Advogados constitucionalistas, criminalistas e especialistas em compliance estão comentando as declarações de Dias Toffoli, presidente do Supremo que, em entrevista ao Estadão, nesta segunda, 16, afirmou que a Operação Lava Jato destruiu empresas. Segundo ele, nos Estados Unidos os grupos ficaram de pé. O ministro ainda cobrou maior transparência do Ministério Público.
Aphonso Mehl Rocha, consultor nas áreas de compliance, governança, riscos financeiros e gerenciamento de riscos, considera que a afirmação de que empresas nos Estados Unidos teriam sido preservadas é imprecisa.
"Basta olharmos a história para identificarmos inúmeros casos de empresas que entraram em recuperação judicial e foram adquiridas após escândalos de corrupção, caso, por exemplo, da empresa de telecomunicações Worldcom, que acabou sendo comprada pela Verizon após crise financeira", acentua Mehl Rocha, que foi head de compliance nos bancos HSBC, Bradesco e BNP Paribas e soma mais de 25 anos de atuação na área, com atuação no Brasil, Estados Unidos, Oriente Médio e Ásia.
"No célebre caso da Enron em 2001, a fraude provocou a falência da empresa, bem como a da empresa de consultoria Andersen Consulting, responsável pela auditoria à época", relata.
"Entretanto, a comparação direta com casos brasileiros, como por exemplo, a recuperação judicial da construtora Odebrecht seria muito difícil, pois esta talvez seja uma empresa de um perfil e foco muito específicos", segue Mehl Rocha.
Ele pontua que adicionalmente, as empresas norte americanas envolvidas em casos de corrupção foram, em muitos casos, adquiridas pelas concorrências com preços muito descontados, em face do ambiente competitivo e liquidez da economia americana.
"Ou seja, não há como comparar, ou mesmo justificar o abrandamento da persecução penal para simples preservação das empresas. Mas, sim, o processo para realização de acordos de leniência pode e deve ser aperfeiçoado."
Vera Chemim, advogada constitucionalista, entende que os crimes cometidos em face da administração pública direta e especialmente indireta, tanto por pessoas jurídicas, quanto por pessoas físicas que compunham a presidência e direção de diversas empresas retratavam de modo inequívoco a corrupção estrutural reinante no país e que prejudicaram gravemente as políticas públicas destinadas aos investimentos em distribuição de renda, como a saúde e educação, sem falar da segurança pública e do transporte coletivo.
Para ela, existem duas formas de se olhar esse tipo de ação para o combate efetivo à corrupção.
"A primeira é a omissão das autoridades públicas e a segunda e extremamente relevante e corajosa foi e continua sendo a atuação da Operação Lava Jato extrapolando todos os obstáculos para punir tais atos ilícitos e limpar ética e juridicamente a corrupção generalizada", assinala Vera Chemim.
A advogada recorre ao dito popular. "Para fazer uma omelete é necessário quebrar os ovos. O tratamento empregado pela Lava Jato precisava ser forte o suficiente para a obtenção de resultados minimamente satisfatórios do ponto de vista penal, administrativo e, sobretudo, voltado a recuperar a moralidade administrativa no âmbito da administração pública. Portanto, a afirmação de que a Operação Lava Jato destruiu empresas é totalmente ilógica."
"Ao contrário, promoveu o seu saneamento e estimulou a adoção por essas empresas de técnicas salutares, como as de compliance. Quanto ao Ministério Público, a suposta falta de transparência parece traduzir a insatisfação de envolvidos uma vez que aquela instituição cumpre rigorosamente com a sua obrigação."
O advogado Gustavo Polido, mestrando em Direito Penal pela PUC/SP, especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV Law), especialista em Direito Penal e Processo Penal pela PUC/SP, disse que "em relação à transparência do Ministério Público, notadamente deveria existir em absoluto".
"Mas, conforme se verifica nas recentes grandes operações, o Ministério Público não transparece efetivamente seus atos, o que acaba por violar e prejudicar toda atuação do judiciário."
Polido ressalta que "ao longo de toda a operação Lava Jato, não houve a análise mínima de viabilidade no tocante à manutenção econômica das pessoas jurídicas envolvidas".
"Ignorou-se, de fato, que a maioria das empresas tinha milhares de funcionários que, após as divulgações exacerbadas das investigações, muitas com vazamentos, perderam seus empregos", destaca Polido. "Objetivamente, não houve a análise da conveniência das sanções administrativas e penais à luz da manutenção econômica das pessoas jurídicas e, nesse contexto, significa aplicar sanções administrativas ou penais que, por diversas vezes, extrapolam, e muito, do destinatário das sanções, atingindo pessoas relacionadas indiretamente, mas com consequências diretas."
O criminalista Fernando Castelo Branco, professor de Direito penal e econômico da Escola de Direito do Brasil, sustenta. "Não é porque o combate à corrupção é um fato importantíssimo no estágio atual da sociedade brasileira, em que a população tem um engajamento com essa postura; não é porque a Lava Jato é reconhecidamente uma instituição dentro de uma instituição, uma força-tarefa que prestou relevantes serviços no combate a corrupção, que nós não tenhamos que reconhecer os erros e equívocos perpretados por essa força-tarefa."
"É patente que a Lava Jato excedeu, violou regras comezinhas, primárias de um devido processo legal de um estado democratico de direto na tentativa de alcançar resultados buscar fins que efetivamente não se coadunam com o devido processo legal", afirma Castelo Branco. "O respeito às regras é o embasamento necessário para que tenhamos uma justiça efetivamente democrática, correta e nos patamares da Constituição Federal."
Em seu entendimento, "o ministro Dias Toffoli faz uma crítica com um olhar muito criterioso, realista, do que foi e está sendo a Lava Jato".
"Isso é extremamente positivo, engrandece, faz com que o processo judiciário se aprimore."
Para o criminalista Conrado Gontijo, mestre em Direito Penal pela USP, a entrevista do Ministro Toffoli para o Estadão trata de questões essenciais e contém visão crítica muito precisa sobre temas importantes no combate à corrupção.
"Ao abordar a falta de transparência da atuação do Ministério Público e os efeitos deletérios que a Lava Jato gerou para alguns setores econômicos nacionais, construção civil, por exemplo, o Ministro expõe uma faceta desses fenômenos recentes que, muitas vezes, é pouco abordada", avalia Gontijo.
Para ele, "o combate à corrupção, para ser eficaz, não precisa sacrificar as empresas, seus colaboradores e toda a cadeia produtiva relacionada às suas atividades".
"O combate à corrupção pode ser feito sem a violação de direitos fundamentais: a Lava Jato violou, com recorrência, direitos fundamentais das pessoas submetidas à persecução penal", afirma. "Nesse passo, são graves os problemas da Operação Lava Jato e a necessidade de que reflitamos sobre os melhores instrumentos para o enfrentamento de malfeitos na administração pública. Há méritos na Lava Jato, mas há também abusos graves, que são inaceitáveis."
Para Marcelo Leal, criminalista, o Ministério Público exerce importante função na República. "Entendo que as críticas, feitas de maneira construtiva são bem-vindas. Concordo com a análise feita pelo ministro Toffoli em todos os seus aspectos. O Ministério Público carece de maior transparência, mormente no que diz respeito à investigação por ele mesmo presidida e conhecida como PIC (Procedimento Investigatório Criminal). Nestes casos, como não há controle judicial, é comum que a investigação é feita sem que a defesa consiga acesso integral e no momento oportuno das informações e documentos que lhe interessam."
Leal aponta para as delações premiadas, usadas em larga escala na Lava Jato. "O mesmo se diga quanto às delações premiadas. Se a defesa permanecesse em contato com suas testemunhas negociando sua adesão, temas e benefícios, certamente o colaborador seria visto com maior reserva. Quanto à saúde das empresas envolvidas na Lava Jato, não há dúvidas que a operação foi desastrosa. Em primeiro lugar porque utilizou-se a prisão preventiva de seus líderes como instrumento de pressão mesmo em casos em que ela não seria cabível. Além disso, tratou-se as empresas como inimigas do Estado, quando na verdade elas são possuem importância social que precisa ser reconhecida e preservada. Se pessoas físicas cometeram crimes, essas e apenas essas, devem ser punidas na forma da lei. As empresas que geram empresa, renda e riquezas para o País precisam ser protegidas."
O criminalista João Paulo Martinelli, professor da pós-graduação da Escola de Direito do Brasil, ressalta: "realmente, a Lava Jato deveria ter tido o cuidado de investigar as pessoas físicas e preservar as empresas, como acontece em outros países, pois isso gera uma crise de desemprego, pessoas que nada têm a ver com atos ilícitos estão pagando o preço".
Daniel Bialski, criminalista especializado em Direito Penal e Processual Penal, avalia que as declarações do ministro "refletem os acontecimentos que a própria imprensa divulgou e de vários casos que chegaram para exame do STF".
"Em relação às empresas, eu entendo, assim como o ministro Toffoli, que nos casos da Lava Jato, algumas medidas não eram necessárias durante a operação e foram drásticas", disse Bialski. "De fato, acabaram com a atividade de várias empresas e com a própria credibilidade de algumas pessoas, que hoje têm dificuldade enorme em conseguir um emprego. São profissionais habilitados, que independente, se foram condenados ou inocentados, têm encontrado obstáculos em conseguir emprego, porque o nome está vinculado à Operação Lava Jato e algumas medidas foram extremamente drásticas."
O advogado vê excessos na quantidade de prisões. "A primeira medida que eu acho extremamente rígida é o exagero na decretação das prisões. Investigar, fazer busca e apreensão, apuração, isso tudo está dentro do espectro da Polícia Federal, do Ministério Público, do que o Poder Judiciário está apurando. Agora, decretar prisões por decretar, depois de vários anos dos supostos fatos acontecidos, é você querer transmudar a prisão numa medida de antecipação de pena que muitas vezes se viu temerário. E o Supremo, felizmente, agora está combatendo isso de forma mais enérgica."
Para Daniel Bialski, a abordagem de Toffoli sobre o Ministério Público é reflexo de notícias relacionadas ao ex-procurador-geral Rodrigo Janot "e tudo o que ele mesmo escreveu em seu livro e as especulações em torno da atuação de alguns membros da Lava Jato".
"O que se viu ali foram atitudes que tiraram a credibilidade da ação desses membros e colocaram em dúvida a idoneidade da investigação, diante da suposta, eu digo suposta porque não se sabe se essas conversas são verdadeiras ou não, se foram editadas, se não foram editadas, ou seja, elas ainda precisam ser examinadas sobre o ponto de vista da legalidade. Mas, por enquanto, existe a suspeita de que essas supostas conversas mostram o direcionamento por parte dos coordenadores da Lava Jato. Nesse ponto, o ministro Toffoli fala em mais transparência, pois justamente essas pessoas deveriam ter um exame da conduta apurado, primeiro pelo órgão interno e, depois, por algum órgão externo diante de tudo que foi falado."
O advogado especializado em direito empresarial Walfrido Jorge Warde Júnior, indica que Toffoli reconheceu fatos de "grande relevo", como "a importância de se combater a corrupção" e "a necessidade de fazê-lo sem destruir as empresas e a economia do país". Há ainda uma terceira questão, segundo ele: "a constatação de que a Lava Jato e o combate puramente repressivo à corrupção que ensejou não mediram consequências e, de fato, produziram efeitos colaterais adversos, não apenas na economia, mas também na política e no tecido social".