O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato, em Curitiba, afirma que recebeu com cautela a indicação feita por Jair Bolsonaro de um nome fora da lista tríplice para o cargo de procurador-geral da República. Augusto Aras foi escolhido pelo presidente e contrariou escolha feita pela categoria, que havia listado três nomes de possíveis sucessores da atual PGR, Raquel Dodge.
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Por e-mail, Dallagnol falou ao 'Estado' sobre a fase de ataques à Lava-Jato, sobre o esvaziamento no Congresso do pacote anticorrupção do ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, dos reveses que a operação enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF).
Não é a primeira vez que a Lava Jato enfrenta ataques nesses cinco anos. É a fase de ataques mais efetivos?
Com certeza. No fim de 2016, quando as 10 Medidas Contra a Corrupção foram desfiguradas, foi aprovada na Câmara dos Deputados uma lei de abuso de autoridade que objetivava intimidar policiais, procuradores e juízes que enfrentassem poderosos.
É possível detectar de que frente vem esse ataque?
Identifico um enfraquecimento no combate à corrupção vindo de vários lados. Uma recente decisão do Supremo pode anular grande parte das condenações da Lava Jato, a depender da extensão que venha a se dar a ela. Um ministro daquela Corte proibiu certas comunicações do Coaf e da Receita Federal para o Ministério Público e a polícia que são essenciais para investigações de corrupção.
O que está em jogo?
O legado da Lava Jato como patrimônio da sociedade brasileira e o futuro da causa anticorrupção no País.
O próprio STF tem decidido retirar casos de Curitiba, como o caso Mantega. Há riscos para os processos?
O caso (do processo contra o ex-ministro Guido) Mantega envolve evidências de que houve a edição de medidas provisórias do interesse da Braskem em troca do pagamento de nada menos do que R$ 50 milhões ao Partido dos Trabalhadores. Os fatos têm uma relação de conexão com outros fatos que tramitam na Justiça Federal de Curitiba. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, discordou e mandou o caso para Brasília.
Como recebeu notícia de desligamento dos seis colegas integrantes do Grupo de Trabalho da Lava Jato na PGR?
Eles são colegas respeitados, sérios, dedicados e competentes. Farão uma grande falta para a atuação da Lava Jato perante o Supremo Tribunal Federal, uma frente de esforços determinante para o futuro da operação. É com eles que, na prática, interagíamos no dia a dia.
Pode haver uma debandada na FT em Curitiba ou em outras forças SP, RJ etc?
Em Brasília, os procuradores atuavam como assessores da procuradora-geral.
Um dos motivos teria sido o entendimento em um acordo de colaboração. Houve uma mudança de procedimentos e postura em relação aos acordos de colaboração com Raquel Dodge?
O andamento de acordos ficou mais lento nesta gestão. Por outro lado, a procuradora-geral manteve a estrutura da Lava Jato em Curitiba, prorrogou a força-tarefa e tinha uma excelente equipe de procuradores perante o Supremo. Devemos conviver com divergências, desde que o foco da atuação seja o interesse público.
Havia uma esperança de que com Bolsonaro no governo e o ministro Sérgio Moro na equipe, houvesse avanços no combate à corrupção?
Os principais avanços contra a corrupção dependem de novas leis no Congresso, embora o presidente e o ministro da Justiça possam contribuir na articulação política. Hoje se sabe muito do que se precisa fazer para diminuir a corrupção. A dificuldade é que quem tem o poder para mudar muitas vezes não quer as mudanças porque se beneficia do estado de coisas. Fui uma das dezenas de pessoas que contribuíram para a elaboração de documento, sob a liderança da Transparência Internacional e da FGV. Contudo, nenhum foi aprovado até agora. Por isso que a sociedade precisa se mexer. Não dá para escolher os candidatos a deputado e senador em 10 minutos ou pegando um panfleto na rua. Independentemente da preferência partidária, precisamos investir tempo, cobrar preparo dos candidatos, olhar seu histórico, cobrar compromisso com a pauta anticorrupção e também fazer contribuições eleitorais de pequenos valores porque os candidatos enfrentarão um fundo eleitoral bilionário que estará nas mãos de caciques partidários. É preciso também cobrar quem está lá hoje, passar a mão no telefone ou enviar e-mail para os deputados e senadores. Isso tudo é fortalecer a cidadania.
Como recebeu a notícia de indicação pelo presidente de um nome fora da lista tríplice para assumir a PGR?
Com cautela. O procurador-geral tem importantes atribuições, inclusive em matéria anticorrupção. É ele, por exemplo, que decide investigar ou processar deputados, senadores e ministros em grande parte dos casos. É ele quem participa da formação de precedentes no Supremo. O País precisa de alguém independente lá e a lista tríplice contribui para essa independência. Além disso, os nomes da lista tríplice passaram por um teste de fogo em debates públicos. O histórico e os planos de gestão deles foram testados e aprovados, de modo transparente e democrático.
O presidente comparou o cargo de PGR a uma dama no tabuleiro de xadrez. Como recebeu essa comparação e a própria manifestação da ANPR que viu tentativa de alinhamento entre o presidente e o novo PGR?
Não li essa manifestação, mas precisamos de um procurador-geral forte, independente e que tenha liderança institucional. A Constituição desenhou o Ministério Público como um órgão independente dos demais Poderes justamente porque uma de suas funções é fiscalizá-los.
O que esperar do novo PGR?
Vamos ver.
O novo PGR já falou em correção de pequenos desvios e personalismo ao tratar sobre a força-tarefa da LJ. Isso preocupa?
Nosso plano sempre foi de apresentar o trabalho da Lava Jato ao procurador-geral, fosse quem fosse, inclusive para desmistificar alguma percepção que a nosso ver seja equivocada. Hoje circula muita informação deturpada sobre nossa atividade.
De nossa parte, faremos nosso melhor para seguir servindo a sociedade, responsabilizando corruptos poderosos e recuperando o dinheiro desviado. Neste ano, já fizemos mais denúncias do que nos anos de 2015, 2017 e 2018 inteiros e fizemos acordos de recuperação de R$ 2 bilhões.
De que forma os ataques e os questionamentos de procedimentos feitos ao sr, e a membros da equipe da FT com base nas mensagens hackeadas têm afetado o trabalho da LJ?
De diferentes formas. Além de exigir tempo para levantarmos informações sobre fatos, muitos ocorridos há anos, há ainda uma frustração com constantes deturpações do que aconteceu. As falsas acusações, construídas sobre interpretações enviesadas de mensagens que em geral não conseguimos atestar, fazem a Lava Jato sangrar. E aí vêm os tubarões. Muitos investigados e réus da Lava Jato seguem com grande poder.
Como vê a possibilidade de punição administrativa contra o sr.?
Hoje há dois casos em que foi instaurado processo administrativo disciplinar contra mim, por alegada quebra de decoro. Um por críticas feitas numa entrevista de rádio a decisões dos ministros Gilmar, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Outro por críticas ao senador Renan Calheiros e por defender o voto aberto na eleição para presidência do Senado. No meu entendimento, minhas manifestações se deram dentro de meu direito de liberdade de expressão, com o propósito de contribuir para o debate democrático. Não fiz ofensas pessoais, não usei palavrões e jamais defendi pautas partidárias. Por isso, espero que não haja punições..