Quarto colocado da América do Sul e 79º no ranking de 189 países, o Brasil teve um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,761 em 2018. Em relação a 2017, o país, considerado uma nação de alto desenvolvimento humano, teve um crescimento discreto de 0,001 ponto no IDH, o menor desde 2015. Mesmo com o aumento, o Brasil decresceu uma posição no ranking, passando do 78º para o 79º lugar, uma vez que outros países avançaram mais rápido. No entanto, o que preocupa especialistas é a desigualdade existente no país. Os dados, que serão divulgados hoje pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), mostram que o Brasil é a nação que mais perde posições no ranking mundial quando as desigualdades são levadas em conta.
Se considerasse as desigualdades entre a população, o IDH brasileiro cairia de 0,761 para 0,574, uma perda de 24,5% que faria o país perder 23 posições no ranking mundial. Desde 2010, o Relatório de Desenvolvimento Humano calcula o IDH ajustado à desigualdade, que é analisada nas três dimensões do IDH: saúde (medida pela expectativa de vida), educação (medida pela média de anos de estudo e anos esperados de escolaridade) e padrão de vida (medida pela renda per capita). À medida que a desigualdade aumenta, a perda no desenvolvimento humano cresce. Como mostrou o Estado de Minas na reportagem “Brasil é vice-campeão em desigualdade no mundo”, publicada na edição de domingo, a concentração de renda aumentou, contribuindo para o aumento da desigualdade social.
O diretor do Relatório de Desenvolvimento Humano, Pedro Conceição, afirma que essa não é uma característica só do Brasil, mas da região. A perda média devido à desigualdade na América Latina e no Caribe é de 22,3%. “Não é uma surpresa. Sabemos que o nível de desigualdade, principalmente na distribuição da renda no Brasil, é inflado, mas, se olharmos para os últimos 15 anos, tem havido uma tendência de redução. O nível ainda é muito elevado, mas há essa tendência positiva”, disse ao EM.
A queda no ranking em si não é vista com preocupação pelos analistas do Pnud. “A posição do ranking depende não apenas daquilo que acontece no Brasil, mas também de outros países. Por isso, não atribuímos grande significado a elas”, explica Pedro Conceição. O diretor define o IDH do Brasil como “positivo, sólido e sustentável”. “O crescimento do índice no Brasil tem sido sustentado ao longo dos últimos anos e se manteve este ano, embora não tenha sido tão enfático como nos anos anteriores.
De acordo com Conceição, a situação da economia no país pode estar afetando o ritmo de evolução do IDH. Verificamos que quase não houve ganho no aspecto econômico”, disse. “A economia, que, a curto prazo, é aquilo que tende a mudar esse índice, não vem contribuindo. No entanto, à medida que começa a atingir patamares elevados, o IDH tende naturalmente a avançar mais devagar”, avalia.
A oficial do Pnud e chefe da Unidade de Desenvolvimento Humano, Betina Ferraz Barbosa, diz que o relatório pode ser um novo marco no olhar para o desenvolvimento brasileiro. “A gente pode caminhar para ter o IDH muito alto, mas a questão é resolver as nossas questões de desenvolvimento”, avalia Betina. Segundo ela, o documento traz uma nova estrutura, que pretende fazer uma nova análise ao olhar além da renda, do momento e das médias estatísticas.
Conceição acredita que o documento abre novas janelas para a discussão das desigualdades no desenvolvimento do país. “Esse relatório pode ser um convite à sociedade e às autoridades brasileiras para fazer uma reflexão em torno da emergência de novas desigualdades, que é uma tendência que nós verificamos”, pontua.
Para isso, os autores do relatório enfatizam que é preciso um olhar além do habitual. Entender que a desigualdade de renda é o resultado de um conjunto de disparidades de uma sociedade. “As desigualdades são pautadas antes de as pessoas estarem na idade adulta e entrarem no mercado de trabalho. Ela pode vir até mesmo da condição social da família. Por isso, esse olhar precisa começar muito cedo, ainda quando os indivíduos são crianças, já que há um círculo que aprisiona as pessoas em uma armadilha de desigualdade”, avalia Betina.
Problema estrutural
Em Brasília, a 15 km da Praça dos Três Poderes, é possível encontrar uma população que já nasce inserida em um contexto cheio de desigualdades. Os moradores da Chácara Santa Luzia, área irregular da Estrutural que surgiu em 2000, vivem sem redes de água, esgoto e energia elétrica, em condições indignas de um país que tem o IDH alto. Ana Flávia Rosa, 31 anos, é a única entre oito irmãos que chegou mais longe nos estudos. Ana tem o superior incompleto. “Tenho três irmãos de sangue e cinco adotivos, e a única que foi até o superior fui eu. Mas a falta de dinheiro não me deixou completar”, conta.
Ana é filha de Maria Luzimar Souza, 53 anos, que só tem o ensino fundamental por causa das condições de vida, e mãe de Isaac Daniel, 2 anos, e Pâmella Crystinne, 14 anos. “É algo que parece que passa de geração para geração. Quero que meus filhos tenham a oportunidade de entrar na faculdade como eu, mas com a desigualdade que existe aqui, é bem complicado seguir esse padrão”, analisa. Ana mora há seis anos na Chácara Santa Luzia com os dois filhos e o marido.
Atualmente, Pâmella não estuda, porque perdeu muito conteúdo em uma troca de escolas e não passaria de ano. A intenção é voltar no ano que vem para a sala de aula. Ana Flávia também planeja retornar para a faculdade para completar o curso de administração, mas sabe que será difícil, já que está desempregada, e a única renda da família são os R$ 445 que recebe todo mês do Bolsa-Família.
Educação
Para ela, a mudança na desigualdade vista no país deve começar pela educação. “Acho que precisa de mais incentivo para a educação. Mais escolas dentro da própria comunidade já ajudaria”, indica. Quem também preza pela educação dos filhos e não quer que eles repitam o mesmo caminho é Marilza de Sales, 36 anos. A doméstica, que atualmente está desempregada, mora há quatro anos em Santa Luzia com seis filhos.
“Eu estudei até a sexta série por que fiquei grávida e tive minha primeira filha tive com 16 anos. Espero que meus filhos cheguem mais longe nos estudos”, planeja. Para isso, ela diz que é preciso muita conversa e sacrifícios. Hoje, a casa com sete pessoas é sustentada pelo Bolsa Família. “Eu não tive chance, porque meus pais não tinham condições. Hoje, eu não deixo meus filhos trabalhem. Faço o que for preciso para eles terem o que eu não tive e focarem só no estudo. Espero conseguir quebrar esse ciclo”, completa. (MEC)