O ministro da Justiça, Sérgio Moro, voltou atrás em uma portaria publicada em julho que previa a deportação sumária de estrangeiros "perigosos" em até 48 horas. Agora, esse prazo será ampliado para cinco dias. O novo texto, ao qual o jornal O Estado de S. Paulo teve acesso, também atenua regra que impede uma pessoa de permanecer no País e proíbe que alguém seja mandado embora caso isso coloque em risco a sua vida. A nova portaria foi publicada no Diário Oficial da União desta segunda-feira, 14.
O recuo de Moro ocorre após a medida anterior ser contestada por especialistas e ser alvo da Procuradoria-Geral da República, que apresentou uma ação ao Supremo Tribunal Federal apontando desrespeitos à Constituição e aos direitos humanos (mais informações nesta página). Antes de julho, o prazo para um estrangeiro regularizar sua situação era de 60 dias.
Na ocasião, Moro justificou as regras mais duras como uma forma de impedir que pessoas suspeitas de condutas criminosas graves continuem no País. A portaria do Ministério da Justiça, que ganhou o número 666, chegou a ser considerada por parlamentares de oposição como uma tentativa de intimidação ao jornalista americano Glenn Greenwald, editor do site The Intercept Brasil e responsável por publicar supostas mensagens vazadas por hackers de integrantes da força-tarefa da Lava Jato. O ministro negou que essa fosse a intenção.
Ao Estado, Moro disse que o novo texto torna mais claro trechos que não estavam bem "explícitos". Segundo ele, as mudanças para ampliar o prazo de defesa, por exemplo, foram feitas "para evitar receios infundados".
"O novo texto deixa expressas algumas medidas que estavam na portaria anterior, mas, como não estavam explícitas, havia dúvidas sobre o real alcance", disse. "Um exemplo é a deportação sumária, em que, apesar de as condições para o rito estarem previstas no texto anterior, não estava claro que a deportação, nesse caso, não se aplicaria a pessoas que já obtiveram refúgio e também que tenham autorização de residência."
A deportação é diferente da expulsão e da extradição. A primeira se aplica a estrangeiros que entram ilegalmente no País ou cuja permanência se torne ilegal. A expulsão, por sua vez, é aplicada a quem comete um crime em território nacional. Já a extradição é adotada quando autoridades do país de origem da pessoa requisitam seu retorno por alguma condenação, como ocorreu com o italiano Cesare Battisti.
Bolsonaro
Em visita ao Estado, na quinta-feira passada, dia 10, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o País tem adotado uma postura rígida em relação à permanência de criminosos estrangeiros em território nacional. "Mandamos embora um terrorista chinês, uns três paraguaios, fugiram para o Uruguai. Aqui deixou de ser refúgio de terrorista travestido de perseguido político", disse. No caso dos paraguaios, o Brasil retirou o status de refugiado político deles, acusados de sequestro em seu país. O Paraguai havia pedido a extradição.
Além da alteração no caso da deportação sumária, o novo texto também dá prazo para um estrangeiro recorrer da decisão em até cinco dias - antes, ele tinha apenas 24 horas para apresentar sua defesa. Moro ainda voltou atrás na permissão para autoridades policiais manterem sob sigilo os motivos em casos de deportação, de expulsão e impedimento de entrada do estrangeiro no País.
A nova portaria também especifica que, para uma pessoa ser considerada "perigosa", é preciso recair "razões sérias que indiquem envolvimento" em um dos crimes que justifiquem a deportação - terrorismo; grupo criminoso organizado ou associação criminosa armada ou que tenha armas à disposição; tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo; pornografia ou exploração sexual infantojuvenil. Antes, a norma previa apenas que qualquer "suspeito" desses crimes poderia ser enquadrado.
A alteração exclui ainda da lista de motivos para um estrangeiro ser deportado o envolvimento em torcida com histórico de violência em estádios.
Exceções
Em um de seus últimos atos como procuradora-geral da República, Raquel Dodge afirmou, na ação ao Supremo, no dia 13 de setembro, que a portaria 666 "fere os princípios da dignidade humana e da igualdade; viola os direitos à ampla defesa, contraditório, devido processo legal e presunção de inocência de estrangeiros; fragiliza o direito ao acolhimento; e ofende os princípios da publicidade, da liberdade de informação e do acesso à justiça".
A nova portaria inclui ainda algumas situações em que o estrangeiro, mesmo na mira da Justiça, não poderá ser repatriado ou deportado. Não devem ser alvo da norma pessoas residentes no País registrados na Lei de Migração, de 2017, e refugiados reconhecidos legalmente pelo Estado brasileiro, de acordo com o Estatuto dos Refugiados (aprovado em 1997).
A Lei de Migração impede, por exemplo, expulsão de quem tem filho brasileiro sob sua guarda, dependência econômica ou socioafetiva e do estrangeiros que tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil.
Ação no STF
A revogação da Portaria 666 pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que determinava a deportação sumária em até 48 horas de estrangeiros considerados "perigosos", pode levar ao fim da ação apresentada pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, o novo procurador-geral, Augusto Aras, vai avaliar se as mudanças propostas por Moro atendem às cobranças da antecessora, Raquel Dodge.
De maneira geral, quando normas contestadas judicialmente deixam de estar vigentes, os magistrados responsáveis pelo caso podem apontar a perda do objeto e encerrar a análise.
Um dos problemas apontados pela PGR é quanto ao conceito de "pessoas perigosas" que podem ser alvo de deportação, expulsão ou proibição de ingresso no Brasil.
Pelo texto anterior, as medidas poderiam ser determinadas contra "aqueles suspeitos em envolvimento" em terrorismo, pornografia infantil, organização criminosa, tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo. A nova redação define como pessoa perigosa "aquela sobre a qual recaem razões sérias que indiquem envolvimento" com as mesmas situações.
Os critérios estabelecidos pelo ministério para demonstrar o envolvimento incluem a existência de uma investigação criminal em curso contra a pessoa ou condenação em ação penal, bem como informações de inteligência fornecidas por autoridade brasileira ou estrangeira, ou ainda a presença do nome em alguma lista de difusão ou a informação oficial em ação de cooperação internacional.
Além da Procuradoria-Geral da República, duas entidades pediram ao Supremo para ingressar na ação como partes interessadas - a Conectas Direitos Humanos e a Missão Paz. A relatora do caso no Supremo, Rosa Weber, ainda não decidiu se elas poderão participar. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
POLÍTICA