Filhos do descrédito da população com a chamada “velha política”, movimentos e organizações voltados para a renovação política acompanham calendário eleitoral e, assim como os partidos tradicionais, se preparam para a disputa municipal de 2020. Autointitulados suprapartidários e com diferentes linhas de atuação, os grupos iniciaram processos seletivos para a formação de políticos e começaram a identificar lideranças para representá-los nas prefeituras e câmaras muni- cipais. Depois de ganhar projeção nas eleições de 2018 e mais ainda após o atrito com legendas na votação da reforma da Previdência, eles registram crescimento de mais de 100% na procura.
A decisão de políticos, em especial a deputada federal estreante Tabata Amaral (PDT), integrante do movimento Acredito e ex-aluna do RenovaBR, de não seguirem o posicionamento de seus partidos na votação das regras da aposentadoria colocou essas organizações da sociedade civil no centro do debate. O PDT, contrário à reforma aprovada, abriu processo disciplinar contra a parlamentar, que votou a favor da reforma. Apesar de filiados a partidos, condição para concorrer às eleições no Brasil, integrantes dos movimentos se comprometem com pautas e posicionamentos desses grupos, o que acabou criando questionamentos sobre conflito entre os partidos e esses grupos, financiados por doações de cidadãos.
Fundado pelo executivo Eduardo Mufarej em 2017, o RenovaBR, escola de formação de lideranças políticas, assiste a um crescimento estrondoso. Este ano, foram 31 mil inscritos no processo seletivo para o curso gratuito com foco nas eleições de 2020. Dos 133 alunos preparados nas eleições de 2018, o número saltou para 1,4 mil, 10 vezes maior. No ano passado, 16 alunos do RenovaBR foram eleitos, entre eles os deputados federais mineiros Lucas Gonzalez e Tiago Mitraud, ambos do Novo.
“Os partidos não desenvolvem trabalho de formação de políticos, por isso temos espaço para crescer”, afirma o diretor de Seleção, Rodrigo Cobra. Ele explica que os partidos dos alunos são conhecidos apenas após a aprovação, indicando segundo ele o caráter “suprapartidário”. Entre os critérios de seleção está não ter posicionamentos extremos. “Isso demonstra dificuldade em dialogar”, diz. A organização conta este ano com orçamento de R$ 10 milhões para desenvolver as atividades, recursos doados por 500 pessoas físicas. Também tem como parceiros empresas como a Gol Linhas Aéreas e a auditoria internacional PwC.
Sala de aula
O curso é majoritariamente on-line, mas conta com encontros presenciais. Nesse sábado, os 181 mineiros, de 81 municípios, selecionados no programa lotaram o auditório do Museu Inimá de Paula, no Centro de BH, na primeira aula para a corrida eleitoral. Eles vão aprender sobre desafios municipais, políticas públicas bem-sucedidas, além de receber orientações sobre como fazer campanha mais barata e próxima do eleitor.
O curso é majoritariamente on-line, mas conta com encontros presenciais. Nesse sábado, os 181 mineiros, de 81 municípios, selecionados no programa lotaram o auditório do Museu Inimá de Paula, no Centro de BH, na primeira aula para a corrida eleitoral. Eles vão aprender sobre desafios municipais, políticas públicas bem-sucedidas, além de receber orientações sobre como fazer campanha mais barata e próxima do eleitor.
O publicitário Rafael Flávio, de 31 anos, morador de São Sebastião do Paraíso, no Sul de Minas, é um dos alunos selecionados pelo RenovaBR. Ele nunca exerceu cargo eletivo, mas já se candidatou a vereador nas eleições passadas. Desta vez, procurou se preparar para a disputa. “Estou esgotado da política como ela é. Resolvi buscar capacitação, buscar mais conhecimento para, sendo eleito, chegar ao cargo com perfil mais técnico”, afirma Flávio.
A mais antiga das organizações do gênero, a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), fundada em 2012, registrou recorde de inscrições no último processo seletivo para a formação de lideranças que pretendem disputar eleições, encerrado em agosto. Foram 7.030 interessados, o dobro do ano passado, quando houve 3.433 inscritos.
“A sociedade tem reconhecido a importância da política para além do exercício do voto e a Raps tem um pioneirismo. Também há uma expectativa de renovação, de alternância de poder com pessoas de fora da política”, afirma a diretora-executiva da organização, Mônica Sodré. A entidade já formou 581 lideranças, sendo que 133 exercem mandatos, em 29 partidos diferentes.
Diferentemente do RenovaBR, a Raps aceita alunos com mandato ou veteranos na política. Apesar do crescimento, a Raps vai manter a média de vagas dos anos anteriores, entre 60 e 100. As aulas são gratuitas, mas os candidatos arcam com as despesas de viagem e alimentação. O orçamento da entidade é de R$ 3,5 milhões, vindo de doações de cidadãos. “Em 2020, escolhemos trabalhar com potenciais candidatos a vereadores e prefeitos sobre cidades inteligentes”, diz.
Estratégia de expansão para conquistar espaço
Enquanto alguns movimentos atuam na formação de políticos, outros trabalham com a mobilização de lideranças que abracem suas bandeiras. O movimento Acredito, que conta com a deputada federal Tabata Amaral (PDT) entre as lideranças, tem a meta de renovar 10% do Congresso em 10 anos e se articula para aumentar seus representantes em 2020. Em 2018, foram 28 lideranças, sendo que quatro delas, de três partidos, conseguiram se eleger.
O movimento, que conta com uma série de posicionamentos nas áreas de educação, economia, segurança pública, assinou cartas de compromisso com cinco partidos para garantir a independência de seus integrantes nas legendas, o que não evitou o atrito com as siglas. Apesar do conflito, a intenção é expandir e contar com pelo menos 100 representantes.
“Os voluntários do Acredito é que escolhem quem vai se candidatar com nossa marca”, afirma o coordenador nacional, Samuel Emílio. As lideranças recebem o apoio do grupo, com o suporte dos voluntários e na comunicação. “Eles fazem parte de um movimento nacional e isso é uma grande contribuição na narrativa das candidaturas”, diz.
Livres
Defensor do liberalismo na economia e nos costumes, o movimento Livres lançou 39 candidatos em 2018, conseguindo eleger nove, de quatro legendas - Novo, Cidadania, PSDB e DEM. Para 2020, a projeção também indica apoio a 100 candidatos. “Queremos lançar 20 candidatos a prefeito e 80 vereadores”, afirma o presidente do Livres, Paulo Gontijo.
O movimento atua na disseminação do pensamento liberal no país, a partir da formação de lideranças e desenvolvimento de políticas públicas e projetos de impacto social. O Livres nasceu incubado no PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, e acabou proclamando independência em relação à candidatura do militar, que defende o conservadorismo e não se enquadra nas ideias do grupo.
Para ter a "chancela" do movimento, é necessário ser aprovado pelo Livres e passar pelo crivo dos atuais membros com mandato. Classificado como uma associação, o Livres conta com 2,5 mil associados que pagam mensalidade de R$ 24,90. Há também a categoria de grandes associados, que doam acima de R$ 2 mil. Neste ano, o orçamento é de R$ 1,1 milhão.
A intenção, segundo Gontijo, não é se tornar um partido. “Não é viável, é caro e os partidos trazem uma carga negativa que não estamos dispostos a absorver”. Também de acordo com o presidente, não há conflito com legendas. “Os partidos constituídos têm o monopólio do acesso aos cargos eletivos. Nosso objetivo é melhorar as ideias e os partidos caminham com a gente. Não é um antagonismo”, afirma.
Agora
O movimento Agora, que tem entre seus integrantes o apresentador Luciano Huck, conseguiu eleger três dos 16 membros que concorreram, entre eles o deputado federal e ex-ministro da Cultura de Michel Temer Marcelo Calero (PPS). Este ano, trabalha com uma estratégia diferente para 2020. Em vez de focar em candidatos, está trabalhado para entregar uma agenda de desenvolvimento para o país, com foco em 10 áreas.
“A gente se comprometeu com isso e vamos entregar. Gostaríamos que essa agenda fosse usada como projeto de governo dos candidatos”, afirma o cofundador do movimento, Leandro Machado. “Os problemas começam nas cidades. É fundamental envolver prefeitos e vereadores”, completa.
Palavra de especialista
Carlos Ranulfo, cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Renovação mais fácil nos municípios
É mais fácil a renovação política ocorrer nas câmaras municipais do que no Congresso Nacional. Nos municípios, os partidos têm pouca relevância, não contam tanto. A própria Câmara Municipal de Belo Horizonte mostra o quanto o sistema partidário é fraco. São 41 parlamentares e mais de 20 partidos, muito pulverizado. Além disso, é onde começa a carreira política e muitos candidatos não têm nenhuma experiência. Por causa disso, a tendência é que não haja conflito entre esses movimentos e os partidos, como ocorreu com a deputada federal Tabata Amaral (PDT). A questão é, quando essa renovação apartidária chega no Congresso, isso não cola, porque os deputados votam com o partido. .