O procurador-geral da República, Augusto Aras, recebeu relatório final da CPI do BNDES, de 395 páginas, que pede o indiciamento dos ex-ministros Guido Mantega (Fazenda) e Antônio Palocci (Fazenda/Casa Civil) - Governos Lula e Dilma -, por corrupção passiva e formação de quadrilha em contratos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O documento foi entregue por deputados que aprovaram o texto final em outubro.
Além dos ex-ministros dos governos petistas, o relatório pede a Aras indiciamento de outros 50 citados, incluindo os empresários Marcelo e Emílio Odebrecht, os ex-ministros Celso Amorim e Paulo Bernardo, os donos da JBS Wesley e Joesley Batista, e membros da diretoria do BNDES.
Em nota divulgada no site da PGR, Aras afirmou que irá analisar o material para encaminhá-lo aos setores específicos do Ministério Público Federal para que sejam tomadas "as medidas cabíveis".
A CPI apurou supostas falhas no financiamento de obras por parte do BNDES em países como Cuba, Venezuela e Moçambique durante os governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016).
Os empréstimos, segundo o relatório, eram destinados à política de "campeãs nacionais", voltada para a internacionalização de empresas brasileiras. O banco público sempre negou irregularidades.
Apesar das investigações serem referentes a empréstimos do período de governo Lula e Dilma, os nomes dos ex-presidentes ficaram de fora do documento. Acordo costurado pelo PT com partidos do Centrão e o deputado Altineu Côrtes (PL-SP), relator da CPI, retirou pedido de indiciamento contra os petistas.
JBS
Além do indiciamento de Joesley e Wesley Batista, o relatório também pede a rescisão dos acordos de delação premiada firmada pelos empresários. Segundo o documento, "há robustos elementos de prova" que indicam que os dois irmãos e Ricardo Saud "omitiram diversas informações e faltaram com a verdade" nos depoimentos prestados à PGR.
A delação dos irmãos Batista foi firmado em 7 de abril de 2017 e suas declarações quase levaram à queda do então presidente Michel Temer (MDB). A colaboração, no entanto, é questionada no Supremo após questionamentos de que Joesley e Wesley omitiram detalhes de esquemas de corrupção.
No início do mês, Aras pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que anulasse as delações por considerar os empresários "desleais" e afirmar que agiram com má-fé ao omitir fatos do Ministério Público Federal e contar com a ajuda do ex-procurador Marcelo Miller, acusado de fazer "jogo duplo", ao auxiliar o grupo J&F enquanto ainda mantinha vínculos com a Procuradoria.
Núcleos
O relatório divide a atuação dos 50 indiciados em cinco núcleos distintos: político, externo, estratégico, econômico e operacional.
O primeiro grupo, Político, seria formado por pessoas responsáveis por articular a viabilização de grandes obras de engenharia no exterior, persuadir outros membros do BNDES para atender interesses empresariais e repassar instruções e orientações ao núcleo operacional. Estão neste grupo os ex-ministros Mantega e Palocci.
O núcleo Estratégico teria tido apoio de dirigentes e membros de órgãos decisórios do BNDES, da Câmara de Comércio Exterior, do Comitê de Financiamento e Garantias de Exportações, da Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação, da Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e do Ministério da Fazenda, hoje Ministério da Economia. O grupo era responsável por viabilizar os empréstimos adequando normativas às necessidades da organização criminosa.
O núcleo Econômico seria voltado por grandes empresas brasileiras "amigas" do governo, como o grupo Odebrecht e a JBS. Eram responsáveis pelo pagamento de propina ou realização de fraudes para garantir contratos de grandes obras e serviços de engenharia no exterior.
O grupo Operacional seriam agentes públicos que atuaram de forma direta ou indireta para garantir o andamento do esquema de corrupção, ajustando entraves técnicos que pudessem dificultar a liberação de crédito às empresas.
Defesas
Em nota, o criminalista Fábio Tofic Simantob, defensor de Guido Mantega, afirmou que "o relatório está errado". "Guido não cometeu corrupção. E vem provando isto na justiça", afirmou.
A Odebrecht afirmou, em nota, que "tem colaborado de forma permanente e eficaz com as autoridades, em busca do pleno esclarecimento de fatos narrados por ex-executivos da empresa. São fatos do passado. Hoje, a Odebrecht usa as mais recomendadas normas de conformidade em seus processos internos e segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente."
Em nota, a J&F afirmou: "Todos os pontos levantados pela CPI do BNDES foram contemplados pelos executivos da J&F nas dezenas de anexos, depoimentos e termos de declaração entregues às autoridades no âmbito do acordo de colaboração firmado com o Ministério Público em 2017, e também nos mais de 100 depoimentos já prestados em investigações abertas em decorrência da colaboração."
A reportagem entrou em contato com a defesa do ex-ministro Antônio Palocci e aguarda resposta.