Brasília – O deputado Marcelo Ramos (PL-AM), recém-eleito presidente da comissão especial da Câmara que vai analisar a PEC da Prisão em Segunda Instância, deu declarações, em entrevista ao Estado de Minas, que refletem bem o nível de acirramento dos ânimos no Congresso, na disputa por protagonismo nessa discussão. Ao falar da pressão do Senado pela aprovação de um projeto de lei sobre o mesmo tema, em tramitação naquela Casa, Ramos deixou transparecer sua irritação. “Agora nós vamos separar quem quer fazer uma gambiarra, um arranjo sem nenhuma preocupação com a efetividade da medida, de quem quer fazer uma reforma estruturante, que verdadeiramente combata a impunidade, que não tenha questionamentos quanto à sua constitucionalidade e que dê respostas efetivas ao povo brasileiro”, disparou o parlamentar, acusando o Senado de atuar com “pura demagogia”, já que, na sua opinião, o projeto de lei “não vai prender ninguém”.
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Maia prevê votação de PEC sobre prisão em segunda instância em março de 2020Alcolumbre insiste em segurar segunda instância e esperar CâmaraAlcolumbre anuncia sessões do Congresso e pode adiar votação da segunda instânciaComissão da PEC da prisão em 2ª instância 'já nasce dividida', diz relatorNa entrevista, Ramos também adiantou que o debate central na comissão especial da Câmara terá como foco definir se os efeitos da PEC, caso ela seja promulgada, vão atingir os processos judiciais em curso ou apenas os que forem abertos após as mudanças legislativas entrarem em vigor. “Se ela (PEC) tem natureza processual, você pega quem está no meio do caminho. Se ela tem natureza de direito material, ela só atinge os processos iniciados a partir da promulgação dela. Esse certamente será o debate central durante as discussões”, afirmou o presidente da comissão. Ou seja, não está certo se voltarão a cumprir pena os milhares de condenados que ganharam a liberdade após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou que a prisão só deve ocorrer quando esgotados todos os recursos dos réus. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Quando deve ocorrer a votação da PEC 199/2019 na comissão especial?
Eu não gosto de começar um trabalho estabelecendo data porque você acaba ficando refém da data estabelecida. O que eu posso dizer é tranquilizar o povo brasileiro de que nós vamos promover um debate que seja democrático, transparente e que seja rápido o suficiente para entregar uma resposta tempestiva ao povo brasileiro. Agora, nós não vamos permitir que um debate tão sensível seja feito de forma açodada sem ouvir os vários atores que serão impactados pelas mudanças propostas na PEC 199. Nós vamos dar uma demonstração da disposição de trabalhar, na terça-feira já reuniremos os coordenadores, na quarta-feira faremos uma reunião para escolher os vice-presidentes, estabelecer um plano de trabalho. Vamos definir o que é possível fazer no período de recesso; não é possível fazer nada formal, mas nós podemos fazer consultas, ouvir o Supremo Tribunal Federal (STF), ouvir o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ouvir os tribunais estaduais, os tribunais regionais federais (TRFs) para que a gente chegue mais maduro na retomada dos trabalhos no início do ano que vem.
Caso a PEC seja aprovada e promulgada, ela vai atingir os processos judiciais em curso ou só os que forem abertos após a entrada em vigor das novas regras?
Uma grande chance de uma lei dar errada é você começar a fulanizar os efeitos dela, então eu não vou fulanizar os efeitos da decisão; eu não estou legislando para prender ninguém nem para soltar ninguém. Eu estou legislando para dar maior celeridade e combater o problema da morosidade do sistema judiciário do nosso país. Agora, certamente, essa PEC vai gerar um debate que será objeto dos nossos debates sobre a natureza dela. Se ela tem natureza processual, você pega quem está no meio do caminho. Se ela tem natureza de direito material, ela só atinge os processos iniciados a partir da promulgação dela. Esse certamente será o debate central durante as discussões da PEC.
A PEC acaba com os recursos especiais e extraordinários que hoje são apresentados no Superior Tribunal de Justiça e no STF. Ela os transforma em ações revisionais, que passariam a tramitar nesses mesmos tribunais. Com uma eventual promulgação da PEC, será necessário alterar os regimentos internos dessas duas cortes?
Claro. Na verdade, não somente nos regimentos dos tribunais. Ao aprovar a PEC 199, vamos considerar que ela seja aprovada, nós vamos ter que fazer uma revisão do Código de Processo Penal e uma revisão dos regimentos internos do Supremo e do STJ, porque um recurso vai deixar de existir, e uma nova ação vai passar a existir. Agora, isso, até que se aprove essa legislação infraconstitucional, você tem como adaptar às atuais regras.
Por que acabar com os recursos especiais e extraordinários? Eles não têm poder de anular uma condenação? Não seria um prejuízo para os réus?
O recurso tem o poder de anular uma condenação. O problema não é o recurso extraordinário e o recurso especial. O problema é que, como o trânsito em julgado só se dá após o julgamento do último recurso, depois da segunda instância, você, às vezes, tem o recurso extraordinário inadmitido e um agravo de instrumento suspendendo a execução (da sentença). Isso é um absurdo, é um sistema recursal esquizofrênico; nós não podemos ter isso. Então, nós vamos manter a segurança jurídica contra abusos. Qual é a segurança contra abusos? A ação revisional, autônoma e com poder cautelar do relator de suspender a execução. Então nós estamos garantindo tranquilidade contra abusos.
Uma frente parlamentar acaba de ser criada para pressionar pela aprovação do PL 166/2018, que tramita no Senado. E a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), favorável ao PL, desafia a posição do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de priorizar a PEC da Câmara. Como o senhor vê esse embate?
Acho que, agora, nós não vamos separar quem quer um projeto aprovado rápido de quem quer um projeto aprovado lento. Agora nós vamos separar quem quer fazer uma gambiarra, um arranjo sem nenhuma preocupação com a efetividade da medida, de quem quer fazer uma reforma estruturante, que verdadeiramente combata a impunidade, que não tenha questionamentos quanto à sua constitucionalidade e que dê respostas efetivas ao povo brasileiro. Vejam só: eu não posso considerar impunidade só quando a prescrição chega antes da prisão. Também há impunidade quando um trabalhador morre antes de conseguir satisfazer o seu crédito trabalhista. Também há impunidade quando um empresário vai à falência antes de conseguir ver devolvido um tributo cobrado indevidamente. Então, a PEC 199 tem o objetivo de combater todo tipo de impunidade. A impunidade de natureza criminal, mas também a criminalidade de natureza cível, de natureza tributária, porque tudo isso incomoda o povo brasileiro. Então, agora vai ficar muito claro: o que está em debate nessa história?. Um lado que quer dar uma resposta rápida, mesmo sabendo que ela é inconsistente e inefetiva, por pura demagogia, e há um lado que está preocupado em oferecer uma solução estruturante ao povo brasileiro. Esse é o lado de quem embarcou na PEC 199 da Câmara dos Deputados.
Por que o senhor é contrário ao projeto de lei do Senado?
O PL é vulnerável do ponto de vista jurídico e inefetivo do ponto de vista dos objetivos que ele alcança. O PL estabelece que há a possibilidade de execução provisória da sentença, de prisão após condenação em segunda instância, mas diz que se houver plausibilidade do direito e se provar que o recurso não é protelatório aí não pode prender. Ora, todo recurso admitido no juízo de admissibilidade pelo tribunal de segundo grau ele é plausível e não protelatório. Portanto, todo recurso admitido vai impedir a prisão. A proposta do Senado não prende ninguém.
Parlamentares da oposição têm dito que a corrida do Congresso para aprovar a prisão após condenação em segunda instância é oportunista e visa atingir o ex-presidente Lula, que foi posto em liberdade após a decisão do STF. O que o senhor diz sobre isso?
Vou repetir: não discuto elaboração de lei feita para prender ou soltar alguém, isso só se dá em estado de exceção, e nós não vivemos em estado de exceção. Não estou discutindo prender ou soltar o Lula. Estou discutindo dar uma solução que ofereça maior celeridade, que combata a morosidade do sistema judiciário brasileiro. E uma boa demonstração disso é que a PEC 199 é a reedição da PEC Peluso, que foi apresentada em 2011. Em 2011, não tinha Lava-Jato; em 2011, não tinha ninguém preso. Portanto, essa é uma proposta descontaminada desse ambiente. Acho que nós vamos perder muito se restringirmos o debate da comissão a prende Lula ou solta Lula. O que nós estamos discutindo é muito maior do que isso. Estamos discutindo como oferecer ao povo brasileiro uma justiça mais célere, em que ele confie, porque justiça demorada é injustiça qualificada.
A movimentação no Congresso para aprovar a prisão em segunda instância começou logo depois da decisão do STF que garantiu a liberdade de milhares de réus. Em junho, a CCJ da Câmara aprovou um projeto que criminaliza a homofobia quando o STF já estava concluindo um julgamento sobre o tema. Até quando o Congresso ficará a reboque das decisões do Supremo?
Acho que a Câmara precisa ser mais ágil em responder às inovações de uma sociedade que muda o tempo inteiro. Por outro lado, nós temos que considerar o seguinte: que essa matéria específica da segunda instância ela é muito polêmica desde a Constituição de 1988. Tivemos, de 1998 até 2016, um entendimento de que não podia prender. Em 2016, mudou o entendimento do Supremo, por um voto, seis a cinco, que podia prender. Agora, em 2019, mudou de novo o entendimento, por um voto, de que não podia prender. Se nada for feito, quando mudar o quórum do Supremo vai mudar de novo o entendimento para que possa prender. O que demonstra que há aí um vazio de entendimento. Se o Supremo tivesse uma posição mais consolidada, eu até diria 'não, o Supremo deu tranquilidade'. O problema é que o Supremo não tem uma posição consolidada há muito tempo. Isso significa que há alguma lacuna legislativa e, portanto, a necessidade de a Câmara suprir essa lacuna.