Jornal Estado de Minas

Política

Antes da facada em Bolsonaro, Adélio recusou tratamento

Em carta escrita para os irmãos, agressor diz ser vítima de 'maldições e satanismos' - Foto: Luiz Ribeiro/D.A Press
O autor da facada contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL), Adélio Bispo de Oliveira, quatro meses antes do atentado, foi orientado a procurar atendimento psiquiátrico por uma irmã, que percebeu que ele apresentava transtornos mentais, ao demonstrar “revolta” contra políticos.

Porém, Adélio recusou o tratamento. A revelação é do irmão mais velho de agressor, o ex-chapa de caminhão Aldeir Ramos de Oliveira, de 52, que diz acreditar que se Adelio tivesse se tratado antes, não teria cometido o ato contra Bolsonaro, que completa um ano nesta sexta-feira.

O então candidato a presidente pelo PSL foi esfaqueado durante uma atividade de campanha em Juiz de Fora (Zona da Mata). Adelio Bispo, de 41, foi detido logo após o crime e levado para a Penitenciária Federal de Campo Grande (MS), onde permanece.

Em junho passado, com base em laudos psiquiátricos, o juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora, concluiu que Adélio Bispo é “inimputável” (ou seja, não pode responder por seus atos) por ser portador de transtorno mental. Na sequência, o magistrado também decidiu por “absolvição imprópria” (que o réu é culpado, mas não tem capacidade de entender o que fez) e determinou a permanência no presídio federal de Campo Grande, por tempo indeterminado, devendo passar por nova avaliação psiquiátrica após três anos.


Familiares de Adélio Bispo, que moram em Montes Claros, no Norte de Minas, reclamam que passado um ano, não conseguiram nenhum contato com ele e que também não têm condições para custear as despesas de viagem para visitá-lo na capital do Mato Grosso do Sul. Eles alegam que enfrentam dificuldades com a pobreza. Informam que durante um ano acompanharam notícias do parente distante somente pela televisão e pela internet. Fora isso, só receberam informações de Adelio por meio de uma carta, escrita por ele, de próprio cunho, em maio passado.
Mesmo assim, ainda não tiveram condições de responder a carta e atender pedidos feitos por meio da correspondência.

“Para gente é triste demais, principalmente, por causa da distância que ele (Adélio) está. A gente não tem notícia nenhuma sobre o que está acontecendo. Mal recebemos informação pela mídia. E só. Não temos contato com ele por telefone. O único contato (sic) que a gente com ele foi (por) essa carta que ele mandou. O resto só pela mídia mesmo”, disse o irmão mais velho de Adelio, ao receber a reportagem do Estado de Minas, ontem, na casa da família, em um bairro carente, afastado do centro de Montes Claros.

Aldeir afirma que, passado um ano, até hoje, não consegue compreender porque o irmão cometeu contra a vida de Bolsonaro.
“Eu não esperava nunca que ele (Adelio) tivesse essa coragem de fazer (o atentado) porque ele nunca foi uma pessoa agressiva. Então, pra gente, foi um choque muito grande ele ter cometido uma loucura dessa. Eu queria perguntar para ele porque ele fez isso”, diz o ex-carregador de caminhão.

Ele reclama que, além da pobreza, sofre com problemas cardíacos e de diabetes e por isso, está desempregado há quatro anos, sem condições de trabalhar. Por lado, ressalta o ato de Adelio contraria a cultura de paz e honestidade da família. “Somos humildes e não temos condições financeiras, mas, graças a Deus, somos todos do bem. Já foi na cadeia somente para visitar uma pessoa”, sustenta.


Recusa


Aldeir Ramos disse que Adélio Bispo, que aos 17 anos deixou a casa da família em Montes Claros, sempre foi um “cara alegre e trabalhador” e que já exerceu as funções de servente de pedreiro e garçon. “Ele nunca foi uma pessoa de farra e frequentava a igreja”, lembra. O ex-chapa de caminhão conta que quatro meses antes de esfaquear o então candidato a presidente em Juiz de Fora, Adelio visitou a família em Montes Claros e apresentou um comportamento estanho que chamou atenção dos seus parentes.
“Ele conversava muito sozinho. Ele ia ver televisão e ficava muito nervoso, principalmente, com esse “negócio” de política. Eu nunca tinha visto ele daquele jeito”, recorda o irmão de Adelio.

Aldeir disse que, na ocasião, uma irmã dele, Maria das Graças Oliveira, recomendou que Adelio procurasse um tratamento psiquiátrico. “Ela disse pra ele: “moço, você tem que fazer um tratamento. Você não bem de cabeça não. Você está “meio” (sic) doido. Mas, aí, ele (Adelio) não aceitou e disse: quem tem que internar são vocês”, relatou o morador de Montes Claros.

Na opinião de Aldeir, se o irmão tivesse feito o tratamento psiquiátrico antes, não teria atentado contra a vida do atual presidente da República. “Apesar da “doença” (revolta) dele por (contra) política, se tivesse feito o tratamento, ele não teria cometido esse erro não. Foi muita loucura, né? Faltou tratamento”, comenta o ex-carregador de caminhão.

Pedido em carta


Aldeir Ramos guarda a carta que Adelio encaminhou para a família, datada de 6 de maio deste ano. A correspondência chegou primeiro nas mãos de Jussara Ramos, de 32, sobrinha do agressor de Bolsonaro que, além da pobreza, enfrenta um tratamento de câncer.
Na correspondência, à qual a reportagem do Estado de Minas teve acesso, o agressor do presidente Jair Bolsonaro alega que está sendo vitima de “maldições” e “satanismo” no presídio federal de Campo Grande e ainda pede transferência para perto da família. ‘Este presídio aqui é um lugar de maldições, um presídio projetado pela maçonaria onde o satanismo maçom aqui é terrível’, alega. “Estão tentando me levar a loucura a qualquer custo, assim como já fizeram com vários que passaram por aqui. Ha uma conspiração bem montada para isso. Mas ainda estou firma apesar das investidas satânicas da maçonaria”, diz a carta.

Adélio Bispo pede ainda que os parentes consigam um advogado de um amigo dele em Montes Claros para assumir o seu caso e tentar a sua defesa, alegando que também tenta a transferência para uma unidade mais perto da família junto à Defensoria Pública da União (DPU). A cunhada de Adelio, Maria Inês Dias Fernandes, de 49 anos, mulher de Aldeir, disse que foi até o centro da cidade e procurou o advogado recomendado por Adélio. “Mas o advogado falou que ele já tem advogados e que não poderia mais assumir o caso”, disse Maria Inês, que também reclamou da falta de condições da família para pagar os custos da defesa do agressor de Bolsonaro.

“O próprio está consciente de que não temos condições de mexer com advogado aqui. Eu e o irmão deles estamos doentes e sem trabalhar. Não temos dinheiro. Estamos de mãos atadas”, argumentou Maria Inês.
Procurado pela reportagem do EM, ontem, o advogado Zanone Manuel de Oliveira, que assumiu a defesa de Adelio Bispo, disse que o processo do seu cliente “transitou em julgado” após a decisão do juiz Bruno Savino, que considerou o seu cliente inimputável por apresentar transtorno mental. Quanto ao pedido de Adélio para ser transferido para um local perto da família, no Norte de Minas, o advogado alegou apenas que: “por questões de segurança e estrutura, a defesa optou pelo presídio de Campo Grande”.
 


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