À espera de uma decisão do governador Romeu Zema (Novo) sobre o projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa que autoriza os municípios a contrair empréstimos com instituições financeiras tendo o estado como avalista, prefeitos já se articulam para garantir recursos extras no caixa. Se virar lei, a proposta permitirá que as prefeituras antecipem o recebimento das verbas acertadas em acordo firmado com o Executivo e que prevê o pagamento em 33 parcelas de valores atrasados de ICMS, IPVA e Fundeb. Romeu Zema tem até amanhã para sancionar ou vetar o texto.
Apresentado pelo deputado Hely Tarquínio (PV) em abril, o projeto foi aprovado quatro meses depois e encaminhado para o Palácio Tiradentes no último dia 29. Técnicos da Assembleia e do governo mineiro acreditam que o texto deverá ser vetado por Zema. O texto tramitou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas não chegou a ser apreciado pelo grupo, que tem a tarefa de verificar possíveis ilegalidades: ao perder o prazo para emissão de parecer, seguiu direto para a Comissão de Administrativa, onde foi aprovado e continuou a tramitação. “Só se ele, politicamente, for convencido pela assessoria a sancionar um projeto que cria um título de crédito que não pode ser negociado e que fica sob a responsabilidade do Estado”, argumentou uma fonte.
O presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM) e perfeito de Moema, Julvan Lacerda (MDB), já afirmou confiar na sanção de Romeu Zema, além de acreditar tratar-se de uma boa alternativa para o caixa dos municípios – que têm um crédito de R$ 12,3 bilhões a receber do Estado. No entanto, durante evento realizado na Assembleia no último dia 5 de setembro, Julvan ressaltou que os municípios devem avaliar bem as condições da operação, o que inclui o deságio e cobrança de taxas pelas instituições.
Se a legislação for sancionada e sem qualquer veto, permitirá que os municípios realizem operações financeiras com bancos ou fundos de investimento. Poderão ser cedidos créditos referentes a cobrança administrativa ou judicial movida pelo município contra o Estado – e a prefeitura não poderá ser responsabilizada por um eventual inadimplemento parcial ou total por parte do governo estadual. Qualquer operação dependerá da aprovação da Câmara Municipal.
Infraestrutura
Em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, o prefeito André Merlo (PSDB) estuda antecipar uma parte do crédito que tem com o Estado para acelerar obras de infraestrutura que já estão em andamento, como o calçamento de ruas e dutos de esgoto. “Se um projeto assim passar, você pode lançar mão de um recurso, mesmo com algum deságio dessas instituições financeiras, e pagar as contas. A gente precisa acertar com quem presta serviços, não pode deixar atrasado”, justifica.
A dívida total do Estado com Valadares é perto dos R$ 142 milhões, e a maior parte – R$ 91,5 milhões – tinha como destinação a saúde. Entretanto, esse montante em particular, assim como o piso da Assistência Social, não está contemplado no acordo formalizado entre prefeituras e Estado, intermediado pela AMM e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Mesmo com o déficit, o prefeito garante que conseguiu amenizar as dificuldades financeiras sem o repasse dos recursos. “Valadares conseguiu passar pela onda sem grande sufoco. Este ano a gente acertou as contas do ano passado. E chega o segundo semestre a gente tem dificuldade financeira porque a arrecadação própria do município é no início do ano.
Já Itabirinha, município com 11 mil habitantes localizado a 425 quilômetros de Belo Horizonte, também no Vale do Rio Doce, não teve a mesma facilidade. A administração municipal deixou de receber R$ 6 milhões do Estado entre 2017 e 2018. O prefeito Edmo César (PSDB) adianta que vai recorrer aos R$ 2 milhões a que terá de título de crédito a partir da sanção da lei pelo governador.
Segundo ele, a falta de repasses constitucionais nos últimos anos levou à paralisação de obras e até à suspensão de compras de medicamentos e de investimentos em educação. “Tivemos de concentrar recursos em pagar funcionários e manter as ações que são indispensáveis ao município, como limpeza pública e saúde, de forma bem precária”, relata César. Com a possibilidade iminente de ter acesso ao crédito, o prefeito já estima as áreas em que utilizará o recurso: infraestrutura, aquisição de veículos e maquinário, especialmente para o transporte de alunos e limpeza pública.
Vice-presidente da Associação dos Municípios da Microrregião do Leste de Minas (Assoleste), sediada em Mantena, Edmo César diz que a realidade de 14 municípios da região, com população entre 3 mil e 28 mil habitantes, é igualmente caótica. “Todos estão com as mesmas dificuldades, que se concentram na questão de saúde e educação. É onde está mais impactando o débito. Guardadas as devidas proporções, é o mesmo problema que todos nós enfrentamos”, avalia.
Convencimento
Em Divinópolis, região Centro-Oeste de Minas Gerais, o prefeito Galileu Machado (MDB) usou a dívida de R$ 114 milhões do Estado com o município para convencer os vereadores a autorizá-lo a contrair empréstimo de R$ 40 milhões. A Lei 8.630/19 foi publicada no último dia 15, no Diário Oficial do Município. O emedebista afirmou que mesmo com a economia de R$ 15 milhões feita entre 2017 e este ano, “não houve forças suficientes para enfrentamento da crise”.
“A atual gestão busca, com responsabilidade, alternativas para um melhor gerenciamento das demandas que diariamente são apresentadas para a administração”, afirmou ao justificar o empréstimo. Mesmo usando o crédito milionário para justificar o pedido de autorização, o município não deverá dar as parcelas negociadas com o Estado como garantia. A assessoria de comunicação da Prefeitura informou que se trata de uma operação de crédito habitual para os municípios.
Do total devido pelo Estado, Divinópolis irá receber a partir de janeiro de 2020 cerca de R$ 34 milhões em 33 parcelas. O acordo não inclui os débitos da saúde, que representam a maior fatia. Dos R$ 40 milhões autorizados pela Câmara Municipal, R$ 27 milhões deverão ser aplicados na pavimentação de vias; R$ 11 milhões custearão a construção de uma ponte ligando os bairros Maria Peçanha ao Realengo e os R$ 2 milhões restantes serão usados para a conclusão do primeiro pavimento do Centro-Administrativo, sede da prefeitura. (*Bárbara Brandão, sob a supervisão de André Manteufel/**Amanda Quintiliano)