Brasília – A paz entre o Executivo e o Legislativo ainda está longe de ser selada. A recente derrubada dos vetos do presidente Jair Bolsonaro na lei de abuso de autoridade e as recentes divergências públicas entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mostram que o relacionamento entre o Palácio do Planalto e o Congresso continuará sendo desarmônico nas pautas não-econômicas, um desafio para o governo.
Sob a liderança do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, o Executivo vem trabalhando e promovendo articulação com os líderes do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), e no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), para construir uma base de sustentação no Congresso. A leitura feita é de que, nas duas Casas, o trabalho vem sendo bem executado. O problema, ponderam interlocutores governistas, está na estrutura restante do tripé: a liderança do governo no Congresso, exercida pela deputada Joice Hasselmann (PSL-SP).
A base montada na Câmara e no Senado, avaliam membros da interlocução política, não vem se refletindo nas sessões de Congresso ou comissões mistas, cuja articulação é de competência de Joice. O Planalto exime Vitor Hugo e Bezerra. "O diálogo está sendo bem-feito, com harmonia. Mas os acordos nas pautas de Congresso não estão sendo feitos", comenta um interlocutor. Os ruídos vão desde a derrota nos vetos da lei do abuso de autoridade a sessões de Comissões Mistas de Medidas Provisórias.
Outra crítica aponta o atraso pra definição dos relatores setoriais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e em descuidos na articulação na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, que aprovou todos os requerimentos apresentados por parlamentares. “Fomos tratorados”, critica um articulador. A leitura de governistas é de que falta costurar uma relação mais eficiente. No Planalto, ressaltam que o diálogo vem sendo bem conduzido, mas admitem que, na liderança do Congresso, faltam ajustes. “Que serão feitos mais a frente”, pondera.
Com a Lei 13.877/19 sancionada, na sexta-feira, com 14 vetos, outro desafio se avizinha. A legislação, conhecida como a “microrreforma eleitoral”, que confere aos partidos mais liberdade para o uso de recursos dos Fundo Eleitoral e Fundo Partidário, deve ter os trechos rejeitados por Bolsonaro apreciados em sessão de Congresso entre terça e quarta-feira passadas. Líderes partidários foram comunicados pela Presidência do Senado sobre a convocação para a próxima sessão de Congresso.
RECADOS PELAS REDES SOCIAIS
O relacionamento com Rodrigo Maia é outro desafio que o governo precisa resolver. Na quarta-feira, o demista postou em suas redes sociais uma foto com em que cumprimenta o cacique Raoni Metuktire, indicado ao Nobel da Paz, rechaçando a possibilidade de pautar temas que retirem direitos dos povos indígenas, “nem em relação às questões da mineração e, tampouco, na aprovação da ampliação dos espaços das madeireiras”. O indígena é um desafeto de Bolsonaro. O presidente, por sua vez, defende a pauta de desenvolvimento sustentável e garimpo em terras indígenas.
No mesmo dia, Maia ainda sustentou que a tendência é não votar a medida provisória (MP), que desobriga as empresas de publicarem seus balanços em jornais, sustentando que, se depender dele, a proposta caducará. Para o governo, as sinalizações de Maia deixam claro a necessidade de acelerar a articulação. “Maia é uma incógnita. Tem hora que ajuda e tem hora que dificulta. Acreditamos que seja mágoa das críticas sofridas no início do governo por apoiadores do presidente”, pondera um membro da articulação.
No Parlamento, a leitura é de que alguns ministros ajudam a ampliar o protagonismo de Maia, ao despachar diretamente com o demista, sobretudo na pauta econômica. Aí incluem-se os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. "Ao despacharem diretamente com Maia, estão dando poder político diretamente a ele. O risco disso é aprovar a agenda econômica e nenhuma outra", lamenta um integrante da articulação governista.
Os recados de Maia impulsionaram a articulação. O ministro-chefe da Secretaria de Governo e líderes do governo se reuniram com parlamentares depois da chegada de Nova York, para alinhar a base. “A ideia é fazer frente sem bater no Maia”, explica um interlocutor. O objetivo é evitar o protagonismo do demista, que, atualmente, atua como espécie de primeiro-ministro, analisa o cientista político Horácio Lessa. “O governo terá alguns incêndios a apagar, sobretudo para evitar impactos à agenda econômica. Se não mudar, o novo embate vira sobre a reforma tributária”, avalia.
EQUILÍBRIO
A paz plena entre governo e Congresso não deve ocorrer. Mas o equilíbrio entre os interesses pode ser atingido quando a base estiver plenamente montada. Até lá, a previsão é de que os posicionamentos continuem sendo diametralmente opostos, pondera o cientista político Geraldo Tadeu, professor e coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). "Se Bolsonaro critica o cacique Raoni, Maia vai lá e o recebe para apoiá-lo. Se, por um lado, Bolsonaro veta trechos de abuso de autoridade, o Congresso vai lá e veta. O mesmo se anuncia do projeto de reforma eleitoral”, avalia.
O deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS), líder do partido na Câmara, classifica o atual cenário como “tumulto institucional”. Para ele, é um contexto causado pelos discursos destoantes calcados na busca pela discórdia, do qual critica, inclusive, a atuação de lideranças no Congresso. “Tem os próprios vetos. Há duas ou três semanas, na votação do projeto de abuso de autoridade, Rodrigo Maia não nos deu direito de fazer a verificação nominal. Vemos um esvaziamento do poder do Congresso, inclusive por sabotagem de líderes da direção da Casa”, critica.