Em apenas nove meses no Planalto, Jair Bolsonaro (PSL) se tornou o presidente com o maior número de vetos derrubados pelo Congresso. Sem uma base de apoio consistente na Câmara dos Deputados e no Senado, o governo teve sete vetos barrados no Parlamento. Além de atritos públicos com os presidentes do Legislativo, Rodrigo Maia (DEM) e Davi Alcolumbre (DEM), Bolsonaro enfrenta problemas no próprio partido. Hoje, o Congresso pode aumentar ainda mais a lista de revezes do Planalto, uma vez que deputados e senadores apreciam mais seis vetos de Bolsonaro, entre eles o que impediu as mudanças nas regras eleitorais.
De acordo com levantamento obtido pelo Estado de Minas por meio da Lei de Acesso à Informação, em seu primeiro ano de governo, Bolsonaro teve mais vetos derrubados do que José Sarney (MDB), Fernando Collor (PRN), Itamar Franco (PRN), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). Dos sete vetos derrubados de janeiro até agora, seis foram de Bolsonaro e um foi assinado ainda no governo Temer, mas deixado de lado até este ano.
Em cada projeto vetado parcialmente estão alguns artigos barrados e outros aprovados. No caso do projeto de abuso de autoridades, Bolsonaro vetou 33 dispositivos em 19 artigos. O Congresso derrubou 18 vetos e manteve 15. Entre os parlamentares que votaram pela derrubada do veto está o próprio filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL). Contrariando a decisão do pai, ele votou contra cinco vetos. Entre trechos que ele ajudou a retomar no texto está a punição de até dois anos de prisão para juízes e agentes públicos que não permitirem acesso à investigação em fases preliminares.
O primeiro veto de Bolsonaro derrubado pelo Congresso tratava de um projeto de lei que dispensa as perícias periódicas a pessoas que tenham HIV/Aids e estejam aposentadas por invalidez. Na justificativa, o Planalto argumentou que a lei ignora a particularidade de cada caso. O veto total foi derrubado no início de junho. Na mesma sessão foi derrubado o veto que barrava a anistia de partidos a ressarcir a União por doações de servidores públicos em cargos de confiança. Ao derrubar o veto o Congresso retomou a anistia aos partidos.
A reportagem do EM procurou a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL), e o líder do PSL na Câmara, deputado Delegado Waldir (PSL), mas nenhum deles quis comentar a derrubada de vetos do presidente Bolsonaro. Líder no Senado, Major Olímpio, lamentou em suas redes sociais a derrubada de vetos e afirmou que existe uma estratégia no Congresso para desgastar o presidente. “Votam projetos absurdos e depois jogam no colo do presidente a questão de vetar ou não. Se o presidente veta e fica com a população dá motivo para o Congresso emparedá-lo”, escreveu o senador do PSL.
CONFLITO ENTRE PODERES
Para o advogado e mestre em ciências políticas pela Universidade Federal de Pelotas (RS), Rafael Vargas Hetsper, autor do estudo “O poder do veto no ordenamento jurídico brasileiro”, os vetos presidenciais indicam “alto grau de conflitividade” entre Executivo e Legislativo. “No sistema presidencialista, em que se trabalha constantemente com articulação com o Parlamento, o veto significa que o Executivo não conseguiu estabelecer boas relações ou formar uma base de apoio significativa. Principalmente quando o veto é total essa falta de sintonia fica clara”, diz Hetsper.
Segundo ele, o veto é um dispositivo constitucional antigo na legislação brasileira, que busca elementos de controle e se alterou de acordo com os regimes. “Podemos dizer que o veto não é algo esperado quando se tem um governo de coalização”, diz. Sobre o alto número de vetos no governo Bolsonaro, Hetsper analisa que o cenário indica a inflexibilidade na forma de negociar. “Este cenário de conflito deve se manter, uma vez que não vejo mudanças por parte de nenhum dos lados”, explica.
Desde a Constituição de 1988 até o fim dos anos 1990, a derrubada de vetos era raridade no Congresso. A maioria sequer era lido em plenário e eles acabavam não sendo apreciados. Em governo marcado pela coalização pós-ditadura militar, José Sarney (MDB) não teve vetos derrubados.
Já Fernando Collor (PRN) teve um veto rejeitado. O texto tratava de uma complementação de aposentadoria de ferroviários e foi barrado totalmente pelo presidente, sendo depois resgatado no Congresso. Fernando Henrique (PSDB) vetou em 1999 projeto que anistiava parlamentares de multas nas eleições de 1996 e 1998. Por 285 votos de deputados e 44 votos de senadores, o veto presidencial foi derrubado. Em 2005, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) barrou um projeto aprovado pelo Parlamento que reajustava o salário dos servidores do Senado e da Câmara, citando que não havia previsão orçamentária. Por 370 votos de deputados e 61 de senadores, o veto foi derrubado.
A partir de 2013, quando o Congresso aprovou regra que tornou rápida a apreciação dos vetos, decisões dos presidentes chegaram ao plenário de forma constante. Os vetos passaram a trancar a pauta de votações e as comissões tiveram que seguir prazo para elaborar relatório analisando a justificativa do governo. No mesmo ano, Dilma Rousseff (PT) teve seu veto à lei que distribuía os royalties do petróleo derrubado – 54 votos no Senado e 354 na Câmara. Dois anos depois, com a chegada de Eduardo Cunha (MDB) à presidência da Câmara, outros três vetos de Dilma foram derrubados. Nos dois anos e meio em que esteve no Planalto, Michel Temer (MDB) teve três vetos barrados, que tratavam do piso salarial para agentes comunitários, descontos para multas de produtores rurais e redução no percentual de contribuição à Previdência na comercialização de produtos.
ENTENDA
Como é o processo de derrubada de um veto presidencial
Depois de ser aprovado no Congresso Nacional, o projeto de lei é analisado pelo presidente da República. Ele pode sancionar, vetar parcialmente alguns artigos e vetar completamente.
Em caso de veto, o presidente precisa justificar sua decisão ao presidente do Senado. O motivo pode ser político, em que o texto é considerado contrário ao interesse público, ou legal, considerado inconstitucional.
O veto e a justificativa são devolvidos ao Congresso para que uma comissão de senadores e deputados analise a explicação do presidente e faça relatório.
O veto segue então para votação em sessão conjunta de Câmara e Senado. Para ser derrubado é necessário formar ao mesmo tempo maioria absoluta em cada Casa, ou seja, 41 senadores (dos 81) favoráveis e 257 deputados (dos 513).
Derrubado o veto, o texto é promulgado e se torna lei valendo como foi aprovado anteriormente no Congresso
Observação: Desde 2013, uma nova regra aprovada pelos parlamentares determinou maior agilidade na apreciação dos vetos presidenciais. Assim que o presidente do Senado é comunicado do veto, ele tem 72 horas para designar comissão para relatá-lo e abre-se um prazo de 30 dias para análise. Antes, o prazo só era contado a partir da leitura do veto em sessão do Congresso, o que podia se estender por anos. A nova regra determinou também que o veto passa a trancar as pautas nas sessões do Congresso para qualquer outra deliberação.