Jornal Estado de Minas

Poderes

Articulação com Congresso desafia governo Bolsonaro


O cumprimento da promessa eleitoral de “mais Brasil, menos Brasília” vai impor desafios à articulação política do governo em 2020. A descentralização de recursos geridos pela União para os estados e municípios enfraquece a tinta das canetas no Palácio do Planalto e requer novas estratégias para a barganha com deputados e senadores.


No próximo ano, as emendas parlamentares individuais serão transferidas diretamente para as prefeituras de suas respectivas bases dos congressistas sem a vinculação com programas do governo. As emendas de bancada,  até então negociadas pelo Executivo, passarão a ser impositivas, ou seja, de execução obrigatória.

Ciente das dificuldades, a aposta governista é trabalhar o mérito das propostas e, quando necessário, negociar a liberação de emendas extras em patamares entre R$ 2 milhões a, no máximo, R$ 10 milhões por parlamentar.

A articulação política tem noção dos desafios que enfrentará, sobretudo de ordem fiscal, e vai evitar propor acordos impagáveis. A aprovação da reforma da Previdência veio ao custo de uma promessa feita pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni – até então o articulador – de R$ 20 milhões em emendas extras para cada deputado disposto a votar pela matéria, fora combinados feitos com líderes partidários e senadores, que chegaram a R$ 35 milhões. A fatura caiu justamente para o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos – o atual articulador – que, a pessoas próximas, garante que, em 2020, será diferente.



Os mais próximos a Lorenzoni argumentam que os acordos feitos por ele foram necessários para viabilizar a aprovação de uma matéria impopular como a Previdência, mas a conta disso se tornou quase que impagável para Ramos, que, junto de sua equipe, se esforça para honrar todos os compromissos até o fim de ano.

A meta para o próximo ano, contudo, é adotar um modelo mais próximo do adotado pelo ex-presidente Michel Temer, de oferecer a liberação de R$ 5 milhões – chegando ao máximo de R$ 10 para os mais fiéis – em emendas extras e cargos para deputados e senadores que mostrarem lealdade em votações de matérias sensíveis, como a polêmica reforma administrativa, que sofrerá a resistência de centrais sindicais.


Quando o presidente Jair Bolsonaro anunciou a mudança na articulação política, disse que a ideia era “retornar ao que era feito em governos anteriores”. É o que Ramos pretende fazer. Um ex-interlocutor do governo Temer afirma que, raramente, eram liberadas mais de R$ 5 milhões em emendas para um único parlamentar. A diferença, adverte, é que os acordos eram executados. “Agora, tanto as emendas quanto os cargos não são. São promessas que estão ficando no papel. Os ministros não nomeiam os indicados e não executam as verbas”, analisa. Outro desafio da articulação para 2020 será conter a ganância dos congressistas.



Uma liderança no Congresso avalia que congressistas acostumados com R$ 20 milhões em emendas extras vão pressionar por barganhas em volume semelhante. “Os dois lados vão querer sempre mais. Um vai querer pagar o mínimo possível e o outro vai desejar receber mais. O Ramos está fazendo um bom trabalho, sendo bem honesto. Não faz o ‘toma lá da cá’ que começaram a querer fazer na Previdência. A narrativa é de ‘quem estiver com a gente, vai ter cargo, verba extra, etc. Que não estiver, sinto muito’”, pondera um deputado.

Mais impositivo 

O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), reconhece os desafios, ao ressaltar que o orçamento será muito mais impositivo. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) para 2020 prevê R$ 16,2 bilhões em emendas impositivas, dos quais R$ 9,5 bilhões são individuais e R$ 6,7 bilhões de bancada. Com a provável aprovação da PEC 188/2019 para 2020, que propõe o Pacto Federativo por meio da descentralização de até R$ 400 bilhões em 15 anos a estados e municípios, a tendência também será de menos disposição de recursos para remanejamentos das verbas extras.

Apesar das dificuldades, Vitor Hugo garante que o governo está preparado. “Estamos muito preocupados em focar no mérito das propostas, conversando com relatores, trazendo técnicos da Esplanada para dentro da liderança a fim de poder apresentar argumentos para os relatores incorporarem nossos pedidos. E vamos focar mais nisso, de influenciar o mérito, e a Secretaria de Governo vai fazer o papel dela de construir apoio para as votações”, justifica. Contudo, ele admite que essa é uma estratégia voltada mais para a agenda econômica. “A pauta voltada para o lado econômico flui de maneira natural. O maior desafio para a gente vai ser quando a pauta começar a ser de costumes, e também a questão das armas”, destaca.



Os cargos e as emendas são importantes instrumentos da articulação política, mas o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, alerta que não são os únicos. Com menos recursos, ele avalia que o governo precisará apostar no poder de argumentação, visibilidade e de agenda de Bolsonaro. “Ele não ganhou nenhum assunto que pautou. Mesmo a Previdência e o pacote anticrime não foram pautas de iniciativa do Executivo. Será preciso uma comunicação mais engajada e utilizar o capital político do presidente para ‘levantar’, sem polêmicas e crises, os aliados em suas bases, como em lançamentos de políticas públicas governistas”, avalia.

Diálogo


Os desafios para a articulação política em 2020 são relevantes, mas parlamentares governistas, de centro e até de partidos da oposição acreditam que é possível superá-los com bom diálogo. Líder do Unidos pelo Brasil, maior bloco parlamentar do Senado, o senador Esperidião Amin (PP-SC) não considera que a descentralização de recursos e as estratégias adotadas pela articulação política possam deixar o governo refém do Parlamento.
O não loteamento de cargos no governo, especialmente no primeiro escalão, é uma política a qual os parlamentares ainda estão aprendendo a lidar, avalia Amin. “Contrariar esses interesses pode gerar ruído, mas merece aplausos”, destaca. A análise não é diferente em relação às emendas. O senador recorda que, como deputado federal, Bolsonaro conviveu com governos “trancando” a liberação de recursos, por incompetências de alguns ministérios ou de dificuldades estruturais. “Então, ele está sendo coerente também nisso (descentralização).”



No Senado, Amin foi relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 34/2019, que tornou impositivas as emendas de bancada. Já o deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE), que presidiu a Comissão Especial que discutiu a PEC 48/2019 — texto que tornou possível a transferência direta de emendas parlamentares individuais para os municípios —, considera que a relação entre Executivo e o Legislativo é sempre desafiadora, mas avalia que não será apenas o governo a ter que fazer sua parte.

Maturidade

O pedetista ressalta, contudo, que ambas as PECs representam avanços significativos para o pacto federativo. “Vão ter desafios a serem superados por ambas as partes em uma relação que tem que ser construída todo dia. Tem dia que está mais desgastada, e tem dia que não está. Mas a grande vantagem é que o Congresso está votando a pauta que acredita que é melhor para o Brasil”, ressalta. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), vice-líder do governo no Senado, diz que a articulação política vai focar no convencimento. “Os parlamentares não votam mais só porque alguém mandou”, comenta.


Embora reconheça que o governo ainda precisará lidar com “uns ou outros” que tentarão barganhar cargos e emendas em troca de votos, Izalci acredita que a maioria do Congresso adquiriu maturidade política. “A maioria, hoje, tem a noção da importância de fazer o que é certo. A população acompanha muito nas redes sociais. O próprio PSDB não é governo, mas teve papel fundamental nas reformas. Por quê? Porque está no DNA do partido e no programa do partido ser favorável às reformas. Então, vai votar independentemente de ter emenda e não ter emenda, cargo e não ter cargo”, enfatiza.



Manobra

A impositividade das emendas individuais e de bancada, ou seja, suas execuções obrigatórias, não impedem que o governo busque parlamentares para negociar a liberação de verbas extras para o atendimento a políticas públicas em suas respectivas bases eleitorais. Nesse caso, são apresentadas emendas de remanejamento, responsáveis por acrescentar ou incluir dotações ao Orçamento e, simultaneamente, anular dotações equivalentes. Basicamente, em vez de um ministério executar um recurso previsto para uma política pública da pasta, ele destina o dinheiro para obras ou demais benfeitorias demandadas pelos congressistas. O governo executou essa manobra este ano em mais de uma ocasião, por meio da aprovação de Projetos de Lei do Congresso Nacional (PLN) para a abertura de créditos suplementares.