Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) retomam hoje o julgamento de três ações que buscam colocar um ponto final na discussão envolvendo o cumprimento provisório de pena no Brasil. Em outras palavras, eles vão responder à pergunta: é preciso esperar que uma ação criminal termine para que o condenado vá para a prisão?. O próprio STF já adotou entendimentos diferentes sobre a questão. Se em 2009 os magistrados haviam aderido à tese da “presunção da inocência” – em que ninguém pode ser considerado culpado até esgotados todos os recursos –, sete anos depois deliberaram que a pena poderia ser cumprida a partir de uma condenação em segunda instância.
Em seus votos, é comum os ministros citarem textos de juristas e até exemplos de regras aplicadas pelos tribunais mundo afora. Mas, afinal, o que o direito internacional prevê sobre casos semelhantes aos julgados no Brasil? Antes de mais nada, é bom lembrar que as regras levam em conta o sistema judiciário de cada país. Mas especialistas dizem que, no geral, as legislações internacionais não garantem ao acusado a qualidade de inocente até o julgamento definitivo do processo criminal – mas até que a culpa seja legalmente comprovada.
Há exemplos de nações em que a prisão se dá após a análise da primeira instância, como na Espanha e na França, onde o julgamento se dá por um grupo de juízes, e não monocraticamente, como no Brasil. Por aqui, apenas os processos contra a vida são julgados por um júri popular, que corresponde à primeira instância. Há lugares em que são três instâncias da Justiça penal – caso da Alemanha –, mas em crimes graves como homicídio, o julgamento já começa na segunda esfera do Judiciário.
A discussão sobre o início do cumprimento da pena passa necessariamente pela adoção ou não da presunção da inocência nos demais países. Fernando Brandini Barbagalo, em Presunção de inocência e recursos criminais excepcionais, traz uma análise pelo mundo. “Alguns países optaram por não prever expressamente a presunção de inocência no corpo da Constituição (Alemanha, Argentina, Chile, Estados Unidos e Uruguai), outros se limitaram a reconhecer a garantia de forma genérica (Espanha e Paraguai), sendo que outros condicionaram a manutenção do status de inocente até a comprovação da culpa (Canadá, México, Peru e Venezuela) e alguns ao julgamento definitivo (Itália e Portugal)”, diz o autor.
A discussão sobre o início do cumprimento da pena passa necessariamente pela adoção ou não da presunção da inocência nos demais países. Fernando Brandini Barbagalo, em Presunção de inocência e recursos criminais excepcionais, traz uma análise pelo mundo. “Alguns países optaram por não prever expressamente a presunção de inocência no corpo da Constituição (Alemanha, Argentina, Chile, Estados Unidos e Uruguai), outros se limitaram a reconhecer a garantia de forma genérica (Espanha e Paraguai), sendo que outros condicionaram a manutenção do status de inocente até a comprovação da culpa (Canadá, México, Peru e Venezuela) e alguns ao julgamento definitivo (Itália e Portugal)”, diz o autor.
A Constituição brasileira adotou a mesma redação dos italianos e portugueses. Mas a forma de aplicação não é a mesma. Assim como no Brasil, em Portugal há quatro instâncias de julgamento – com exceção de crimes com menor potencial ofensivo, que são julgados em três esferas. O réu só é preso depois do trânsito em julgado da sentença. Já na Itália, é permitido o cumprimento da pena depois da condenação em segunda instância, na chamada corte de apelação. Embora um condenado possa recorrer à corte de cassação, a sentença não fica suspensa.
Violação Para o advogado e professor de processo penal na Universidade Mackenzie Edson Knippel, ao adotar o cumprimento da pena a partir da condenação em segunda instância, o STF fere a Constituição Federal e o Pacto de San Jose de Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. “Eles falam em presunção de inocência e de não culpabilidade, que em termos práticos é a mesma coisa. O Brasil está violando os dois”, afirmou o especialista, que defende a possibilidade de prisões preventivas a partir da análise de cada caso concreto.
''Na verdade, nós não vamos acabar com a impunidade suprimindo direitos e garantias fundamentais. Não vamos manter alguém preso por conta de uma ideia ilusória de impunidade''
Edson Knippel, advogado e professor de processo penal na Universidade Mackenzie
Embora reconheça uma certa lentidão do Judiciário brasileiro para julgar ações criminais – o que não acontece em vários países onde a prisão se dá antes do término da ação –, Edson Knippel argumenta que essa não pode ser uma justificativa para que um condenado comece a cumprir a pena quando ainda cabe recurso contra sua condenação. “Na verdade, nós não vamos acabar com a impunidade suprimindo direitos e garantias fundamentais. Não vamos manter alguém preso por conta de uma ideia ilusória de impunidade”, completou.
História
No Brasil, a discussão sobre o cumprimento provisório de pena não é nova. E remete à década de 1940, período em que o Código de Processo Penal determinava a prisão logo após a apresentação de denúncia para os crimes com pena máxima superior a 10 anos. Décadas depois, em 1973, a chamada Lei Fleury estabeleceu que as prisões só poderiam ocorrer após a condenação por um tribunal, ou seja, a segunda instância da Justiça. A legislação foi aprovada para beneficiar o delegado Sérgio Fleury, acusado de comandar o Dops, órgão responsável pela tortura e repressão política durante o período da ditadura.A Constituição de 1988 trouxe a “presunção de inocência”, instituto jurídico em que ninguém poderá ser considerado culpado até que não caibam mais recursos contra a sua condenação. No entanto, pelo país, tribunais continuaram seguindo a regra da Lei Fleury. Em 2009, ao julgar um habeas corpus, o Supremo Tribunal Federal determinou que ninguém poderá ser preso antes de esgotados os recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao próprio STF. Sete anos depois o assunto voltou à pauta dos ministros, que deliberaram pela possibilidade de prisão após decisão de segunda instância.