A crise econômica, que paralisa investimentos em infraestrutura, congela milhares de bolsas de pesquisas nas universidades e leva governos a parcelar salários de funcionários, não sensibiliza todos no Brasil. Nas últimas semanas, agentes e órgãos públicos dos três poderes e do Ministério Público ignoraram o momento de aperto financeiro e criaram (ou pediram) novas despesas para os cofres do Estado. É o caso do Tribunal de Justiça de São Paulo, que retomou neste mês o plano de construir nova sede, ao custo estimado de R$ 1,2 bilhão, ou do Superior Tribunal Militar, que gastou R$ 100 mil com diárias e passagens para três ministros em viagem à Grécia.
Em Minas Gerais, o Ministério Público estuda brigar na Justiça para garantir aumentos no contracheque do ano que vem – em reunião para discutir o tema, um procurador reclamou de receber “miserê” de R$ 24 mil. No Executivo, o governador Romeu Zema desistiu de extinguir os jetons pagos aos secretários prometidos em campanha e na semana passada recebeu medalha comemorativa que também prometeu abolir.
Na decisão do CNJ estão previstas três modalidades: contratos com planos de saúde, serviços prestados diretamente pelo órgão ou reembolsos, com limite para juízes de 10% do salário (ou seja, cerca de R$ 4 mil) e para servidores e seus dependentes limite de 10% do salário de juiz substituto (ou seja, R$ 3 mil). Um dia depois da decisão do conselho, a implantação do auxílio começou a ser discutida no Tribunal de Justiça de São Paulo, que estima um custo de R$ 180 milhões com o benefício.
A construção de um novo prédio sede do tribunal paulista ao custo de R$ 1,2 bilhão é outro gasto discutido pelo TJSP que gerou mal-estar entre os magistrados nas últimas semanas. O novo local para abrigar os gabinetes dos 360 desembargadores do estado terá duas torres de 24 andares (mais seis subsolos) e um heliponto. A ideia da obra surgiu na década de 1970, mas só voltou a ser discutida em 2005, ano em que o país vinha de um crescimento no PIB de 5,7% e a taxa de desemprego ficava pela primeira vez em duas décadas abaixo de 10%.
Segundo a assessoria do TJSP, o órgão não comenta o projeto da nova sede, uma vez que a construção do prédio está sendo analisada por comissão interna, com prazo até 3 de outubro. “Por pedido de impugnação feito por uma desembargadora, o presidente do TJ postergou por 30 dias a abertura dos envelopes com as propostas de projetos. Quanto à questão de gastos em momento de aperto financeiro, o tribunal tem elevado valor com aluguéis mensais. Se construído o prédio, a despesa com aluguéis será drasticamente reduzida”, diz por meio de nota o tribunal paulista. O órgão estima economia anual de cerca de R$ 50 milhões, que são gastos atualmente com transporte dos magistrados e aluguéis – ou seja, a economia efetiva só viria daqui a duas décadas, se a obra ficar pronta dentro do orçamento previsto, de R$ 1,2 bilhão.
Às cegas Para o economista e fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco, vários órgãos no Brasil ignoram o momento grave da economia, sem solidariedade à situação de restrições e cortes que afetam a maior parte da população. “Fica muito claro que não há uma solidariedade em relação à crise fiscal gravíssima que o país atravessa. O ano de 2019 começou com um pedido de aumento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta semana, o CNJ aprovou auxílio-saúde para magistrados, servidores e seus familiares, que pode chegar a 10% dos salários. Medida que já está sendo rapidamente implementada por tribunais nos estados”, avaliou Castelo Branco.
ESTADOS ATRASAM SALÁRIOS... E CONGRESSO CUSTA R$ 30 MILHÕES AO DIA
“Para ilustrar como são enormes os gastos do Legislativo, nesta semana tivemos o prêmio da Mega-sena vencido por um bolão da liderança do PT na Câmara. Foram 49 pessoas que participaram, sendo que outros assessores do partido não jogaram. Olhe o tanto de assessores que existem para partidos políticos no Congresso, além dos assessores dos parlamentares. E são mais de 30 partidos”, lembrou o economista.
Outro caso que escancarou a distância entre a crise real que afeta milhões de brasileiros e muitas entidades públicas foi o do procurador do Ministério Público de Minas Gerais Leonardo Azeredo dos Santos. Após vazamento de áudio de reunião do órgão em que Leonardo reclama receber “miserê” de R$ 24 mil como salário, a repercussão nacional gerou indignação de várias entidades e até colegas do MP criticaram a postura do procurador.
No entanto, o áudio da reunião do MP mineiro revelou que a briga por conseguir aumento nos salários foi defendida institucionalmente pelo órgão. Isso ocorre mesmo diante de crise que levou ao parcelamento do salário de milhares de servidores em Minas. O procurador-geral de Justiça de Minas, chefe do MP, Antônio Sérgio Tonet, afirmou que estuda recorrer à Justiça para conseguir reajuste no contracheque em 2020.
Na proposta orçamentária para 2020, foi apresentado um plano de reajuste de 5% no vencimento dos promotores e procuradores, que atualmente varia de R$ 30,4 mil a R$ 35,4 mil. Em fala aos colegas do MP, Antônio Tonet avisou que o índice é apenas “estratégia” para elevar o valor do orçamento e garantir margem para gastos dentro da rubrica de pessoal.
No Poder Executivo também são comuns benefícios que extrapolam salários de agentes públicos. Criticado pelo governador Romeu Zema (Novo) durante a campanha eleitoral, o pagamento de jetons para secretários de Estado continua em Minas Gerais governo após governo. Atualmente, 12 secretários mineiros recebem os recursos extras, que são considerados pelo próprio governo como forma de ajustar os salários, que estariam abaixo do valor pago em outros estados e poderes.
Com os valores adicionais pagos através de indicações para conselhos de empresas públicas – alguns se reúnem apenas uma vez por mês, os vencimentos de secretários ultrapassam R$ 30 mil. Após atacar muito o benefício durante a eleição do ano passado, Romeu Zema se viu obrigado a vetar proposta da Assembleia que proibia o pagamento dos jetons e trabalhou para convencer os deputados a manter sua decisão.
Férias na Grécia No início do semestre, o Superior Tribunal Militar (STM) desembolsou R$ 100 mil para quitar passagens aéreas e diárias de três ministros em viagem à Grécia. O jornal Folha de S.Paulo revelou que a viagem foi realizada em julho, no período de férias dos militares. Eles participaram de um seminário de dois dias em Atenas, promovido pela Associação Internacional das Justiças Militares. O gasto gerou críticas de colegas da corte, que citaram o mau exemplo dos colegas em momento de crise econômica.
As passagens aéreas do presidente do STM, almirante Marcus Vinícius Oliveira dos Santos, custaram R$ 28,3 mil, e as passagens dos outros ministros, Álvaro Luiz Pinto e Péricles Aurélio Lima de Queiroz, custaram R$ 13,8 mil. Cada um deles recebeu ainda diárias, em euros, equivalentes, a R$ 14 mil. Na quarta-feira passada, o Ministério Público, junto ao Tribunal de Contas da União, pediu à corte abertura de investigação sobre eventual irregularidade no uso de dinheiro público para bancar a viagem dos ministros do STM.
Procurado pela reportagem, o Superior Tribunal Militar não deu detalhes sobre a viagem dos três ministros e informou que as explicações serão apresentadas ao TCU. “Em função de os questionamentos estarem afetos a assuntos recentemente encaminhados em representação formulada ao Tribunal de Contas da União pelo Ministério Público, participo que, a partir de 17 de setembro, todas as informações serão encaminhadas diretamente àquela Corte de Contas”, informou, por meio de nota, o tribunal.