos países amazônicos, especialmente Brasil e Bolívia, as Nações Unidas e a Comunidade Internacional adotem medidas sérias para salvar os pulmões do mundo. O que acontece com a Amazônia não é apenas uma questão local, mas de alcance global. Se a Amazônia sofre, o mundo sofre."
Os comunicados assinados pelas cúpulas das entidades usam argumentos que respaldam a repercussão internacional negativa para o Brasil - a de que o crime ambiental tem efeitos mundiais. Os bispos se referem à Amazônia como uma "casa comum", o que incomoda o governo Jair Bolsonaro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
POLÍTICA