Em um cenário de crise política, que não acabou com a eleição, o presidente Jair Bolsonaro não tem sido capaz de buscar uma "conciliação" e dialogar com demais setores da sociedade. A análise é do sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, autor de, entre outros livros, Presidencialismo de Coalizão - Raízes e Evolução do Modelo Político Brasileiro.
"Ele nasceu no extremo. Sempre foi o que é. Está na direita, bem lá na ponta", disse em entrevista ao Estado. Segundo Abranches, a perda de popularidade de Bolsonaro é "preocupante". "Qualquer fagulha pode pegar fogo."
O sociólogo afirmou ainda que a polarização minou a centro-esquerda e empurrou o PT, principal partido de oposição, para uma esquerda de "posições que já deveria ter abandonado", enquanto PSDB e DEM foram puxados para a direita.
"Está vazia uma centro-esquerda e até um centro mais moderado, com uma visão mais social, um posicionamento contemporâneo, reformista, que tenha consciência da crise dos empregos, dessa nova economia, que entenda que a globalização é inevitável e que o mundo hoje é mais cosmopolita."
Por que, com apenas oito meses de um novo governo, já se fala em cenários para 2022?
O Brasil está em uma crise política desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff. A crise não foi superada. O impeachment agravou a crise e aguçou a polarização.
Pesquisa divulgada na segunda-feira, 26, mostrou que a desaprovação pessoal do presidente Bolsonaro subiu de 28% para 53%. Isso é motivo de preocupação?
Há razões para ficar preocupado. A crise não acabou com o fim da eleição. Continua sendo um governo no contexto de uma crise política, que se agravou porque o presidente tem uma atitude de confrontação. Ele não é capaz de um movimento de conciliação, de uma abertura para setores da sociedade e do mundo. É muito fechado.
Há uma discussão em torno da fusão de partidos, notadamente entre DEM, hoje representado pela figura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e pelo PSDB, liderado pelo governador João Doria. Como avalia essa possibilidade?
É muito provável que haja esse processo de fusão de partidos à medida que vamos nos aproximando de 2020, a não ser que o Congresso revogue a proibição de coligações proporcionais, o que seria muito ruim. O movimento natural é que aqueles com certa afinidade de valores e comportamentos se fundem.
O sr. entende que Bolsonaro foi empurrado para o extremo?
Não, ele nasceu no extremo. Sempre foi o que é. Ele até andou tentando maquiar a posição dele, dizendo que é de centro-direita, mas ele é de direita mesmo, lá na ponta.
E quem vai ocupar o espaço do centro na política nacional?
O espaço que está ficando vazio na política hoje é a centro-esquerda. O PT está na sua própria crise e não consegue formular uma nova posição, mais contemporânea e alinhada com os desafios do século 21. Há uma parte importante da centro-esquerda sem representação. Com a polarização, o PT foi empurrado para uma esquerda de posições que já deveria ter abandonado, retrógradas.
O apresentador de TV Luciano Huck e o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung têm mostrado disposição de entrar no jogo político. Eles poderiam ocupar esse espaço?
Conheço a trajetória do Paulo Hartung. É um candidato claro a ser um protagonista na formação de um pensamento social-democrata. Começou na prefeitura de Vitória com uma aliança PSDB-PT pouco provável. Ele tem uma visão que permite isso. O Luciano Huck não sei como pensa. Mas, claramente, Paulo Hartung é um político que tenta gravitar e construir uma alternativa nesse perímetro entre a centro-esquerda e o centro.
Onde vê o ministro Sérgio Moro em um cenário eleitoral?
Politicamente, hoje não consigo ver.
Como as disputas locais de 2020 ajudarão a definir as disputas nacionais?
As lógicas são muito diferentes, são sistemas partidários distintos. Partidos importantes no Rio não necessariamente têm força em capitais do Nordeste ou do Sul. A qualidade de vida das cidades é muito próxima do cidadão, os temas locais predominam. Mas, ciclicamente, tem havido momentos em que as eleições municipais coincidem com o debate nacional. O discurso se repete quando o quadro está muito polarizado, em uma crise como a de agora. Se o discurso não mudar, teremos um debate, sobretudo nas capitais, muito mais nacionalizado. Mas entendo que a escolha do eleitor continuará sendo baseada em questões locais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo..