O Ministério Público instaurou, nesta quinta-feira (29), procedimento preliminar para apurar o gasto de R$ 185 mil em diárias na Câmara de Itapecerica, Região Centro-Oeste do estado. A despesa, como revelado pelo Estado de Minas, é 26 vezes superior à dos 17 vereadores e servidores de Divinópolis, a maior cidade da região, com 235 mil habitantes.
O promotor Pedro Henrique Santiago pedirá, por meio da notícia de fato, esclarecimentos ao presidente do Legislativo, José Elias Rodrigues. “Havendo indícios de que houve prejuízo ao patrimônio público e uso indevido das diárias será instaurado inquérito civil”, explica. Considerando o montante acima da média, o promotor disse que é necessário verificar se o gasto está dentro da lei.
Redução das diárias
A repercussão da notícia também provocou reação dos 11 vereadores de Itapecerica, município com 21,7 mil habitantes. Eles recuaram e apresentaram, na segunda-feira (26), substitutivo ao Projeto 26/2019 que ampliava as diárias e igualava os valores entre servidores e motoristas.
A proposta original, apresentada pela Mesa Diretora, no último 5 de agosto, incluía o valor de R$ 650 para vereadores e R$ 450 para assessores que fossem a Brasília. A nova redação não prevê a categoria, enquadrando o Distrito Federal na já existente “para outros estados” e reduzindo o valor dela em 10%.
A diária para viagens a municípios acima de 100 quilômetros de Itapecerica também estava no pacote de aumentos, passando de R$ 200 para R$ 300, no caso de parlamentares, e de R$ 125 para R$ 180, servidores. Com o substitutivo, a Mesa Diretora espera reduzir os valores praticados atualmente também em 10%.
Caso o substitutivo seja aprovado, as valores vão variar entre R$ 35 para servidores e motoristas (viagens a municípios até 100km da sede sem pernoite) e R$ 405 para vereadores (outros estados com pernoite). Se o projeto original passasse pelo crivo do plenário, seriam pagos pelas diárias entre R$ 35 a R$ 650 (Distrito Federal).
A concessão de diárias é regulamentada em Itapecerica pela Lei, 2.543/2017. A norma prevê o benefício em casos de eventos, visitas ou de reuniões de interesse do Poder Legislativo. Ela proíbe o pagamento se a viagem não tiver interesse organizacional ou representatividade do município.
Repercussão
O presidente da Câmara emitiu nota oficial, na terça-feira (27), dizendo não haver ilicitude nas despesas com diária. Mesmo assim, confirmou a apresentação do substitutivo. “Diante da repercussão da matéria, os vereadores resolveram rever o projeto, que se encontra em tramitação na Casa, e a Mesa Diretora resolveu apresentar o substitutivo diminuindo os valores atuais, por entender a realidade financeira do país, do estado e, principalmente, do município”, consta na nota.
Ele reafirmou que a norma de 2017 foi elaborada a partir de recomendação do Ministério Público e que, em 2018, houve a alteração no anexo estipulando tabela diferente entre servidores e motoristas. “Essa situação suscitou questão sobre a isonomia”, afirma a nota. Com isso, segundo Rodrigues, houve a elaboração do novo projeto.
O presidente alega que a Câmara de Itapecerica “não tem funcionários para assessorar individualmente cada membro, não possui verba indenizatória, de gabinete ou qualquer subsídio para o exercício da vereança”. Diz estar “ciente da crise financeira por que passa o estado” e que, por isso, devolveu do orçamento do Legislativo R$ 407 mil aos cofres da prefeitura para instalação do “Olho Vivo” e conclusão da obra de uma creche.
Vereador paga multa para evitar processo
O vereador Vitor Paulo dos Santos (Patriota) pagou multa estipulada em R$ 15.145,59 por recebimento indevido de diárias. Na época, também motorista da prefeitura, ele recebeu, em março e maio de 2017, os valores acumulados pelas duas funções. “Ele levava o pessoal da saúde até Belo Horizonte, estava lá a trabalho da prefeitura porque acumula os cargos de motorista e vereador. Mesmo indo pela prefeitura, ele pedia a diária na Câmara. Ele dizia que tinha que ir à ALMG”, explica o promotor.
Segundo Santiago, como o combustível é a parte das diárias, não havia razão que justificasse o pagamento pelos dois órgãos. “A diária é para que? Pagamento de um lanche, almoço, para não custear do próprio salário”, argumenta. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado, segundo o promotor, por se tratar de uma “dano pequeno” e, devido ele ter ressarcido os cofres públicos. Foi recebido indevidamente R$ 364.
A partir do acordo, ele também se comprometeu a não mais receber diárias acumuladas. Como servidor público e vereador, ele embolsou R$6.216,68 ao longo de todo o ano de 2017. Como motorista, o valor foi para “manutenção de veículo da saúde” e como parlamentar para viagens à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em Belo Horizonte.
Procedimento administrativo
Em nota, a prefeitura disse que os “questionamentos sobre recebimento de diárias, estes são afetos ao exercício da função pública de vereador e, portanto, são de interesse e responsabilidade da Câmara as informações”.
“Quanto à condição de servidor do município, o mesmo está afastado por conclusão de procedimento administrativo e assim permanecerá até eventual posterior decisão. Por se tratar de fatos inerentes ao exercício da função, que por sua natureza são sigilosos, estão restritos às autoridades administrativas e judiciais”, informou.
A assessoria jurídica da Câmara disse que não tinha nada a declarar e que as informações disponíveis estão no Portal da Transparência.
O vereador, inicialmente, negou o recebimento indevido. Confrontado com as informações do MP, disse que não daria entrevista por telefone.
(Amanda Quintiliano, especial para o EM)