Há apenas dez meses na Presidência, Jair Bolsonaro vive o risco de um esgarçamento na relação com seu primeiro e mais fiel eleitorado dentro das Forças Armadas, motivado pela reforma previdenciária. Obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo no Arquivo Nacional, um boletim datilografado em máquina de escrever revela essa antiga relação. Era 1989 e o então vereador pelo Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro, à época no Partido Democrata Cristão (PDC), informava aos "prezados companheiros" da caserna que o capitão da reserva cobrara dos presidenciáveis a inclusão no programa de governo de uma série de benefícios às carreiras de base das Forças Armadas.
Entre os pedidos de Bolsonaro para os candidatos ao Planalto estavam uma lei de promoção para praças, a reformulação dos critérios de engajamento e reengajamento deles, a criação de quadros complementares de oficiais e sargentos, o efetivo cumprimento da promoção automática de cabos e soldados com pelo menos 15 anos de serviço e a atualização dos benefícios' das pensionistas.
Agora, 30 anos depois, os interesses já não se encontram tão alinhados. A Comissão Especial na Câmara criada para tratar do sistema de proteção social das Forças Armadas, da Polícia Militar e dos Bombeiros tornou-se arena de embates entre a antiga base eleitoral do presidente e as lideranças do governo no Parlamento. A última votação na Comissão está prevista para a próxima terça-feira, dia 29.
Presidente da Associação de Praças das Forças Armadas (Aprafa-Brasil), Jair da Silva Santos brinca que quer mudar o nome para deixar de ser xará do presidente. "Quem o (Bolsonaro) levantou foram os praças. Esse pessoal está todo revoltado e vai manifestar apoio a outros candidatos já no ano que vem", reclamou.
Embate
Na quarta-feira passada, as associações de praças e oficiais lotaram um auditório na Câmara para acompanhar as discussões. Os praças chegaram a rezar um Pai Nosso em voz alta na comissão para pedir mudanças. Um grupo formado por mulheres de militares e reservistas se desentendeu com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), da ala bolsonarista e uma das parlamentares mais alinhadas ao governo.
Apesar de não ter vínculo direto com as Forças Armadas, Zambelli conseguiu a autorização do Comando do Exército para matricular o filho, sem concurso, no Colégio Militar de Brasília. Ela alegou sofrer ameaças nas redes sociais. As mulheres reservistas questionaram a exceção obtida.
Assídua no lobby pelos praças e pensionistas, a suboficial da Marinha Rosemira Marques Lopes disse que foi desrespeitada pela deputada Zambelli, depois de pedir apoio em defesa das categorias de base. "Ela nos mandou para um lugar que me recuso a falar, não vou repetir palavrão", disse.
Destituído da liderança do partido por iniciativa de Bolsonaro, o deputado Delegado Waldir (PSL-GO) denunciou o abandono por parte do presidente de sua base histórica. "Penso que o presidente está sendo covarde com a principal base dele.
A atuação do governo abriu uma brecha para que a esquerda se aproxime da base das Forças Armadas. Os deputados Marcelo Freixo e Glauber Braga, ambos do PSOL fluminense, valeram-se de um caminho muito trilhado pelo reduto bolsonarista: a rede digital.
Em lives, os dois passaram a defender os praças e a mobilizar as baixas patentes, apresentando propostas de mudanças no projeto da reforma para favorecê-los, como estender os "adicionais de habilitação (por cursos de qualificação) e de representação" a todos os militares de carreira. Os dois adicionais podem representar, respectivamente, aumentos de até 65% e 10% do valor do soldo.
"É desigual o que o governo Bolsonaro está propondo. Reajuste altíssimo para oficiais, generais e coronéis, e muito baixo aos praças, sendo que, na hora de se aposentar, todos pagam a mesma alíquota (10,5%)", protestou Marcelo Freixo. "Deputados da base bolsonarista, na campanha eleitoral, vocês vão pedir voto exclusivamente para generais ou para o conjunto das Forças Armadas?", provocou Glauber Braga, ao lado de praças. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo..