Nova York – Nem agressivo ao ponto de ser tratado grosseiro, mas nem tão light que possa parecer abrir mão da soberania. Mas com a franqueza que é peculiar ao presidente Jair Bolsonaro. É assim, com equilíbrio e destaque às ações do Brasil em relação aos objetivos do milênio, que integrantes da comitiva definem o tom do discurso que o presidente fará hoje, marcando sua estreia nas Nações Unidas. Por recomendações médicas, a agenda nos Estados Unidos ficou restrita à ONU e conversas rápidas e concentradas nesta terça-feira. A primeira será um rápido encontro com o secretário-geral da ONU, Antonio Guterrez, como é praxe nesse evento. O segundo, já no Hotel Intercontinental, será com o ex-prefeito de Nova York Rudolf Giulliani. Por último, o presidente Donald Trump, uma recepção no Hotel Lot, pouco antes de seguir para o aeroporto. O americano afirmou ontem, ao chegar para o encontro em Nova York, que Bolsonaro “é um bom homem".
O discurso não será tão minúsculo quanto aquele que o presidente proferiu em Davos, no Forum Econômico Mundial, perdendo oportunidade de ouro de apresentar as metas de seu governo para a economia e o desenvolvimento social e sustentável. Mas ficará dentro do limite de 20 minutos estabelecido pela ONU. Nesse período, considerado o mais importante das 32 horas que passará nos Estados Unidos, o presidente terá a missão de marcar a posição do Brasil em relação ao clima e mostrar, conforme bem definiu o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo: "O Brasil está fazendo a sua parte, quem não está são os outros países".
A frase de Araújo foi uma resposta ao que parte da comitiva brasileira considerou uma provocação do presidente da França, Emmanuel Macron. Na reunião sob o futuro da Amazônia, ontem logo cedo, ladeado por Guterrez, os presidentes do Chile, Sebastian Piñera, da Bolívia, Evo Morales, e da Alemanha, Angela Merkel, Macron foi direto ao dizer que estava fazendo toda aquela discussão sem o Brasil. Essa reunião, sem citar nomes, estará presente no discurso de Bolsonaro, de forma a deixar claro que decidir sobre a Amazônia sem o Brasil, significa deixar de fora a maior parte da floresta.
O discurso vem sendo tratado com reserva pela comitiva. O presidente ouviu muitos, mas, na hora de decidir, dizem seus assessores, ele trabalhou sozinho. Modificou a maior parte do que lhe foi recomendado. A expectativa é de que Bolsonaro trate dos temas com a franqueza que lhe é peculiar. A maior parte da fala de hoje, Bolsonaro passou com os ministros de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, com o assessor internacional da Presidência, Felipe Martins, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), já apontado como a indicação do governo para a embaixada do Brasil em Washington.
Durante o voo, o presidente aproveitou para conversar e repassar parte do discurso, de forma a não ultrapassar o tempo previsto pelas Nações Unidas. Pela primeira vez, usou o quarto, porque sentiu um incômodo na região abdominal, mas nada que causasse muita preocupação. Apenas preferiu ficar no quarto por um tempo, algo que jamais foi visto por aqueles acostumados a acompanhá-lo nas viagens internacionais.
O forte esquema de segurança montado no Hotel Intercontinental, onde Bolsonaro está hospedado, não se deveu à movimentação da comitiva brasileira e sim à presença do "dono da casa", o presidente Donald Trump. Ele passou pelo menos quatro horas no hotel, com agenda de reuniões bilaterais. Encontrou a delegação do Egito, o primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, e o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in. O encontro entre Trump e Bolsonaro, entretanto, está previsto para ocorrer ainda hoje, antes do presidente voar de volta ao Brasil.
R$ 2 BILHÕES PARA A AMAZÔNIA
Além das trocas recentes de declarações polêmicas com líderes europeus, ontem o governo brasileiro foi alvo de nova crítica, por estar ausente da Cúpula do Clima da ONU, que está sendo realizada em Nova York também. O presidente Emmanuel Macron vem mobilizando os líderes internacionais para aumentar a destinação de recursos à proteção da Amazônia e outras florestas tropicais. Ontem, a França anunciou parceria com os maiores doadores internacionais, entre eles o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a ONG "Conservation International" para levantar US$ 500 milhões (cerca de R$ 2 bilhões). Macron informou que a França contribuirá com US$ 100 milhões para financiar o programa “Pro Green” de ajuda a projetos locais, segundo a agência francesa RFI.
O anúncio foi feito ontem em Nova York. O financiamento do reflorestamento foi um dos temas centrais de reunião especial sobre a Amazônia organizada pela ONU, antes da Cúpula de Ação Climática dos líderes mundiais. O Banco Interamericano de Desenvolvimento apoiará ações desenvolvidas pelos países da região. A Conservação International, dirigida pelo ator Harrison Ford, investirá em iniciativas de organizações não-governamentais, comunidades nativas e empresas privadas. O ator americano indicou hoje que a organização vai destinar US$ 20 milhões a esses projetos de defesa da Amazônia. A entidade informou em nota que o dinheiro se destina a apoiar a estrutura fornecida pelo Pacto de Letícia, assinado em setembro pelos países com floresta amazônica em meio aos esforços emergenciais para a floresta. Os projetos financiados por esta verba envolvem restauração florestal, apoio às comunidades indígenas e aproximação com agricultores para que conservam florestas.
A iniciativa do encontro foi do próprio Macron e dos presidentes Sebastián Piñera, Iván Duque e Evo Morales. Em agosto, Macron anunciou a liberação de 20 milhões de euros (R$ 91 milhões) dos países do G7 para combater as queimadas. O plano foi feito às pressas depois que Macron chamou a atenção do mundo para os incêndios na floresta amazônica, mas não ficou claro de que forma o dinheiro seria enviado. Na ocasião, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, afirmou que o Reino Unido doaria o equivalente a R$ 50 milhões para o Brasil combater queimadas. E o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, informou que emprestaria aviões-tanque e doaria o equivalente a mais de R$ 46 milhões para os países da região amazônica. (Com agências)
Puxão de orelha coletivo
Nova York – A ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos, discursou para líderes de 60 países na abertura da Cúpula do Clima, na sede das Nações Unidas. O encontro foi convocado pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em meio à pressão da juventude mundial, que quer a redução das emissões de gases do efeito estufa. A jovem ativista conseguiu mobilizar milhares de jovens estudantes na última sexta-feira, durante a terceira greve global pelo clima. "Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias", afirmou Thunberg. A adolescente destacou que não existem políticas e soluções à vista e que não acredita quando líderes mundiais afirmam que ouvem os mais jovens e entendem a urgência de tomar decisões. "Por mais de 30 anos a ciência foi clara. Como ousam seguir ignorando os alertas e vir aqui para dizer que estão fazendo o bastante? Se vocês realmente entendessem essa situação, e ainda assim seguissem falhando em suas ações, então vocês são maus."
Em outro momento, a garota afirmou: "Não vamos deixá-los sair ilesos dessa. Aqui, agora, vamos definir os limites. O mundo está acordando. A mudança está vindo, quer queiram ou não”. Ela seguiu com o puxão de orelhas coletivo: "Isso está errado, eu não deveria estar aqui. Eu deveria estar na escola, do outro lado do oceano. Vocês ainda se aproximam de nós, jovens, para ter esperança. Como ousam?" A adolescente ainda alertou para ecossistemas em colapso. "As pessoas estão sofrendo, estão morrendo. Estamos no início de uma extinção em massa e tudo o que vocês falam gira em torno de dinheiro e um conto de fadas de crescimento econômico eterno”.
Para Greta Thunberg, não haverá planos ou soluções para o que foi apresentado durante a cúpula. Isso, porque, segundo ela, os números são muito desconfortáveis. "Vocês não são maduros o suficiente para dizer que estão falhando. Mas os jovens estão começando a entender sua traição. Os olhos das gerações futuras estão virados para vocês. E se vocês decidirem nos ignorar, eu te digo. Nós nunca vamos perdoá-los."