As contas da Santa Casa de Carmópolis de Minas, no Centro-Oeste do estado, único hospital da cidade com atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), serão auditadas. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instaurada para apurar desvio de recursos e o mau atendimento, conseguiu, liminarmente, o direito de ter acesso aos documentos, até então, negados pela administração da unidade.
A CPI é reflexo da audiência pública realizada em agosto a partir de reclamações de usuários. Falta de médicos, medicamentos, estrutura precária, salários atrasados foram algumas das denúncias. “O que chamou a atenção é que a prefeitura está fazendo o repasse religiosamente em dia”, revela o presidente da comissão, o vereador Marcelo Freitas (DEM). Por mês, são repassados cerca R$ 236 mil para assistência de uma população estimada em 19 mil habitantes.
O principal questionamento dos 11 vereadores do município é quanto à prestação de contas. Desde 2013 ela não é apresentada à Secretaria Municipal de Saúde. “Eles alegam que a Santa Casa por ser uma entidade privada não tem obrigação de prestar contas”, explica Freitas. A mesma argumentação é utilizada para negar os documentos solicitados pela CPI.
Três reuniões foram realizadas para identificar os responsáveis pela administração do hospital desde 2010 e levantar a documentação necessária. “Entramos com uma ação de busca e apreensão, há uns 10 dias, para o juiz conceder uma liminar e ela saiu ontem (24 de setembro) no final do dia”, conta o presidente. Os documentos serão periciados por um profissional contratado pela Câmara.
“Dificuldades extremas”
As denúncias são confirmadas pelo administrador da Santa Casa, Fabrício Lancleder, que nega apenas desvio de dinheiro. Declarando que a unidade passa por “dificuldades extremas”, ele acusa o município de ser responsável pelo déficit mensal de R$ 40 mil.
Os médicos estão com um mês de salários atrasados e falta um quarto do 13º referente ao ano passado de todos os funcionários. Há três anos a conta de energia de aproximadamente R$ 5 mil/mês não é paga e para conseguir manter a assistência, os débitos com os fornecedores são negociados. “Temos os remédios básicos, mas não aqueles que, às vezes, dariam um retorno mais rápido ao paciente, por que o custo é maior”, explica.
Desde 2014 os serviços são prestados ao município por força de liminar. A unidade e a prefeitura não entraram em acordo quanto a planilha de valores e nenhum convênio foi firmado. Em fevereiro de 2015, houve uma liminar, confirmada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para pagamento mensal de R$ 235.929,50 pelo município. Segundo o provedor, ela previa com correção anual. Entretanto, isso não ocorreu.
Caso as revisões tivessem ocorrido, o administrator estima que o valor deveria estar na faixa de R$ 280 mil. A Santa Casa presta serviço de pronto-atendimento, maternidade, lavagem e desinfecção de roupas dos postos de saúde e diagnóstico (laboratório). Por mês, são realizados entre 1,7 mil a 2 mil atendimentos de baixa e média complexidade apenas pelo SUS.
Sem convênio, segundo Lancleder, não há motivos para a unidade que é privada e filantrópica prestar contas ao município. “Fazemos a prestação de contas anual à Irmandade. Ela é aberta a quem quiser participar”, argumenta. Todos os meses são repassadas as notas fiscais com especificações dos procedimentos realizados à Secretaria de Saúde.
“CPI é ilegal”
O administrador disse que a Santa Casa ainda não foi notificada sobre a liminar para liberação dos documentos à comissão. Afirmou que o jurídico da unidade entendeu ser ilegal a instauração da CPI e está buscando os caminhos judiciais para barrá-la. Lancleder ainda classificou a comissão como “politiqueira”.
“É um jogo político que está acontecendo. Estou na administração há 4 anos e nunca tinham solicitado nada. Estamos quase em véspera de pleito eleitoral e agora querem fazer política”, declara.
Questionado sobre a transparência com a verba pública, afirmou que a Santa Casa está disposta a ceder as informações desde que haja convênio com o município. Alegou que não há como separar algumas despesas geradas por pacientes do SUS e da saúde suplementar, o que dificulta os dados. “Estamos buscando a legalidade, se for legal vamos entregar”, sintetiza.
Lancleder cogitou também a possibilidade de suspender a prestação de serviço. “Não temos interesse em lucro, mas não podemos ficar no prejuízo igual está. Vamos chegar a um ponto que teremos que parar de fornecer o serviço”, alerta. Segundo ele, a situação só será normalizada com pagamento retroativo da diferença do reajuste e com o repasse integral em dia.
“Estranheza”
Em nota, a Secretaria de Saúde informou ter conhecimento de todas as supostas irregularidades. Entretanto, tratou como “estranheza” a falta de medicamentos e atrasos salariais “uma vez que os repasses para os serviços de Pronto Atendimento estão em dia”.
Os cerca de R$ 236 mil repassados à Santa Casa, segundo a secretaria, são para casos considerados de urgência emergência. Inclui ainda pagamento de funcionários e medicamentos.
“Além do repasse citado acima, ainda custeia duas ambulâncias, quatro motoristas e disponibiliza um médico para atendimento da livre demanda (Protocolo de Manchester) no Núcleo Integrado da Saúde da Mulher e da Criança, durante toda a semana”, argumenta em nota.
O município não reconhece o déficit com a unidade gerado pela ausência da correção anual por não existir contrato entre as partes.
“Para a efetivação de um contrato é necessário transparência no uso do dinheiro público, com prestação de contas, além de apresentação de planilha com o real gasto dos serviços executados pelo pronto atendimento”, cobrou.
(Amanda Quintiliano especial para o EM)