Brasília – O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, decidiu criar um grupo de trabalho para analisar os efeitos da lei anticrime, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira. A portaria com a criação do grupo – que ficará responsável por elaborar um estudo sobre as consequências da nova legislação – seria publicada ontem. O grupo vai concluir os estudos e apresentar a proposta de um ato normativo até 15 de janeiro. Os trabalhos serão coordenados pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins. Procurado pela reportagem, Martins escreveu: “Vamos aguardar! Paciência!”.
Um dos pontos mais controversos na lei é a criação de um “juiz de garantias”, medida que contraria o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que havia pedido a Bolsonaro o veto à proposta. De acordo com a lei, o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal em relação às medidas necessárias para o andamento do caso até o recebimento da denúncia. O prosseguimento da apuração e a sentença ficarão a cargo de outro magistrado.
Parecer elaborado pelo ministério de Moro havia recomendado o veto ao dispositivo, sob a alegação de que crimes complexos, como corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, perpetuam-se “durante anos e anos”, cabendo ao juiz acompanhar todo o desenrolar da atuação policial e do Ministério Público. “Ao cindir as atribuições, contudo, todo esse trabalho árduo de anos seria 'perdido', e, com ele, a experiência e o conhecimento do magistrado, o que, certamente, dificultaria ou, até mesmo, inviabilizaria a elucidação de casos complexos, além de ir de encontro aos princípios constitucionais de acesso à justiça, da economia e celeridade processual e da razoável duração do processo”, diz o parecer.
Ontem, o ministro Sérgio Moro voltou a criticar a medida. Moro afirmou em sua página no Twitter que o significado do chamado “rodízio de magistrados”, previsto com a criação do juiz degarantias no país, é um “mistério”. A lei sancionada por Bolsonaro diz que, “nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados” como solução à necessidade de um segundo magistrado para a devida aplicação da figura do juiz de garantias.
O juiz de garantias passará a ser o responsável por acompanhar e autorizar etapas dentro do processo, mas não dará a sentença. Caberá ao juiz de garantias atuar na fase da investigação e decidir, por exemplo, sobre a autorização de quebra dos dados resguardados por sigilo constitucional. Atualmente, o juiz que participa da fase de inquérito é o mesmo que determina a sentença posteriormente. Segundo Sergio Moro, 40% das comarcas do país têm somente um juiz. “Para mim é um mistério o que esse 'rodízio' significa.Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta”, afirmou o ministro na rede social.
Na quinta-feira, Bolsonaro disse que não fez acordo com ninguém sobre vetar o trecho que prevê a criação do juiz de garantias no pacote anticrime. Para Bolsonaro, o saldo do pacote anticrime que foi apresentado por Moro ao Congresso no começo do ano, foi “excelente”. “Se eu tivesse sancionado o dispositivo que tratava de pena para crime na internet, estaria censurando”, disse.
Ele reafirmou que o processo de aprovação do pacote é democrático e que ele mantém um bom relacionamento com o presidente do Supremo, Dias Toffoli, e “cordial” com os presidentes da Câmara e Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). “Alguns acham que eu deveria me isolar, ter um comportamento exclusivamente para atender esses internautas, temos de ter paciência”, disse. Bolsonaro disse ainda que o juiz de garantias não vai criar despesas, pois, segundo ele, o instituto será financiado pelo orçamento existente do Judiciário. "Se o juiz de garantias te prejudicar, não vota mais em mim”, disse o presidente em live nas redes sociais.
Sem retroagir Autora da proposta de criação do juiz de garantias, aprovada pelo Congresso e sancionada por Bolsonaro, a deputada federal Margarete Coelho (PP-PI) afirmou que as investigações que já estavam em andamento não serão afetadas pela medida. “No meu entender, não haverá alterações nos processos em andamento. Apenas nos novos processos e à medida que o CNJ e as corregedorias distribuírem as funções e designarem os juízes de garantias”, disse a deputada.
A deputada comemorou a aprovação da lei, negou que a medida seja uma resposta à Lava-Jato e afirmou que a própria Justiça Federal do Paraná já utiliza o juiz de garantias. “A juíza Gabriela Hardt atua só na fase do inquérito policial, antes do oferecimento da denúncia. Portanto, o juiz de garantias não vai alterar em nada a situação da Lava-Jato. Só estender a 'boa prática' da Lava-Jato a outros juízos!”, disse. Segundo a Justiça Federal do Paraná, no entanto, a designação da juíza não tem relação com o que a nova lei estabeleceu para “juiz de garantia”.