O Ministério Público em Nova Serrana, Centro-Oeste de Minas, instaurou inquérito para investigar o contrato de R$ 3,8 milhões entre a prefeitura da cidade e o laboratório Nova Serrana Ltda. Com suspeitas de superfaturamento e direcionamento de licitação, a perícia técnica do próprio órgão apontou discrepância entre os valores praticados e a tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Entre setembro e dezembro de 2017, foram realizados 16.571 exames ao custo de R$ 228 mil. Se os procedimentos tivessem seguido a tabela do SUS, eles teriam custado, segundo o laudo, cerca de R$ 82,8 mil. A diferença atinge a cifra de R$ 145,1 mil, apenas para o período periciado.
O laudo foi anexado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que averigua, entre vários indícios de ilegalidade na saúde, o Processo Licitatório 152/2017 e o Pregão Presencial 076/2017. A comissão apurou que a diferença entre os valores chega a 332%. Enquanto o valor praticado pelo laboratório para creatinina, por exemplo, é de R$ 8, a tabela SUS prevê R$ 1,85. “Eles podem alegar que a tabela SUS não serve de parâmetro, mas tivemos acesso a notas fiscais que mostram que um mesmo exame para a UPA, já terceirizada, custa R$ 2,90 e para o município R$ 30”, conta o relator da CPI, o vereador Wilian Barcelos (PTB).
A prestação do serviço começou em setembro de 2017 para exames eletivos e de urgência e emergência para atender à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA). Em agosto do ano seguinte, a gestão da unidade foi terceirizada e a responsabilidade dos exames passou a ser da gestora. Na mesma época, foi assinado aditivo com o laboratório Nova Serrana até janeiro de 2019. Nesse período, ele forneceu apenas exames eletivos, ou seja, aqueles agendados. Em fevereiro do mesmo ano, a prefeitura substituiu a licitação para o modelo recomendado de credenciamento. Cerca de sete laboratórios se cadastraram e prestam serviço hoje ao município.
Entre outros pontos levantados pela CPI e investigados pelo MP está a relação de proximidade entre os sócios da empresa, Iara Francisca Alves e Roldão Ricarti Filho, com o prefeito, Euzébio Lago (MDB). Ambos foram doadores da campanha do emedebista em 2016, com valores de R$ 2,5 mil cada, conforme a prestação de contas disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O relator da CPI aponta outros indícios de direcionamento da licitação. “Em vez de fazerem em dois lotes, um para exames eletivos, que podem ser feitos a qualquer hora, e outro para urgência e emergência, que seria para a UPA, eles fizeram em um lote só, mesmo sabendo que o Laboratório Nova Serrana era o único que atendia 24 horas”, relata.
A Secretaria Municipal de Saúde informou que o modelo de pregão era adotado desde a administração anterior, quando o mesmo laboratório prestava o serviço e não era seguida a tabela SUS. Alegou que houve cotação com três empresas diferentes para balizamento dos preços. “O motivo da não utilização dos valores da tabela SUS é pela especificidade da prestação de serviços, uma vez que não eram apenas exames eletivos, mas também exames de urgência fora do horário comercial, o que pressupõe mais despesas ao prestador de serviço”, argumenta.
A forma de contratação foi alterada, segundo a secretaria, devido à gestão compartilhada da UPA. Do total do valor previsto no contrato do Laboratório Nova Serrana, foram contratados em serviços R$1,05 milhão em 15 meses.
“Mérito” A advogada do laboratório, Kelly Marinho, negou irregularidades e destacou que a empresa presta serviço para a prefeitura desde 2004 por mérito próprio. Disse que, entre os participantes da licitação, ele era o único a cumprir a exigência de ter atendimento 24 horas para atender à Unidade de Pronto- Atendimento (UPA). Sobre os valores praticados, afirmou que eles estão abaixo das tabelas dos planos de saúde. “O preço tabela SUS não é parâmetro e não é regra”, argumentou. Segundo a advogada, a perícia deveria ter se baseado nos valores da Associação Médica Brasileira (AMB).
Mesmo com os nomes dos sócios do laboratório na prestação de contas do prefeito disponíveis no site do TSE, ela disse que os clientes desconhecem qualquer tipo de doação. Alegou ainda que o nome e o número do CPF de Iara estão errados.
As investigações começaram pela então promotora Vanessa Aparecida Gomes e foram transferidas para Maria Tereza Diniz Alcântara Damaso, que passou a responder pela comarca. Um novo levantamento foi solicitado aos laboratórios para equiparação de preços. A partir dele será feito estudo de mercado para definir se há abuso ou não nos valores prestados. (Amanda Quintiliano especial para o EM)