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Estado de Minas PACOTE DE REFORMAS

Extinção de municípios por falta de recursos deixa moradores indignados

Proposta do governo federal de fundir municípios pequenos com baixa receita própria é criticada por moradores, que temem perder recursos e qualidade dos serviços públicos


postado em 16/11/2019 07:00 / atualizado em 16/11/2019 08:13

"Se a proposta do governo federal enviada ao Congresso Nacional na semana passada for aprovada, Glaucilândia, município com 3.160 habitantes, no Norte de Minas, poderá virar distrito de Montes Claros" (foto: Luiz Ribeiro/EM/D. A Press)
A proposta de emenda à Constituição (PEC) do governo federal que pretende extinguir municípios com até 5 mil habitantes, cuja arrecadação própria seja inferior a 10% da receita total, foi recebida com críticas e indignação pelos moradores de localidades atingidas pela medida. É o caso de Glaucilândia, de 3.160 habitantes, no Norte de Minas, e Pedra do Indaiá, com 4.034 habitantes, no Centro-Oeste. Se for aprovada a proposta, a partir de 2026 as duas seriam incorporadas a municípios vizinhos com população maior.

“Aqui as opiniões são quase unanimidade, praticamente todo mundo é contra a proposta de o município voltar a ser distrito”, afirma Aurindo Laurindo de Oliveira, de 73 anos, antigo morador e dono do Pitombeiras Bar, um dos pontos de encontro dos habitantes da comunidade. Conforme dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE), dos 223 municípios mineiros com até 5 mil moradores, 211 têm receita própria que não alcança 10% da receita total e correm o risco de ser fundidos com outros. Em todo o Brasil, são 1.253 municípios com até 5 mil habitantes.

De acordo com o TCE, a receita própria de Glaucilândia corresponde a apenas 1,17% de sua receita total, o que coloca o município como um dos últimos no ranking do tribunal, ficando acima apenas de três cidades: Frei Lagonegro (1,14%) Grupiara (1,07%) e Serranópolis de Minas (0,76% de receita própria). Mas, para os moradores, a relação receita própria/receita total não entra em discussão, até porque se trata de uma questão financeira, que nem todos dominam. Para eles, o que importa, em primeiro lugar, são os recursos recebidos pelos antigos distritos com a emancipação que podem ser perdidos caso voltem a ser incorporados a outros municípios.

(foto: Luiz Ribeiro/EM/D. A Press)
(foto: Luiz Ribeiro/EM/D. A Press)

“Se esse projeto for aprovado, a cidade
 vai perder recursos. Vai faltar 
dinheiro para a saúde e para a educação”

Aurindo Laurindo, comerciante
 

“Se esse projeto for aprovado, a cidade vai perder recursos que vêm do governo federal. Vai faltar dinheiro para a saúde e para a educação”, diz, Aurindo Laurindo, que destaca o “progresso” conquistado por Glaucilândia com a emancipação, ocorrida em dezembro de 1996. “Antigamente, isso aqui era uma estrada boiadeira. Agora é um lugar de comércio”, diz, fazendo referência à rua em frente ao seu bar. Ele acha, no entanto, que “a ideia não vai seguir adiante por causa da pressão (contrária) que os deputados vão receber de prefeitos das cidades pequenas.”

Outro antigo morador de Glaucilândia, João Edson Freitas, de 61 anos, afirma que a cidade terá muitas perdas se voltar a ser distrito. “Depois da emancipação, melhorou tudo aqui. Passou a circular mais dinheiro no lugar”, diz Freitas, que é também proprietário de um pequeno bar no município.

Glaucilândia vive uma situação curiosa em relação à proposta de fusão dos municípios. Ela foi emancipada de Juramento. Mas, de acordo com o teor da PEC, Juramento também teria que ser incorporada a outra cidade porque tem menos de 5 mil habitantes (possui 4.358) e sua receita própria é abaixo de 10% (3,25%) da receita total. 

Por isso, no pensamento dos moradores, se a proposta encaminhada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, for aprovada no Congresso, Glaucilândia será anexada a Montes Claros, cidade polo da região, de 404 mil habitantes, a 25 quilômetros de distância. No entanto, os moradores refutam a ideia de o lugar vir a ser um distrito ou – como eles mesmo dizem – virar um “bairro de Montes Claros”.


(foto: Luiz Ribeiro/EM/D. A Press)
(foto: Luiz Ribeiro/EM/D. A Press)

“Acho que isso é um retrocesso. O fato de 
a cidade não ter receita não significa que 
não tem estrutura para sobreviver”

Geraldo Martins de  freita,  prefeito de Glaucilândia

SEM SAÚDE

 “Se esta proposta vingar, vai ser um atraso para nossa cidade”, acredita John Washington Alves Santos, morador e dono de uma pequena farmácia no antigo distrito de Juramento. “Glaucilândia já está bem estruturada na área de saúde, contando com Unidade Básica de Saúde (UBS). Se (a comunidade) passar a pertencer a Montes Claros, vai piorar a saúde, pois os hospitais de lá não dão conta de atender o povo”, avalia. “Além do mais, aqui todo mundo conhece e fala com o prefeito a qualquer hora. Isso não acontece numa cidade maior como Montes Claros”, acrescenta. A mesma opinião tem o trabalhador rural José Vieira Alves, morador de Laranjão, povoado do município. “Se Glaucilândia passar a pertencer a Montes Claros vai ser muito ruim pra gente. Uma comunidade da zona rural como a nossa vai ficar jogada às traças”, reclama o lavrador.

“Ao invés de extinguir, o governo deveria fomentar o desenvolvimento industrial de municípios como nosso”, afirma o prefeito de Glaucilândia, Geraldo Martins de Freitas (MDB). “É um retrocesso. O fato de a cidade não ter receita não significa que não tem estrutura para sobreviver”, critica. Freitas afirma que está trabalhando para atrair empreendimentos para Glaucilândia, aproveitando a proximidade com Montes Claros, o acesso asfaltado e outros fatores como fibra ótica para o acesso à internet. Ele disse que recentemente foi montado no antigo distrito um frigorífico de suínos, com 50 empregos e que negocia a instalação de uma fábrica de colchões. “Mas estamos indo atrás de outras empresas”, anuncia. A prefeitura é única grande empregadora da cidade, com 280 funcionários, 110 deles do setor da educação. A gestão municipal sobrevive quase que exclusivamente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), responsável por 80% de suas receitas.

REALIDADE 

A proposta do governo atinge em cheio regiões carentes como o Norte de Minas. Doze pequenas cidades entram na lista dos municípios que podem voltar a ser distritos, se a PEC for aprovada. “Quem defende uma proposta dessa não conhece a realidade do Brasil e muito menos do Nordeste e do Norte do país, onde as pessoas estão distantes do poder de decisão”, afirma Ronaldo Mota Dias, secretário-executivo da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams).

Segundo ele, a proposta defendida pelo ministro Paulo Guedes, se aprovada, “terá efeitos devastadores nos pequenos municípios, os chamados rincões”. Ele ressalta que, por causa da “independência”, os núcleos urbanos receberam postos de saúde, escolas, asfalto e outros benefícios que não teriam se continuassem como distritos. “Além disso, as emancipações ajudaram a gerar empregos e a fixar o homem no campo, evitando o êxodo rural”.


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