O Ministério Público (MP) instaurou novo procedimento para verificar indícios que reforçam a nomeação de “assessor fantasma” pelo prefeito de Lagoa da Prata, Região Centro-Oeste do de Minas, Paulo César Teodoro. No período em que ocupou o cargo de assessor técnico-administrativo na prefeitura, o médico José Eduardo Fernandes Távora teria exercido atividades em clínicas particulares em Belo Horizonte, além de prestar serviço pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
No despacho do inquérito, o promotor, Luís Augusto de Rezende Pena aponta que, entre julho de 2017 e fevereiro de 2019, o médico realizou 775 procedimentos urológicos no SUS. Nesse período, o município desembolsou cerca de R$ 146 mil para arcar com o serviço prestado por intermédio da Instituição de Cooperação Intermunicipal do Médio Paraopeba (Icismep), que inclui 541 procedimentos realizados por outro profissional.
A nova informação chegou ao promotor por meio de documentos encaminhados pelo Conselho Municipal de Saúde e reforçam a ação civil pública ajuizada em fevereiro deste ano contra o médico, o prefeito e o secretário de Saúde, Geraldo de Almeida, por improbidade administrativa. “Apesar de reforçar a narrativa de abusos e de desvio do serviço e dinheiro público em benefício particular, demanda investigação paralela”, argumenta Pena.
A ação
O cargo de confiança exige dedicação exclusiva, com jornada de trabalho de 8 horas diárias, durante cinco dias na semana. Enquanto exercia outras atividades laborais, o médico, também servidor efetivo do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), embolsava cerca de R$ 3,8 mil/mês da prefeitura, segundo o promotor, “sem nunca ter aparecido para trabalhar”.
Além de receber por prestação de serviço ao Icismep, ele ainda apareceu na escala de 14 plantões sobreavisos na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município, conforme a ação. “Durante o tempo em que ele estava no cargo comissionado ele nunca exerceu as atribuições, mas recebia e prestava outros serviços privados e remunerados”, afirma o promotor.
Nomeação
Távora foi cedido à prefeitura após solicitação do prefeito ao Ipsemg, onde atuava como médico efetivo. A cessão onerosa tem data inicial de 8 de maio de 2017. Entretanto, até 31 de outubro do mesmo ano, a Prefeitura de Lagoa da Prata não pagou nenhum centavo ao profissional. “Nenhum pagamento foi realizado porque, obviamente, nenhum serviço foi prestado, já que esse era o trato secreto feito com o prefeito”, argumenta o promotor, tratando o caso como “golpe ao Ipsemg”.
“Cheguei à conclusão que essa nomeação era para livrar o médico dos encargos funcionais que ele tinha no Ipsemg onde tinha carga horária de seis horas”, explica.
O médico só passou a receber a partir da data de nomeação, 1º de novembro de 2017. Segundo o promotor, isso só ocorreu após serem alertados de que a ausência de prestação de serviços e remuneração ao servidor estadual era ilegal, já que a cessão onerosa não interrompeu o vínculo funcional com o Ipsemg. A partir daí, ele passou a integrar a folha de pagamento do município.
Prefeitura nega acusações
O secretário de Saúde de Lagoa da Prata nega as acusações. Disse que “o cargo de assessor não determina que o nomeado tenha que cumprir jornada fixa de 8 horas diárias e sim que ele esteja disponível quando necessário independentemente do dia e horário”.
Afirmou que a função do médico era atender a gestão nas demandas solicitadas dando suporte técnico na condução das políticas públicas de saúde. Na cidade, ele atuava, segundo o secretário, na Policlínica l, no Centro de Especialidades, na Secretaria da Saúde. Em Belo Horizonte, ele ficava na Casa de Apoio e dava suporte via telefone sempre que solicitado.
Almeida frisou que José Eduardo prestou serviço ao município apenas como assessor e no período em que não recebeu, trabalhava voluntariamente. Sobre atendimentos em clínicas particulares, alegou que “o fato de um profissional exercer uma função de assessoria não o impede de executar outras atividades laborais”.
Vingança pessoal
O secretário ainda acusou o promotor de “vingança pessoal” por medidas administrativas adotadas pelo município ao fiscalizar lotes permutados com o Hospital São Carlos. Disse que ele tomou as dores da administração da unidade e, desde então, está perseguindo o governo.
A exoneração, conforme Almeida, ocorreu a pedido do médico por se sentir “perseguido após inúmeras denúncias sem fundamentos”.
'Denúncias sem provas'
O médico disse ter aceito o cargo porque já estava envolvido na cidade vizinha, de Santo Antônio do Monte, com o projeto da Saúde do Homem. “Da repercussão satisfatória divulgada pela população, a Prefeitura de Lagoa da Prata me convidou, por ser atividade de minha área, com o intuito de se aplicar a atividade social naquela comunidade”, argumenta.
Ele pontuou como atribuição o encaminhamento de pacientes graves para cidades polos e classificou a atuação como “prestação de serviço de excelência”.
Disse que a carga horária prevista era de 20 horas semanais. “Asseguro com certeza que extrapolei absurdamente tal (...) pois, no momento da urgência, era acionado independentemente de onde estivesse e qual horário fosse para o encaminhamento necessário. Nessa hora trata-se de salvar-se vidas e amenizar sofrimentos”, argumentou.
Na policlínica, ele fazia as triagens para Saúde do Homem e na UPA ajudava na transferência. Seguindo a linha do secretário, tratou a ação pública como “vaidades de cunho pessoal”. “Denúncias sem provas prejudicam o Executivo de exercer com liberdade o sagrado dever de socorrer seus munícipes”, finalizou.
Exoneração
O médico foi exonerado em março desde ano após o ajuizamento da ação. Nela, o promotor pede indisponibilidade de bens do prefeito, do secretário de Saúde e do médico, em R$ 63.454,30, para ressarcir os cofres públicos nos valores que foram pagos indevidamente na condição de assessor técnico administrativo. Requer ainda o sequestro dos bens até o montante R$ 8.050 do médico pelos plantões pagos na UPA.
Férias-prêmio
De acordo com o Portal da Transparência do Ipsemg, José Eduardo voltou a receber em maio desde ano a remuneração de R$ 3,4 mil. Em nota, o órgão informou que, no mesmo mês, “o servidor requereu o usufruto de férias-prêmio” e não comentou sobre a ação.
(Amanda Quintiliano, especial para o EM)