Projeções otimistas de especialistas em infraestrutura apontam que a duplicação da BR-381, entre Belo Horizonte e Belo Oriente, no Vale do Aço, levará pelo menos mais 20 anos para ser concluída. No entanto, num ritmo bem mais acelerado do que das máquinas e trabalhadores que operam às margens da rodovia, a polêmica em torno da destinação dos recursos da outorga paga pela futura concessionária começa a ser amplificada em Brasília.
A pauta tem relação direta com o novo modelo de concessões que será inaugurado exatamente na 381. Trata-se da primeira concessão de rodovia federal em que o martelo será batido em favor da empresa que devolver ao governo federal o maior valor em outorga, uma espécie de “aluguel” pago pelo direito de exploração da estrada.
Em outras rodovias federais geridas por empresas privadas, a licitação foi decidida para a companhia que oferecesse o menor valor de pedágio aos motoristas, mas esse formato tem uma brecha em favor da concessionária. “Para ganhar a licitação, a empresa oferece a ilusão de que vai cobrar um pedágio barato. Mas, logo que inicia sua operação, dá conta de que aquele valor não é suficiente para cobrir os custos, e aí começa uma renegociação com o governo federal”, explica Will Bueno, mestre em administração pública e consultor de políticas públicas para Infraestrutura.
A definição do novo modelo - maior outorga - parece um caminho sem volta, uma vez que o critério permite selecionar empresas mais bem capitalizadas para realizar os investimentos e mais capacitadas para operar a rodovia. Por outro lado, o destino da outorga ainda é uma pauta que deve movimentar o Congresso.
De acordo com o projeto de concessão apresentado em audiência pública, o valor arrecadado com a outorga será depositado na conta geral do Tesouro Nacional, sem qualquer compromisso de retorno para a obra. Interlocutores do Congresso declaram que parlamentares, em especial os da bancada mineira, não estão nada satisfeitos com a situação, e muitos já defendem que a arrecadação vá obrigatoriamente para a obra ou para a região.
Essa última possibilidade é a posição defendida pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). “O ideal seria, de fato, que o governo federal investisse recursos próprios para os trechos mais urgentes e necessários, que já foram identificados, antes mesmo de se fazer a concessão. O momento econômico do país, no entanto, não permite isso. Então, temos de buscar uma solução de forma que a outorga possa se reverter em investimentos na própria BR-381”, avalia o senador.
“Obras que são urgentes e necessárias poderiam ser adiantadas. Os recursos se reverteriam, portanto, em benefícios para os próprios cidadãos, que poderiam contar com uma rodovia mais segurança e confiável em menos tempo”, sustenta Anastasia.
O problema, segundo o parlamentar, é que a destinação da receita ainda esbarra na inexistência de uma legislação que normatize a forma como esse recurso voltará para a própria rodovia. A ideia de momento é copiar à risca o modelo adotado nas privatizações de aeroportos brasileiros.
Ao mesmo tempo, as bancadas mineiras na Câmara e no Senado admitem que essa decisão precisa ser tomada rapidamente. “Não podemos adiar mais a solução desse problema, não podemos perder a oportunidade no momento em que, repito, pela primeira vez, o governo federal oferece um início de solução. Por isso, o diálogo é tão importante: para que possamos chegar a um bom termo que atenda às necessidades da rodovia sem penalizar tanto os usuários com pedágios injustos que não se convertam, em curto prazo, em benefícios reais”, alerta o tucano.
Proposta alternativa
Em contato com a assessoria de comunicação do Ministério de Infraestrutura (MInfra), a reportagem foi informada que a proposta defendida pelo órgão é de uma terceira via que levará em conta dois fatores de julgamento. “O deságio limitado com o valor de outorga, sendo a outorga revertida integralmente para o Tesouro Nacional”, explica a pasta, em resposta enviada por e-mail. “Esse modelo visa proteger o projeto e garantir a sua execução. Já vimos no passado que uma tarifa baixa sem o serviço adequado também não atende às necessidades dos usuários e de desenvolvimento. Ainda assim, com o deságio limitado, o modelo atual permite um desconto, em relação ao valor de referência apontado pelos estudos, para o usuário”, informou a assessoria.
O modelo atual de concessões determina um retorno de 6% da receita com pedágios para a manutenção da rodovia, percentual considerado insuficiente para a finalidade da destinação. Há uma convicção entre os parlamentares mineiros de que o novo modelo elevará esse percentual, mas nem mesmo o Ministério de Infraestrutura confirma qual seria o percentual.
“Cada rodovia e seus diferentes segmentos comportam diferentes tipos de investimentos e custos de manutenção necessários ao seu bom funcionamento. O governo entende que a transferência das rodovias economicamente viáveis, por meio de concessão das rodovias, é atualmente a melhor solução para a prestação dos serviços de maneira adequada.”
Em contato com a Assessoria de Comunicação, a Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura (SDI), braço do Ministério da Economia, confirma a importância de se aplicarem os recursos da outorga na própria obra. Entretanto, não apresenta uma solução. “Para a evolução do modelo no longo prazo, entendemos a importância de que valores arrecadados a título de outorga não tenham caráter fiscal, devendo permanecer, o tanto quanto possível, no setor de infraestrutura. Ao mesmo tempo, sabemos das vinculações orçamentárias e das dificuldades que causam no planejamento da despesa pública. Assim, a SDI está buscando um modelo que concilie essas duas orientações a ser proposto visando ao investimento de longo prazo na infraestrutura do país”, diz o Ministério da Economia, em nota.
Especialistas do setor alegam que, nos bastidores, as visões são justamente opostas ao que é manifestado oficialmente. Uma fonte ligada ao Ministério da Economia defende que não haja amarras para utilização da outorga, permitindo-se assim mais flexibilidade na utilização dos recursos. Pessoas ligadas a órgão setoriais como MInfra e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) defendem que os recursos da outorga sejam reservados para utilização no próprio setor.
“Ainda que existam justificativas contábeis contrárias à criação de amarras para a utilização dos recursos da outorga, tais argumentos não convencem a população – quem, de fato, pagará o pedágio. Além disso, não vejo necessidade de medida legal para reservar tais recursos, visto que basta bom senso dos gestores públicos na solução desta questão. Uma solução simples é fazer com que o próprio edital já preveja uma lista de obras complementares e urgentes, as quais serão atribuídas à concessionária vencedora, a depender do valor arrecadado com a outorga”, complementa Bueno.
Trecho sem concessão
O diretor da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Vale do Aço (Armva), João Luiz Teixeira Andrade, o primeiro a levantar dúvidas sobre a destinação da outorga, aposta na mobilização dos congressistas mineiros para fazer com que parte da receita com pedágio seja remanejado para obras no trecho sem concessão da outorga da BR-381, no Vale do Aço. O caso mais emblemático é o de Ipatinga.
“A cidade é inteiramente cortada pela BR-381, e depende extremamente do uso corriqueiro dessa BR. Já sabemos, tecnicamente, que existe uma saturação do trânsito na cidade e existe uma demanda da melhoria da rodovia”, relata João.
O fato de ser uma metrópole regional é motivo para o diretor defender a destinação de recursos advindos da exploração da 381. “Estamos falando de uma cidade de 260 mil habitantes que polariza uma região metropolitana de cerca de 770 mil habitantes”, sustenta. “Pelos estudos técnicos que fizemos, nos próximos 30 anos todos os pontos analisados em Ipatinga, nos radares, estariam extremamente saturados por causa da quantidade de veículos que transitam por aqui. Então, teríamos uma concessão que, lá no final dela, estaríamos arrependidos”, avalia.
(Jefferson Oliveira, especial para o EM)