O Ministério Público de São Paulo quer assumir a competência total sobre ações penais contra o ex-diretor do Metrô paulista Sérgio Corrêa Brasil, o 'Encostado', ou 'Brasileiro', como era rotulado nas planilhas de propinas da Odebrecht. Por meio de conflito positivo de competência, a Promotoria estadual afirma que Brasil fechou um 'sobreacordo Frankestein' com a Procuradoria da República, homologado pela 3.ª Vara Criminal da Justiça Federal, para se livrar de uma eventual condenação na Justiça de São Paulo - perante a qual ele já é réu desde março, na 12.ª Vara Criminal da Capital, com base na delação de executivos ligados à Odebrecht por supostamente ter recebido R$ 392,87 mil, entre 2012 e 2013, para 'ajustar' o edital de licitação das obras da Linha 5-lilás.
O conflito positivo de competência é subscrito pelo promotor de Justiça Marcelo Batlouni Mendroni, do Grupo de Atuação Especial de Repressão à formação de Cartel e a Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos Financeiros, braço do Ministério Público do Estado.
O advogado Daniel Casagrande, que defende Sérgio Brasil, afirma ter 'convicção que os fatos são de competência da Justiça Federal'. "O STF já se manifestou nesse sentido, encaminhando a delação da Odebrecht, no que concerne ao METRO-SP, para apuração perante a Justiça Federal de São Paulo, que ratificou tal entendimento. De todo modo, uma vez homologado, qualquer acordo de colaboração premiada deve ser respeitado por todos os órgãos de acusação e Juízos, sejam da esfera Federal ou Estadual"
Mendroni pede que o Superior Tribunal de Justiça decida pela competência da 12.ª Vara Criminal da Capital 'para julgar ambas as ações interpostas, remetendo-se aqueles outros autos, da Justiça Federal para esta Justiça Estadual'.
O promotor formalizou denúncia contra Brasil 'Encostado' em dezembro de 2018, a partir de Acordo de Leniência em que a empreiteira se comprometeu a fornecer detalhes 'sobre os fatos criminosos de seus funcionários', em relação à concorrência 41428212, Proposta Comercial de Linha 5-Lilás.
Além do ex-chefe do Metrô, são acusados executivos ligados à Odebrecht, Celso da Fonseca Rodrigues, Carlos Armando Guedes Paschoal, o 'CAP', e Luiz Antonio Bueno Júnior - estes todos por corrupção ativa.
No início de agosto, a juíza Flávia Serizawa e Silva, da 3.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, homologou acordo de delação premiada de Brasil com o Ministério Público Federal, por meio do qual ele confessou ter recebido R$ 4 milhões em propinas das maiores empreiteiras do País - Andrade Gutierrez, OAS, Odebrecht, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão - e delatou políticos e agentes públicos.
Os valores teriam chegado a contas de Sérgio Brasil 'Encostado' entre 2004 e 2014, durante as gestões Geraldo Alckmin (PSDB), Claudio Lembo (PFL), José Serra (PSDB) e Alberto Goldman (PSDB) - nenhum ex-governador é citado no processo.
Após a homologação, o ex-diretor do Metrô apressou-se em pedir à Justiça Federal cumprimento antecipado da pena estipulada no acordo. Os primeiros três anos da pena em 'regime fechado diferenciado', ou seja, prisão domiciliar com tornozeleira e limitação de visitas. Dois anos em semiaberto e mais dois anos no regime aberto. A juíza Flávia ainda vai decidir, mas a ação poderá ficar emperrada se vingar a estratégia do promotor Mendroni.
"Diante desta situação de delatado, Sérgio Correa Brasil ardilosamente procurou o Ministério Público Federal em São Paulo buscando uma espécie de 'colaboração premiada sobre aquela colaboração premiada anterior'", ataca Mendroni, no âmbito de exceção de incompetência da 12.ª Vara Criminal da Capital suscitada pela defesa de 'Encostado'.
Segundo ele, 'o Ministério Público Federal em São Paulo, por sua vez, ignorou o acordo anterior do Ministério Público do Estado com a empresa Camargo Correa, ignorou também a denúncia e as imputações oferecidas pelo Ministério Público do Estado/Gedec e, por fim, novamente ignorou a atuação deste Juízo da 12.ª Vara Criminal do Estado de São Paulo'.
"Passou por cima de tudo isso como se a situação jurídica estadual não existisse, e, meses após, através de dez procuradores, decidiu firmar um 'sobreacordo' de colaboração premiada com o mesmo acusado Sérgio Corrêa Brasil, concedendo-lhe benefícios legais e penais que não vieram em nenhum momento ao conhecimento do Ministério Público do Estado", sustenta Mendroni.
Na avaliação do promotor do Gedec, 'colocaram-se, ou pretenderam se situar como uma espécie de Justiça Federal acima da Justiça Estadual'.
"Criaram, assim, um inacreditável imbróglio processual penal de difícil equacionamento, relegando, agora, ao Superior Tribunal de Justiça a difícil missão de dirimi-lo", alerta. "Importa enfatizar, desde logo, que, se aceita pelo STJ a justiça federal como a competente, se criará uma figura 'de Direito Processual', não de 'Direito Penal', supralegal de extinção de punibilidade, não prevista na legislação."
Mendroni chama o ex-diretor do Metrô de 'agente delatado-delator'.
Ainda de acordo com seus argumentos, 'Encostado' receberá uma hipótese de extinção de punibilidade na justiça estadual - o processo deixará de existir - 'em decorrência da elaboração sorrateira do acordo e de benefícios concedidos pelo Ministério Público Federal e homologados pela Justiça Federal por ter se valido de um Sobreacordo Frankestein' de colaboração premiada na Justiça Federal justamente para escapar da possível ou provável punição da Justiça Estadual'.
O promotor paulista anota que a juíza da 3.ª Vara Federal aceitou a competência da Justiça Federal por considerar que as obras das Linhas 2, 5 e 6 do Metrô contaram com financiamentos obtidos perante o BID, o BIRD e o JBIC, cujas operações foram habilitadas com a garantia da União, conforme ofício e planilhas fornecidos pela Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de São Paulo.
"O fato de uma licitação estadual envolver recursos repassados ao Estado-Membro pelo BNDES por meio de empréstimo bancário, chamado de mútuo feneratício, não atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar crimes relacionados a suposto superfaturamento na licitação", crava Mendroni.
Segundo ele, 'tampouco houve qualquer habilitação do Ministério Público Federal em relação ao caso Autos da Ação Penal n° 0096897- 91.2010.8.26.0050'.
"Não houve prejuízo por parte do BNDES nem a outros bancos financiadores dos quais a União foi mera garantidora, e, portanto, se tratou de financiamento por parte do ente governo do Estado de São Paulo que, este sim, sofreu prejuízo em decorrência do cartel, da fraude, e consequentemente do superfaturamento", segue o promotor.
"Foram o ente Estado de São Paulo e o Metrô/SP, não a União, que tiveram que pagar valores superfaturados ao BNDES, ao BID ou ao BIRD."
"Em 2000, o governo do Estado de São Paulo adquiriu capacidade de financiamento para tocar as obras da Linha 2 - Verde. Mas somente no ano de 2003 o governo de São Paulo, de fato, reuniu condições financeiras plenas, viabilizando economicamente a execução desses contratos, a partir da obtenção de financiamentos federais e internacionais, como do BNDES, BIRD e BID", destaca o promotor estadual.
"Restou evidente que o Estado de São Paulo assumiu o empréstimo do financiamento com os Bancos e depois sofreu o prejuízo decorrente do cartel, da fraude, da corrupção e consequentemente do superfaturamento", afirma o promotor. "A 3.ª Vara Federal de São Paulo deveria ter recusado a homologação do Acordo de Colaboração Premiada (de 'Encostado'), verificando, no caso concreto, a sua 'irregularidade'."
Mendroni diz que 'se o acordo firmado entre Sérgio Corrêa Brasil e o Ministério Público Federal em São Paulo não é ilegal, é irregular porque ele claramente pretende se furtar da ação penal contra ele anteriormente proposta na jurisdição estadual'.
"Todavia, ninguém pode se beneficiar pela própria torpeza, e foi ele próprio que deu causa ao presente 'Imbróglio Processual'."
O promotor pede que o Superior Tribunal de Justiça 'dirima o conflito de competência, julgando-o pela competência desta 12.ª Vara Criminal da Justiça do Estado para julgar ambas as ações interpostas'.
Ele sugere que os autos da 3.ª Vara da Justiça Federal sejam deslocados para a competência da Vara estadual.
"Sérgio Corrêa Brasil deve ser excluído do polo passivo da ação na Justiça Federal, prosseguindo aquela ação, todavia, em relação aos demais acusados e prosseguindo-se a ação penal contra ele e demais réus no âmbito da Justiça Estadual de São Paulo, para tanto, anulando-se os efeitos de quaisquer benefícios processuais e penais concedidos a Sérgio Corrêa Brasil firmados com o Ministério Público Federal/SP e homologados pela 3.ª Vara da Justiça Federal, mas mantendo todo o teor da colaboração e aproveitamento de eventuais provas de qualquer espécie e documentos por ele entregues para que sejam admitidos como provas na Justiça estadual."
COM A PALAVRA, O ADVOGADO DANIEL CASAGRANDE, QUE DEFENDE SÉRGIO BRASIL
A defesa de Sérgio Brasil tem convicção que os fatos são de competência da Justiça Federal. O STF já se manifestou nesse sentido, encaminhando a delação da Odebrecht, no que concerne ao METRO-SP, para apuração perante a Justiça Federal de São Paulo, que ratificou tal entendimento. De todo modo, uma vez homologado, qualquer acordo de colaboração premiada deve ser respeitado por todos os órgãos de acusação e Juízos, sejam da esfera Federal ou Estadual. Tanto o MP como o Poder Judiciário são instituições unas, cuja divisão em Federal e Estadual existe, apenas, para organização dos trabalhos. Negar a aplicação de um acordo homologado judicialmente é desabonar um instituto que tem contribuído enormemente para passar o Brasil a limpo.
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