O futuro procurador-geral da República, Augusto Aras, terá que vencer vários obstáculos para tomar posse e comandar o Ministério Público Federal. Primeiro, a sabatina de senadores, na Comissão de Constituição e Justiça, e a votação em plenário da Casa. Antes disso, porém, terá que enfrentar o protesto da entidade que representa os procuradores e, na sequência, conciliar interesses contrariados com sua indicação.
Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, nessa quinta-feira (5), a 12 dias da procuradora Raquel Dodge deixar o cargo, Aras provocou forte reação, como esperado, entre opositores do presidente, mas também da base aliada, que não esquece que ele foi candidato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (PT).
Em suas conversas com o presidente, no entanto, segundo assessores do Palácio do Planalto, ele assumiu posições conservadores diante de assuntos caros ao governo. Por exemplo, o meio ambiente e temas relacionados à educação. Aras defende a expansão do agronegócio, a despeito das críticas de ambientalistas ao atual modelo. Ele se diz contrário à chamada 'ideologia de gênero', que Bolsonaro já pediu para o MEC elaborar proposta para proibir o debate do assunto em escolas do ensino fundamental .
Protesto nesta segunda
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) convocou para a próxima segunda-feira (9) uma manifestação em protesto contra a indicação de Bolsonaro - ele ignorou a tradicional lista tríplice enviada à Presidência da República por ocasião da substituição na PGR. São candidatos que, em geral, fazem campanha, apresentando suas propostas e promessas à frente do MPF.
Em nota, a ANPR também pede “que todos os membros do MPF se mantenham em estado permanente de vigilância e atenção na defesa dos princípios da autonomia institucional, da independência funcional e da escolha de suas funções com observância do princípio democrático”.
Voto de confiança
Ou seja, Bolsonaro conseguiu desagradar a todos, mas, em contrapartida, pediu um voto de confiança a seus apoiadores, durante tranmissão ao vivo, nessa quinta-feira (5), em sua página no Facebook. O presidente disse ainda que "se lá na frente não satisfizer, paciência, assumo o erro".
Carreira
Contra a lista tríplice da categoria e pela candidatura avulsa, Aras percebeu que havia espaço para um "outsider" na disputa e se posicionou como tal.
Mas, diferentemente de Bolsonaro, não pode ser considerado do "baixo clero" dentro da instituição, onde já ocupou postos de destaque. Foi o representante do MPF no Conselho Administrativo da Defesa Econômica (Cade) e é o atual coordenador da Terceira Câmara do MPF, que trata de assuntos do consumidor e da ordem econômica.
Agora no topo da instituição, terá como desafio conquistar a categoria, depois de ter implodido a lista tríplice.
Quebra de tradição
Além de ignorar a lista tríplice dos procuradores, o presidente Jair Bolsonaro quebrou outra tradição ao escolher o subprocurador Augusto Aras para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR). A procuradora-geral Raquel Dodge é a primeira a não ser reconduzida ao cargo nos últimos 14 anos. Com exceção de Cláudio Fonteles, em 2005, todos os demais ocupantes do cargo desde a Constituição exerceram ao menos dois mandatos. Diferentemente de Raquel, porém, Fonteles não concorreu.
A partir de 1988, o procurador-geral da República passou a ser escolhido obrigatoriamente dentre os membros da carreira e ganhou independência funcional, não podendo ser demitido. A escolha é do presidente da República, mas depende de aval do Senado. Cada mandato tem dois anos, com a possibilidade de recondução.
O primeiro a ser nomeado neste formato foi Aristides Junqueira, que ficou no cargo até 1995. Deu lugar a Geraldo Brindeiro, reconduzido três vezes pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
A tradição de escolher um nome a partir da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) começou em 2003, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele indicou Cláudio Fonteles, o mais votado da categoria.
Fonteles, porém, optou por não tentar uma recondução dois anos depois. Ele apoiou o número 2 do Ministério Público Federal, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, que ficou em primeiro na lista da ANPR, sendo reconduzido em 2007.
Depois de Antonio Fernando vieram Roberto Gurgel e Rodrigo Janot, que ocuparam dois mandatos cada.
Veja a lista de todos os PGRs desde a redemocratização:
1989 a 1995: Aristides Junqueira
1995 a 2003: Geraldo Brindeiro
2003 a 2005: Claudio Fonteles
2005 a 2009: Antonio Fernando Barros e Silva
2009 a 2013: Roberto Gurgel
2013 a 2017: Rodrigo Janot
2017 a 2019: Raquel Dodge
(Com Agência Estado)