O coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, afirmou, nesta quinta-feira (26), que a maioria formada no STF sobre a tese de que delatados têm de apresentar as alegações finais, num processo, após os delatores não está prevista em nenhuma legislação e que, se a Corte optar por esse entendimento, tem de valer para casos futuros e não passados.
A decisão do Supremo pode impactar diretamente os processos da força-tarefa. “Caso se formule uma regra nova, isso deve seguir um princípio de segurança jurídica”, disse, em entrevista ao CB.Poder, programa do Correio em parceria com a TV Brasília. Dallagnol também disse que a Lava-Jato está recebendo “com toda boa vontade” o novo procurador-geral da República, Augusto Aras. Veja os principais trechos da entrevista:
A maioria dos ministros do STF votou a favor de tese que pode anular sentenças da Lava-Jato. Como avalia a decisão?
Essa decisão ainda não acabou, pode sofrer uma modulação na próxima semana. O que está em discussão é se corréus, quando eles são delatores e delatados, podem apresentar as alegações finais de modo conjunto, no mesmo prazo, ou se os delatados devem ter a oportunidade de oferecer sua defesa depois dos delatores, como uma expressão do princípio da ampla defesa. Como os delatores, de algum modo, estão implicando os delatados, os delatados teriam a oportunidade de se manifestar por último. Pois bem, essa regra está explicitada em algum lugar hoje? Não. Nem na Constituição, nem no Código de Processo Penal nem nas leis que regem as colaborações premiadas. E de onde veio essa regra? Veio de uma interpretação da Constituição feita pelo STF. É legítimo que ele interprete a Constituição e formule regras, mas o que precisamos ponderar é que essa regra nunca existiu. Então, todas as autoridades que atuaram abrindo prazos em comum para alegações finais a réus delatores e delatados até hoje, seja na Lava-Jato, seja nos outros vários casos de corrupção, de tráfico de drogas pelo país, são autoridades que agiram de acordo com a lei existente. Caso se formule uma regra nova, não só nesse caso, mas em todos os outros, isso deve seguir um princípio de segurança jurídica, na minha leitura. Isso deve valer para casos futuros. O que o STF disse hoje (nesta quinta-feira — 26/9)? Disse que a regra deve ser de que os delatados devem ter a oportunidade para se manifestar depois. É uma regra que o Supremo está derivando da Constituição, dentro de toda legitimidade que ele tem. Agora, para que o sistema tenha segurança jurídica diante de novas regras, que podem ser derivadas a qualquer momento, precisamos que isso valha para o futuro, e não para o passado. E tem uma outra modulação que pode ser feita: pode ser que o STF diga que essa regra só deve valer quando o corréu delatado pediu isso no processo. Isso restringiria muito ainda o número de casos que seria passível de anulação.Continua depois da publicidade
Na sua avaliação, esse julgamento é um mau indício?
Acho que esse caso fala mais do nosso sistema do que da Lava-Jato em si. Porque nosso sistema de Justiça é cheio de brechas, ele gera inseguranças jurídicas muito grandes. Isso afeta não só a Lava-Jato e as investigações criminais, mas o mercado também, quando existe um problema negocial, contratual entre partes. Gera uma insegurança e é um sinal de fraqueza das instituições brasileiras. Quando você vê os fatores que levam ao sucesso ou ao fracasso das ações com base, por exemplo, naquela teoria do Por que as ações fracassam?, livro muito em voga hoje, ele fala que as instituições funcionam bem, o mercado funciona bem e a economia se desenvolve quando você tem instituições fortes, quando você tem um sistema previsível, e o nosso sistema jurídico é muito imprevisível.
Hoje (nesta quinta-feira — 26/9), no STF, o ministro Gilmar Mendes estava chamando o senhor de corrupto, usando as mensagens divulgadas pelo Intercept, que são inválidas. Existe uma onda para acabar com o combate à corrupção?
Não só são mensagens inválidas, mas o teor analisado não indica qualquer ilicitude. Quando surgiram as mesmas conversas iniciais, quando o corregedor do MP analisou, ele disse: ‘Ainda que eu vá ao mérito, não tem nada de errado’. Mais de 200 juízes fizeram abaixo-assinado dizendo: ‘Não, não teve nada de errado nisso’. Então, o que a gente vê nessas divulgações de mensagens é, em primeiro lugar, uma deturpação das mensagens, uma interpretação com a pior luz possível e um enquadramento dentro de uma interpretação da lei que foi a mais favorável possível para os réus. Veja, por exemplo, o que aconteceu quando disseram que a Lava-Jato tinha transposto limites legais para obter informações fiscais. Isso não aconteceu. O que aconteceu foi uma atuação correta dentro do limite da lei. Existem três modos de se obter informações fiscais. O primeiro, é a quebra de sigilo bancário e fiscal; o segundo, é uma requisição, isso é reconhecido; e o terceiro, é quando eu passo informações para a Receita, de modo legal e legítimo, sem quebrar o sigilo fiscal, e a Receita faz uma análise. Se eles concluírem que há indícios de crimes, eles são obrigados a comunicar ao MP, e eles comunicam. Então, a atuação foi dentro da lei.
Num primeiro momento, os senhores negaram a legitimidade das conversas...
A gente foi hackeado, tem conteúdo verídico, mas quando isso aconteceu, quando esses crimes (de hackeamento) aconteceram, a gente foi orientado a apagar as mensagens para preservar o sigilo das investigações e proteger as pessoas envolvidas nisso, então já não tem mais parâmetro de comparação. E aí eu me pergunto: você lembra de mensagens que trocou há três anos? Não conseguimos lembrar frases específicas, mensagens específicas. A gente lembra de assuntos que conversou e do que aconteceu. E quando eles vêm e formulam acusações falsas sobre o conteúdo, a gente sabe o que não aconteceu. Agora, se você disser aquela frase, e eles estão descontextualizando, deturpando, é algo que eu não consigo evidenciar, porque não tenho a original como parâmetro de comparação.
Qual é a sua expectativa em relação ao novo procurador-geral Augusto Aras?
Embora eu tenha, como procurador natural do caso, independência funcional, e um procurador-geral não possa dizer o que eu vou fazer ou não em um caso concreto, toda equipe que eu tenho ao meu redor é a equipe que foi autorizada pelo procurador-geral. Só na Lava-Jato em Curitiba, somos mais de 60 pessoas. Se tirar, e ficar eu com um conjunto de três ou quatro assessores, isso vai pelo ralo. Então, a primeira coisa que o procurador-geral pode impactar é a estrutura de trabalho. A segunda coisa é: todos os nossos casos vão parar no Supremo. A posição dele perante o Supremo é fundamental. A terceira coisa: lá, tem uma série de casos em repercussão geral que impactam diretamente no nosso trabalho, como a prisão em segunda instância. Vai ser tomada essa decisão. Isso impacta diretamente no nosso trabalho. Um quarto aspecto é o fato de que toda colaboração premiada que traz um deputado ou senador que tem foro privilegiado, hoje, é negociada não só conosco, mas em conjunto com a equipe do procurador-geral. Para as colaborações irem à frente, a gente depende disso. Então, a Lava-Jato depende muito do procurador-geral. Agora, nós vamos esperar para ver o que vai acontecer, mas nós estamos recebendo, com toda boa vontade, o novo procurador, se dispondo a fazer esse trabalho em conjunto. Em uma ligação telefônica que fiz com ele (Aras), ele disse que se dispunha a apoiar e reforçar o trabalho da Lava-Jato, e que reconduziu à procuradoria-geral da República os procuradores que tinham se afastado no fim do mandato de Raquel Dodge, por entender que posturas lá tinham sido equivocadas, o que é um bom sinal. (Colaborou Thaís Moura, estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa)