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Estado de Minas ENTREVISTA EXCLUSIVA

'Nosso governo não é antidemocrático', diz Hamilton Mourão

'Não existe mais espaço para isso (retrocesso político). Vocês têm que entender que, em determinados momentos da história, isso funcionou. Hoje, não funciona mais'


postado em 15/09/2019 08:00

(foto: Romério Cunha/VPR)
(foto: Romério Cunha/VPR)
O presidente da República interino, Hamilton Mourão, almoçava, na última quarta-feira, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentando solucionar a crise com o então secretário da Receita, Marcos Cintra, quando o presidente Jair Bolsonaro telefonou e resolveu a questão. Cintra estava fora do governo. A cena relatada por Mourão mostra algo que, na avaliação do vice-presidente, vale para o todo o governo: “Uma coisa que todo mundo precisa entender é:  Quem é o decisor? O presidente Jair Bolsonaro. A gente pode ter um monte de ideias, mas a palavra final é dele”, diz com a mesma tranquilidade com que se refere ao clima seco em Brasília.


O fato de o presidente ter a palavra final, diz Mourão, não pode ser confundido com um governo autoritário: “Nosso governo não é antidemocrático”. Tampouco passar a ideia de que há espaço para qualquer atitude de confronto em relação aos outros poderes, por mais que os tuítes de Carlos Bolsonaro possam sugerir algo nesse sentido. “Se o Carlos fosse Carlos Silva, vereador em Quixeramobim (CE), e falasse isso, alguém estaria dando bola? Ninguém. Agora, como ele tem o sobrenome Bolsonaro e é vereador do Rio de Janeiro, o pessoal diz: “oh, meu Deus do céu, a família Bolsonaro quer tomar o poder no Brasil”. Não é assim.




Nos 40 minutos em que recebeu a reportagem do Correio, ele foi incisivo ao dizer que as Forças Armadas nunca quiseram ter protagonismo no governo e, àqueles que temem riscos de retrocessos na democracia, avisa: “Não há espaço para isso”. Adepto das franquezas no trato, o general é ainda mais direto quando se refere à questão da Amazônia. “A gente terminou reagindo com o fígado em vez de reagir com a razão”, admite. 

No cargo de presidente interino, enquanto Bolsonaro se recupera de uma cirurgia de hérnia, Mourão segue despachando em seu gabinete no anexo II do Palácio do Planalto, onde recebeu o Correio na última sexta-feira. Na entrevista, discorre com naturalidade sobre diversos temas. Sobre eventuais erros de Bolsonaro, no entanto, ele evita comentar: “Não compete a mim, publicamente, tecer críticas a ele. Estaria sendo desleal e canalha se fizesse isso”.

Será um desafio para o governo sair desse constrangimento a que o país foi colocado em relação a Amazônia? Às vezes por causa de declarações mal-entendidas lá fora, ou respostas atravessadas de lá de fora... Como o senhor vê essa questão que vai ser objeto de discussão na ONU?

Vamos buscar fazer uma análise bem fundamentada. O mundo inteiro, já de algum tempo, está com os olhos postos na Amazônia. Ao longo dos últimos 20 anos, houve, realmente, uma visão mais profunda sobre o papel da Floresta Amazônica em relação ao clima mundial com teses, às vezes, corretas e, outras, totalmente estapafúrdias, como aquela que diz que a Amazônia é o pulmão do mundo. Algo que foi comprovado: que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Praticamente 50% do bioma da Amazônia é área preservada. Ou é área de proteção ambiental ou é terra indígena, que, em tese, tem que permanecer intocada. Então, compete ao governo, por meio dos seus órgãos de fiscalização impedir que essas áreas sejam exploradas de forma ilegal. A área de proteção ambiental, em hipótese alguma, e a terra indígena têm que ser de acordo com os desejos dos índios que habitam cada uma dessas regiões.  Bom, então 50% preservados. Nos outros 50%, apenas 20% podem ser explorados, de acordo com nossa legislação ambiental. Aí vamos para a questão das queimadas. Todo ano tem 7 de setembro. E todo ano em agosto, setembro e outubro o pessoal derruba árvore e queima porque é uma forma, digamos assim, tradicional de preparo da terra naquela região, uma forma errada. Então, o governo tem que se preparar, explicar por que essas coisas ocorrem e, dentro da nossa capacidade, buscar impedir que essas queimadas ocorram.  E aí tem que haver o quê? A assistência técnica, rural, de modo que esse produtor que aprendeu com o avô, com o pai, mude a forma. E óbvio, existem, também, na Amazônia, três figuras que são complicadas: o madeireiro, o grileiro e o garimpeiro. Então temos que buscar formas para que a população que já se estabeleceu naquela região tenha o seu sustento sem comprometer a biodiversidade, sem comprometer a integridade da floresta e o país tem que buscar as formas mais corretas. Temos uma legislação e temos que buscar fazer cumprir a legislação. O próprio ministro Ricardo Salles, agora em uma entrevista recente, reconheceu que nos comunicamos mal a respeito desse assunto. A gente terminou reagindo com o fígado em vez de reagir com a razão.

Mas o presidente não entrou com o pé esquerdo, digamos assim, nessa história, quando disse que não havia recursos, que o Brasil não conseguia fiscalizar? As primeiras declarações dele foram na linha de “a gente não tá dando conta do recado”...

O presidente reagiu ao que ele julgou uma ofensa de parte do presidente da França. E, realmente, o presidente da França emitiu um documento, não lembro direito se foi um documento, ou declaração, dizendo que o presidente mentia. Era mentiroso. E aí é aquela história, né? A razão foge muitas vezes nessa hora. Mas o presidente já reconheceu há algum tempo a nossa responsabilidade, ele está se preparando, daí esse repouso até maior dele, para, na abertura da Assembleia-Geral da ONU,  poder, realmente, transmitir essa mensagem e acalmar os ânimos no resto do mundo. 

Qual sua expectativa para o discurso do presidente na ONU? Qual o principal recado que deve transmitir?

O recado número 1: a Amazônia é nossa. Isso aí, não podemos admitir em hipótese alguma, essa questão de soberania limitada ou uma ingerência além daquilo que os tratados internacionais, ao qual o Brasil subscreve, preveem. O segundo recado: ela é nossa e compete a nós protegê-la e preservá-la. 

O senhor diz que houve uma reação com o fígado. Isso não tem acontecido com frequência maior do que deveria nesses oito meses?

Olha, eu já respondi até alguns colegas de vocês a esse respeito. Sou vice-presidente do presidente Bolsonaro. Então, não compete a mim, publicamente, tecer críticas a ele. Estaria sendo desleal e canalha se fizesse isso. Então, todas as vezes que discordo de alguma coisa dele, eu falo em particular.

O senhor tem falado muito em particular com ele ultimamente?

Não, ultimamente, não, porque ele está lá no hospital.

Mas sempre fala?

Sempre que temos alguma oportunidade conversamos e procuro expor meu ponto de vista sobre determinado tema.

Houve momento em que passou-se a ideia de que os senhores estavam meio afastados. Esse período passou? 

 

Não, nunca houve essa questão do afastamento. É que o presidente tem a forma peculiar dele de se expressar, de agir, né? E aí o processo decisório dele funciona mais ou menos dessa forma.  E eu procuro ter uma atuação mais discreta possível, de modo que ele tenha toda a liberdade de manobra para empreender aquilo que ele julga correto.


No início do governo, o senhor falava mais com a imprensa, depois de um tempo, deu uma pausa, e, agora,está retomando as conversas. Por quê?

Eu era um animal novo na política. Ninguém me conhecia. Até porque não sou político. Havia uma curiosidade a meu respeito. Desde o período da transição e até os dois primeiros meses de governo, eu fui procurado praticamente diariamente pelo pessoal da imprensa. E, óbvio, houve uma exposição maior. Depois que chegaram à conclusão, “ah, bom, o general Mourão pensa dessa forma, então não adianta mais ficar perguntando mais do mesmo para ele”. E aí eu fui deixado de lado, até porque outros atores surgiram nesse embalo, outros fatos aconteceram e fiquei na posição que é a do vice-presidente, uma posição secundária.

O senhor volta a fazer essa comunicação do governo agora que o presidente tem dado sinais de que não deve mais conceder aquelas entrevistas quase que diárias no Palácio da Alvorada?

Se o presidente me der alguma tarefa. “Olha, você procure a imprensa e converse a respeito do assunto X”, eu cumpro a tarefa dele. Agora, não vou ultrapassar aquilo que considero que é a autoridade dele e que é a tarefa dele nessa situação. Então procuro sempre manter uma situação, um apoio mais à retaguarda dele. E óbvio que o presidente leva essa dicotomia. Passou uma semana falando, outra não fala, daqui a pouco ele volta a falar.

No caso da demissão do secretário da Receita, esse limite prevaleu?

A demissão do secretário da Receita, na realidade, já vinha sendo aventada há algum tempo. O próprio ministro Paulo Guedes sentiu que a posição do Marcos Cintra estava balançando. E tanto que fomos almoçar na quarta-feira e ele me perguntou o que nós íamos fazer. E mal a gente sentou, o presidente telefonou e já passou a determinação de que era necessário que o Marcos Cintra saísse, porque não concordava com a questão da CPMF, estava gerando muito ruído.

A CPMF foi a gota d’água. A relação já vinha se deteriorando desde lá de trás, não? Agora, a CPMF era defendida, também, pelo ministro Paulo Guedes. Como fica agora a proposta de reforma tributária?

 

Uma coisa, todo mundo tem que entender. Quem é o decisor? O presidente Bolsonaro. Podemos pensar as coisas mais mirabolantes do mundo, mas é ele quem vai decidir. Muitas vezes a gente expõe demais aquilo que está sendo planejado, discutindo entre muros. E isso toma uma dimensão grande junto à opinião pública, junto ao Congresso, e o presidente termina por dizer: “não, peraí, eu não quero essa discussão”.

Em um país dividido como a gente tem hoje, muita gente tinha receio de que os militares assumissem o poder no Brasil. Mas o senhor, como vice-presidente, tem sido uma voz democrática, que dá uma tranquilidade ao país. Esse é o seu perfil ou é o perfil realmente dos generais?

Existe uma imagem totalmente errada, um desconhecimento por grande parte da imprensa, do que são os militares brasileiros. Criou-se uma imagem em relação ao período de presidentes militares, também distorcida. Desconhecem como é a nossa formação, como é a nossa maneira de pensar, e fica só aquele estereótipo, muitas vezes confundido com figuras que ficaram no passado. Tudo na vida evolui. E uma realidade é que as Forças Armadas brasileiras sempre foram uma instituição democrática. Em todos os momentos da vida nacional se apresentaram para preservar a lei, a ordem, e garantir que a democracia terminasse por vicejar. Essa é uma realidade, independentemente da maneira que se julgue o período de 20 anos de presidentes militares. No futuro, isso vai ser colocado na pauta e vai ser pesado em relação a isso. Aí entra aquele desconhecimento e essa surpresa, “os generais são moderados”. Não tem nada a ver com moderado. Nós entendemos qual é o papel das Forças Armadas dentro de um regime democrático, as nossas missões estão muito bem definidas na Constituição. 

Mas o senhor tem sido uma voz em defesa da democracia. Em vários momentos, o senhor se manifestou, inclusive agora, nesta semana, em relação à declaração do Carlos  Bolsonaro...

O nosso governo não é antidemocrático. Acho que se procura colocar uma coisa nas costas do presidente Bolsonaro que ele não é. Se fosse antidemocrático, não tinha concorrido à eleição.

 

 

Mas, às vezes, é preciso reafirmar isso, como essa semana, no Twitter, em que o senhor deu uma declaração reforçando a importância de estarmos vivendo em período democrático. Isso é necessário? Por quê?

 

Para acalmar as coisas, né? Porque… o Carlos fez uma declaração que tem que ser perguntada a ele, o que ele quis dizer com aquilo. E aí, obviamente, se o Carlos fosse Carlos Silva, vereador em Quixeramobim (CE), e falasse isso, alguém estaria dando bola? Ninguém. Agora, como ele tem o sobrenome Bolsonaro e é vereador do Rio de Janeiro, o pessoal: “oh, meu Deus do céu, a família Bolsonaro quer tomar o poder no Brasil”. Não é assim. Como a família Bolsonaro vai tomar o poder no Brasil?

Só se tiver apoio dos militares...

Não existe mais espaço para isso. Vocês têm que entender que, em determinados momentos da história, isso funcionou. Hoje, não funciona mais. O Brasil é muito complexo, uma sociedade complexa. Não é assim, “pô, manda ligar o motor, fecha o Congresso, fecha isso, fecha aquilo, e muda tudo”. Não é assim. 

As pessoas podem ficar tranquilas? Não há nenhum risco?

As pessoas podem ficar mais do que tranquilas.

Voltando um pouco àquela questão do presidente e o poder de comando dele. O ministro Paulo Guedes falou que quer privatizar tudo. O senhor acha que é por aí?

O presidente tem dado sinalização positiva e até já me surpreendeu, com ele assim, “privatiza os Correios”. E ele vem pressionando. Os Correios são uma estatal emblemática. Não é uma Valec.

Mas uma coisa é a Eletrobras, que carrega junto todas as bacias hidrográficas, porque tem as grandes hidrelétricas, e a privatização pega o controle sobre a água do Brasil. Os chineses têm muito interesse, e querem entrar com tudo nessa área de energia.  Há preocupação com o modelo de privatização?

O controle pelo Estado nunca significou que você detém a riqueza na mão. Nunca significou isso. Então isso é uma visão, vamos colocar assim, meio ultrapassada. Temos que ter uma legislação que nos assegure efetivamente o controle e não a gente deter as rédeas da empresa. E a gente sabe que as empresas estatais nascem sob uma excelente ideia, mas, depois, viram um cabide de emprego e são desvirtuadas.

Agora, o senhor acha que tem que privatizar tudo?


A Petrobras, ainda que parte da exploração de petróleo, tem que permanecer na nossa mão. Banco do Brasil já é uma S/A, a Caixa, desde que bem gerenciada, não é um problema. 


O senhor disse que não comenta as declarações do presidente, mas poderia comentar a declaração do ministro Paulo Guedes, voltando pra crise com a França, quando ele fez uma descortesia com a primeira-dama Brigitte Macron?

Ele já pediu desculpas. É aquela história. A gente que faz palestra — eu faço muita palestra — a gente procura de vez em quando dar uma quebrada naquele ambiente de extrema seriedade. É que nem aula. O professor, que é um bom professor, alterna uma conversa descontraída com um assunto sério. Então, alguém falou algo na plateia e ele falou “ah, é feia mesmo”. Ele já pediu desculpas, já identificou que cometeu uma grosseria e o Paulo é uma pessoa, pô, um cara fantástico.

Desde o período eleitoral, o senhor vem mantendo boa relação com os empresários. Em geral, eles têm uma boa circulação dentro do governo. O que eles falam é que o ministro Paulo Guedes, dentro desse escopo da reforma tributária, não vai abrir mão de desonerar a folha de pagamento para favorecer a cadeia produtiva para beneficiar os empregos, geração de empregos e renda. Queria saber como isso está sendo discutido, a desoneração da folha, o senhor participa das conversas, tem opinião sobre o assunto?

Eu concordo com o Paulo na questão da desoneração da folha e ele tinha a visão de substituir o imposto que hoje é pago pelo empresário em cima da folha de salário por esse Imposto sobre Transações Financeiras (ITF). É a troca de um por outro, tanto até que, na apresentação que foi feita era uma gangorra. Criava-se o imposto sobre valor agregado (IVA), vamos lembrar, é um estudo de um discípulo do Keynes, dos anos 50, um húngaro chamado Kaldor, né, era chamado inclusive de imposto Kaldor. Criava esse imposto ao reunir todos os impostos federais e não metia a mão em estados e municípios, que é uma coisa complicada, já é diferente da proposta da Câmara, por exemplo, e com a gangorra com esse imposto de transações financeiras. Está sendo discutido no Congresso. Agora, uma vez que não vai haver o imposto sobre transações financeiras, o Paulo está tendo que buscar alguma solução, por exemplo, reduz aquilo que os empresários pagam para sustentar o sistema S, tem a questão dos fundos exclusivos que vários governos já tentaram tributar e não conseguem tributar mais, e têm outras medidas, mas não sei se esse conjunto de medidas geraria a quantidade de recursos que um imposto de transação financeira, que, de acordo com o Paulo, geraria R$ 150 bilhões de retorno. Então é algo que tem que ser discutido. E a reforma tributária, a melhor coisa, hoje, é que todo mundo já entendeu que tem que ser feita.

O problema é que cada um tem a sua.

É, mas aí não vai fugir de ser discutido dentro do Congresso. Vai ser discutido exaustivamente lá dentro, vai demorar, mas eu espero que, até o fim do primeiro semestre do ano que vem, esse pacote seja fechado.

Como é  a relação do senhor com o Congresso? Acompanha tudo?

O presidente nunca me escalou para essa tarefa. Eu recebo senadores, deputados aqui. Procuro fazer aquela nossa conquista de corações e mentes, conversar com eles, passar nossas ideias, aquela coisa, recebo demandas, aí encaminho para ministro A, ministro B, o que a gente acha necessário. Falo muito com o (Luiz) Ramos (ministro-chefe da Secretaria de Governo). Ele está encarregado dessa atividade. Mas não sou linha de frente neste trabalho.

Os militares estão tendo o protagonismo que esperavam no governo?

Olha, nós nunca quisemos protagonismo no governo. É outra visão um tanto quanto distorcida. Por quê? Número 1. As Forças Armadas têm que estar fora do que é política de governo. As Forças Armadas são instituições nacionais permanentes, independentemente do governo e de tudo. Elas têm que ser preservadas. O presidente, por ter um passado militar, escolheu alguns militares para compor sua equipe. Isso é um fato. Desses militares, apenas dois ainda estão na ativa, que é o almirante Bento e o general Ramos, e me coloco nesse pacote, pois fui eleito junto com o presidente. Estou fora desse pacote. Aí ele colocou o Marcos Pontes (ministro da Ciência e Tecnologia), que já era da reserva. Na época, o Santos Cruz (ex-ministro da Secretaria de Governo) também, que, já era da reserva, o Tarcísio (Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura) saiu do Exército há cinco ou seis anos. O Wagner Rosário (ministro da Controladoria-Geral da União) também saiu do Exército há algum tempo, porque existe uma geração dos anos 1990 que saiu do Exército, fez concurso público e enveredou por outra carreira. Não vejo assim “o papel dos militares”, aquela história da “ala militar”, “núcleo militar”.

Mas parecia no começo que tinha esse peso.

Mas não tem. Nunca houve esse núcleo. Até já respondi a alguns colegas de vocês que passava-se a imagem que, ao fim do dia, eu ligava pro (Augusto) Heleno (ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional), pro Santos Cruz, “olha só pessoal, vamos sentar aqui e vamos nos reunir e ver o que a gente vai fazer amanhã”. Nada, pô. Existe uma coisa que a gente preza muito que se chama disciplina intelectual. A disciplina intelectual coloca que você atue na tua área, e não te meta na área dos outros. Isso é fundamental dentro do quartel. Ali você tem o batalhão, tem a primeira companhia, segunda companhia, terceira, cada um tem seu capitão e comandante. O capitão da primeira companhia não mete a mão na segunda, senão vai dar briga. Cada um no seu quadrado. Isso é extremamente preservado no ambiente militar. 

O senhor acredita que reforma da Previdência vai passar com tranquilidade no Senado?

Vai, vai passar tranquilo. Conversei com o Davi Alcolumbre (presidente do Senado) aqui essa semana e ele me deixou claro isso. Acho que, até fim da primeira quinzena de outubro, ela estará votada no Senado.

Em relação a Eduardo Bolsonaro embaixador, como está isso no Senado? Alcolumbre deu algum #ficaadica para o senhor?

Não, não deu nenhuma dica. Agora está sendo trabalhado esse assunto. O próprio Eduardo está conversando com os senadores. Acho que o irmão dele, o Flávio, também deve estar ajudando nisso aí, o próprio presidente. Então, vamos aguardar. Acho que o presidente parece que só vai submeter o nome do Eduardo quando voltar de Nova York (da ONU). 

Pois é, essa semana fizeram, inclusive, a sabatina do futuro chefe da missão do Brasil na ONU, o Costa Filho. E o senhor acha que dá tempo? Vai fazer apelo já para votar isso esta semana? Porque no Senado estão falando “ah, a gente tem que ver se vota porque o governo quer que vote logo para ele poder ir, acompanhar o presidente”.

Não, o Costa Filho está votado.

Na comissão, mas tem que passar pelo plenário...

Mas não interessa, porque ele não vai conseguir chegar lá a tempo.

Não consegue apresentar as credenciais, essas coisas todas?

É isso. Existe, como vou dizer, um rito. 

Vai ser o Mauro Vieira mesmo?

É, não sei nem se o Mauro Vieira. Acho que o 02 do Mauro Vieira, que é um outro embaixador. O Mauro está aqui no Brasil, porque tem que ser sabatinado. Ele vai ser embaixador na Croácia.

Achei que iam mandá-lo para a Sibéria.

Croácia é mais bonito.

Em relação ao ministro Sergio Moro, o senhor acredita que ele está superando o episódio da Vaza-Jato com altivez e se mantém firme no cargo?

O Moro é uma pessoa acostumada a sofrer pressão. Um homem que, ao longo dos últimos seis anos, sete anos, vem trabalhando em um ritmo, vamos dizer assim, forte, com pressões, com riscos de vida, com pressão sobre a família dele. Ele não se abala com essas cosias. Ele é muito tranquilo. Mas muito tranquilo mesmo.

Ele fica até o fim do governo?

Espero que sim.

Ele vai pro Supremo? O presidente já disse que quer um ministro que seja terrivelmente evangélico. Não é o caso do ministro Moro...

Vamos aguardar a decisão. A primeira vaga é, no fim do ano que vem, do ministro Celso de Mello. Vamos aguardar o que vai acontecer.

E as eleições municipais, como o senhor está acompanhando isso?

O meu partido, PRTB, está em situação complicada, pois não atingiu a cláusula de barreira.

O senhor vai pro PSL?

Não, eu entrei no PRTB e morro nele. A gente tem recebido aqui pessoas que estão querendo se lançar como candidatos.

Dizem que, no Rio Grande do Sul, só dá o senhor em pesquisas informais, em assembleias legislativas, em  prefeituras. Falam até que poderiam ser lançados militares nas eleições municipais e em 2022 também. O senhor pensa nisso?

É, têm aparecido alguns companheiros postulando para ser candidato, mas a gente está analisando. O que acontece é que tem um limite ético nisso aí, na minha posição de vice-presidente, né? Então tem que esperar, começar a campanha, essas coisas, para não atravessar o samba. Mas, por enquanto, a gente está só observando.

O orçamento está superapertado, não tem dinheiro para nada. Vem o teto de gastos que vai enxugar ainda mais a máquina pública. Como o governo vai sair desse imbróglio em relação ao orçamento?

Estamos sendo pressionados pelo piso que vem subindo, as despesas obrigatórias aumentando, aí tem a discussão que você vê, né? Tem a turma que quer a flexibilização do teto de gastos, então, tirar determinadas despesas, sairiam do teto, uma coisa “tirar a saúde e educação do teto”. Aquela multa do FGTS também já foi aventada, de tirar do teto. É uma flexibilização. Outra é mudar e o teto seria inflação mais 1,5%. Mas, por enquanto, nós estamos precisando passar a mensagem de que vamos respeitar isso, porque é uma questão do equilíbrio fiscal, a gente tem que passar isso para os investidores e o resto do mundo, e tentar furar o piso, com uma desvinculação de receitas. Essa é a ideia que o Paulo Guedes tem. Temos que buscar uma solução para isso, senão vamos morrer achatados. 

O presidente Jair Bolsonaro escolheu um nome fora da lista tríplice para a Procuradoria-Geral da República e anunciou que espera uma parceria desenvolvimentista ali na PGR. E o Augusto Aras já declarou que o governo não vai mandar na PGR. Na sua visão, como é que deve ser o papel de um procurador-geral da República?

O procurador-geral da República tem que atuar, de acordo com a lei. É simples. Vivemos dentro de um Estado de direito. O Estado de direito significa que a lei vale para todos e tem que ser respeitada. Então, o procurador tem que fazer o quê? Agir de acordo com a lei. Agora, algo que eu vejo muitas vezes no Ministério Público e até no próprio Tribunal de Contas, e até já conversei uma vez com alguns ministros do TCU, é que, no caso específico de obras, depois que a obra partiu, que o troço já está na metade, aí alguém resolve embargar o negócio. Porra, é um prejuízo… então, se vai embargar aquilo, vamos embargar antes de começar. Vamos analisar bem antes de começar e não depois. É o único problema que vejo nessas atuações.

Estes oito meses de governo foram muito turbulentos, em alguns momentos difíceis até demais. Nos próximos três anos, a situação vai se acomodar ou viveremos tempos sempre agitados e tensos? Nos primeiros meses de governo,  houve muito atropelo, não?

É, o que eu vejo. A forma como nós montamos os ministérios... A forma como nos relacionamos com o Congresso... O Congresso, sob nosso governo, tem ampla liberdade para atuar. O Congresso não está comprado por um mensalão, né? E também não está cooptado moralmente em um toma lá da cá. “Eu dou ministério, dou cargo”. Então, o Congresso tem ampla liberdade para fazer o que quer. Muitas vezes, se critica o nosso governo, principalmente a figura do presidente. “Ah, mandou lá pro Congresso e esqueceu”. É uma forma de você dizer, “olha, nossa proposta é essa e agora os senhores discutam aí e cheguem a alguma conclusão”. Então, é uma forma bem, digamos assim, honesta de você ter uma ligação de um poder com o outro. Agora, o que nós vemos de uma forma geral? Os dois primeiros anos são difíceis, são anos de ajustes na economia, de modo que os dois últimos anos a gente entre já em um voo sustentável, não em um voo de galinha.

Voo sustentável para a reeleição?

Não precisa ser a reeleição. O próprio presidente já deixou isso claro. O nosso grande objetivo é deixar o país reorganizado, de modo que a gente tenha uma marcha progressiva e um rumo de aumentar efetivamente a geração de emprego, de renda e de bem-estar para a população como um todo.

O presidente  comenta que espera  entregar um país melhor em 2023 ou em 2027. Partindo desse pressuposto, de que ele não descarta a possibilidade de reeleição, o senhor sairia como candidato a vice ou se candidataria a um cargo eletivo? Já  se aventou até Marco Feliciano como o vice de Bolsonaro.

Bom, eu só entrei na política porque o presidente Bolsonaro me pediu. Eu não tinha nenhuma aspiração política. Quando passei para a reserva, no final de fevereiro do ano passado, a minha visão era “vou para minha casa no Rio de Janeiro”. Passei 46 anos dentro do Exército, está na hora de ter um pouquinho de paz de espírito na minha vida. Eu queria ser presidente do Clube Militar, para ter uma atividade que não fosse altamente estressante e que eu pudesse ter contato e auxiliar a família militar e, ao mesmo tempo, ter uma voz perante a sociedade brasileira. Fui eleito presidente do Clube, só que, um mês e meio depois, tive que sair. Não tenho nenhuma aspiração política. Se o presidente for candidato à reeleição e quiser que eu vá com ele como vice-presidente, muito bem. Se ele não quiser, se precisar de outra pessoa para compor uma chapa mais forte, seja lá o que for, ok, parabéns, e eu volto para a minha casa, tranquilamente, sem estresse. 

Nem para ser candidato ao Senado?

Não. Imagina eu no Senado...


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