O governo federal apresentou ontem ao Congresso Nacional propostas para ajustar contas públicas da União, estados e municípios, com o apelo de assim promover a retomada do crescimento do país. Chamado Plano Mais Brasil, o pacote inclui três propostas de emenda à Constituição (PEC) e foi levado ao Senado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A ideia central é descentralizar recursos para estados e municípios, seguindo a proposta de um novo pacto federativo no país.
A equipe econômica estima que, com as medidas, cerca de R$ 400 bilhões em recursos arrecadados com royalties do petróleo serão destinados a estados e prefeituras nos próximos 15 anos. Outra mudança é a de incorporação a municípios vizinhos de cidades com menos de 5 mil habitantes que têm arrecadação própria menor que 10% da receita total, ou seja, nesse conceito não conseguem promover a sua sustentação. Segundo o Ministério da Economia, a regra levaria à extinção 1,2 mil cidades no país e 231 municípios em Minas Gerais.
As três propostas foram chamadas pela equipe econômica de PEC do Pacto Federativo, PEC Emergencial e PEC dos Fundos Públicos, cada uma com várias medidas para a descentralização de recursos e, com novas regras, para a gestão dos recursos públicos. A peça principal, segundo Guedes, é a que prevê medidas para alterar o conjunto de normas que distribuem e determinam como são gastos os recursos arrecadados pela União, estados e municípios.
O plano do Palácio do Planalto é alterar o processo de divisão dos recursos arrecadados com os royalties do petróleo, aumentando a participação das prefeituras e dos governos estaduais. De acordo com o governo federal, a medida encerraria a disputa judicial sobre a Lei Kandir, na qual estados cobram compensações da União por perdas com isenções para exportações nas últimas décadas. A previsão inicial era aumentar em R$ 500 bilhões os repasses aos prefeitos e governadores nos próximos 15 anos, mas com a desidratação da reforma da Previdência pelo Senado Federal, o montante foi reduzido para R$ 400 bilhões.
O ministro Paulo Guedes fez a apresentação das propostas e avaliou que, para conseguir focar na parcela da população mais frágil da sociedade dentro do orçamento publico, é preciso reduzir privilégios e despesas. “Se der para o gato pobre sem tirar do gato gordo, você leva o país à hiperinflação”, disse Guedes. Ele afirmou que a eleição de Bolsonaro foi uma demonstração clara da população brasileira de que existe demanda por mudanças e a mesma esperança se transfere aos parlamentares. “O presidente foi eleito para mudar, e o Congresso também”, avaliou.
Gasto social Um dos pontos mais polêmicos do plano apresentado ontem trata dos recursos para as áreas da saúde e da educação. O governo quer permitir que se administrem conjuntamente os gastos mínimos em educação e saúde, autorizando a compensação de gasto de uma área na outra. Hoje, União, estados e municípios têm de investir um percentual mínimo em cada setor – na União, os pisos de saúde e educação são corrigidos pela inflação do ano anterior; os estados devem destinar 12% da receita para a saúde e 25% para a educação; já os municípios devem gastar, respectivamente, 15% e 25%.
A intenção do Planalto é que os governantes poderão ter a liberdade de escolher o percentual destinado para cada área, desde que o total seja atingido. Após a divulgação dos projetos, o governo informou que o pagamento de servidores inativos não poderá ser contabilizado nos gastos com saúde e educação.
Situação de emergência Uma das PECs apresentadas pelo Planalto prevê a criação do Estado de Emergência Fiscal, que permite a desindexação das despesas obrigatórias e cria formas de reduzir os gastos públicos de estados e municípios. Os mecanismos são acionados automaticamente caso a despesa corrente nos estados ultrapasse 95% da receita corrente. Passam a ficar proibidas promoções de funcionários (com algumas exceções), reajustes e novos concursos públicos. A situação de emergência permite também a redução de 25% da jornada dos servidores, com o corte dos salários.
“Não pode dar aumento de salário e ter progressão de carreira quem está quebrado. A máquina não pode gastar mais consigo que com a população. Queremos um Estado que nos sirva”, justificou Guedes. Segundo ele, o regime emergencial poderá vigorar no máximo por até dois anos. “Nenhuma crise fiscal dura mais que um ano ou dois”, afirmou.
Outra mudança de grande impacto trata da incorporação de cidades com menos de 5 mil habitantes com arrecadação própria menor de 10% da receita total. Segundo as estimativas do Ministério da Economia, hoje existem 1.254 municípios nesta situação e que deixarão de existir caso a regra entre em vigor. O prazo previsto para a adequação dos pequenos municípios às novas exigência será a partir de 2026. O ministro Paulo Guedes afirmou que esse foi um tema levado ao governo por lideranças políticas ao presidente Bolsonaro.
Perguntado se o tema pode gerar confusão, já que no ano que vem haverá eleições municipais, Guedes disse que essa é uma discussão política e que não caberá ao ministério decidir, mas ao Congresso. Segundo o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, a intenção da proposta é reduzir gastos considerados desnecessários. “Muitos municípios foram criados gerando novas despesas e não atendendo ao cidadão na ponta. É o que queremos corrigir”, disse Rodrigues.
Partilha questionada Minas Gerais seria o estado mais afetado, junto com o Rio Grande do Sul, com a possível extinção de 231 cidades em cada estado. O presidente da Associação Mineira dos Municípios (AMM) e prefeito de Moema, Julvan Lacerda, avaliou que o impacto da medida seria grande em Minas e lembrou que grande parte das cidades mineiras dependem do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), repasse constitucional da União que não pode ser considerado uma arrecadação própria da cidade.
Os prefeitos reagiram à proposta do governo de extinguir os municípios que não conseguirem se manter. Acusando “equívoco” do governo ao sustentar que os repasses federais aos municípios são parte da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e não são receitas próprias, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, ex-prefeito de Saldanha Marinho (RS), diz que ocorre o inverso, ou seja, as cidades produzem e alimentam os cofres da União.
“A competência de arrecadar é da União, mas a Constituição define a parcela dos recursos como do município. Eles produzem, e quem arrecada são os estados e a União”, criticou. A fusão dos municípios com menos de 5 mil habitantes que não tiverem sustentabilidade financeira não deverá ser aprovada, na opinião do presidente da Associação Brasileira de Municípios, Ary Vannazzi, prefeito de São Leopoldo (RS). "Principalmente num ano eleitoral", afirmou.
Análise da notícia
Mexida em vespeiro político
Fundir municípios com menos de 5 mil habitantes que tenham arrecadação própria menor que 10% da receita total não será uma tarefa fácil. Paulo Guedes e sua equipe devem ter avaliado apenas a questão econômica ao lançar essa proposta e não se deram conta de que muitos outros aspectos estão em jogo, como o geográfico, o político e a vontade popular. Não é possível passar por cima de tudo isso em nome de uma suposta economia de gastos. Muitos distritos se emanciparam e viraram municípios depois de disputas com a antiga sede. De repente, eles voltam a ser distritos, sem autonomia e sem recursos. Não é que seja uma proposta totalmente inviável, mas tem de ser estudada caso a caso. Não pode ser uma imposição com base apenas em população e receita. Em tempo: deputados e senadores sabem muito bem o desgaste que é mexer neste vespeiro e, com certeza, vão examinar essa proposta com muito cuidado. (Renato Scapolatempore)