Depois da posse, o golden shower. A análise do primeiro ano do governo Bolsonaro a partir dos picos de buscas no Google ajuda a colocar em perspectiva os principais momentos de destaque do dia a dia do presidente – no noticiário e na conversa cotidiana dos brasileiros. Em levantamento exclusivo, o Estado de Minas cruzou os dados do Google Trends com o noticiário correspondente às semanas com topos de interesse pelo nome “Bolsonaro”. Os dados mostram que, em primeiro lugar, aparece a posse e em seguida o episódio envolvendo o “golden shower” no Carnaval.
“Chama atenção que nenhum dos destaques de busca se referiu a temas tradicionalmente associados à agenda presidencial, como inflação, crescimento econômico ou desemprego”, observa Felipe Nunes, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor da Quaest Pesquisa e Consultoria. E isso, de acordo com o especialista, não ocorre de maneira fortuita no jeito Bolsonaro de governar.
Para o levantamento, a reportagem selecionou os pontos em que as buscas por Bolsonaro passaram dos 30 pontos, na escala do Google. A posse marcou 100 pontos; o golden shower, 48. Em seguida, aparece a vez em que Bolsonaro comemorou a saída de Jean Wyllis do Brasil (40 pontos), quando comentou o projeto anticrime de dentro do hospital (33 pontos) e quando chamou manifestantes contra cortes na educação de “idiotas úteis”. (Veja o quadro com os detalhes).
“É estratégico. Está claro pra mim que Bolsonaro usa da sua retórica digital ou na imprensa para pautar a agenda semanal. Ele insiste em temas que dividem o eleitorado, que reafirmam sua posição perante os 30% que gostam do seu governo, e que o distanciam dos 30% que o rejeitam explicitamente”, explica Nunes.
O cientista político lembra que os presidentes norte-americanos usam dessa estratégia desde os tempos de Roosevelt: “O estudo clássico sobre esse assunto foi feito por Samuel Kernell em seu livro 'Going Public: New Strategies of Presidential Leadership'. Bolsonaro usa e abusa da estratégia de going public.
Por isso, o termômetro do Google Trends não pode ser confundido com “popularidade”. Entre os assuntos relacionados às buscas por Bolsonaro, em ascensão, por exemplo, de acordo com a plataforma estão “urofilia”, em primeiro lugar e “Leonardo diCaprio”. Ambos se relacionam a momentos em que o presidente se excedeu a ponto de apagar tuítes considerados ofensivos ou que envolviam fake news.
“É uma figura polêmica, com claros posicionamentos. Isso o torna um personagem interessante, não necessariamente amado ou odiado, mas sem dúvida nenhuma, um personagem falado por todos”, diz o professor.
Pelo avanço das armas
O presidente Jair Bolsonaro pediu ontem que o Congresso Nacional aprove a ampliação da posse e do porte de armas no país. Em postagem na rede social Twitter, ele relacionou o crescimento do registro de armas de fogo à diminuição do número de mortes. “Registro de armas de fogo cresceu 50% no corrente ano, levando-se em conta o mesmo período de 2018. Segundo ‘especialistas’, o número de mortes deveria aumentar no Brasil, mas, na prática, caiu 22%. Dependo do Parlamento para ampliar o direito à posse/porte para mais cidadãos”, escreveu o presidente. Bolsonaro está na Base Naval de Aratu, unidade da Marinha em São Tomé de Paripe, subúrbio de Salvador. Ele deixou Brasília na tarde de sexta-feira para passar o recesso de fim de ano na capital baiana. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, segundo ele, não o acompanhou porque deve se submeter a uma pequena cirurgia nos próximos dias.
Novo embate com servidores
Vera Batista
Brasília – Forçado pela resistência dos servidores a adiar o envio da reforma administrativa ao Congresso, o Executivo terá que desenvolver maior habilidade, neste ano, para emplacar a delicada reestruturação no serviço público. Pelas informações que vazaram sobre a proposta, o Palácio do Planalto tenta fazer o dever de casa com redistribuição de receitas e flexibilização do orçamento, por meio de desvinculação, desobrigação e desindexação de gastos (poposta apelidada de “plano DDD”).
Entre as metas do Ministério da Economia, estão corte da quantidade de carreiras (de 117, com mais de 2 mil cargos, para 20 ou 30), revisão dos critérios de estabilidade dos atuais servidores, fim da estabilidade e salários menores para futuros servidores (de funções operacionais mais simples), além da criação da carreira de servidor temporário e sem estabilidade, uma espécie de “trainee”.
O novo servidor deverá ser efetivado após dois anos – se cumprir critérios de bom desempenho – e a regra valeria também para juízes, procuradores e promotores. O plano prevê ainda critérios objetivos de avaliação de desempenho, com premiação dos bons servidores e demissão por atuação insatisfatória e transferência de funcionários de um órgão para outro.
Em relação à remuneração, a intenção é aproximar os valores dos rendimentos dos servidores daqueles dos trabalhadores da iniciativa privada em funções ou casos de formação acadêmica semelhantes. A proposta revê o sistema de licenças e gratificações, põe fim à progressão automática por tempo de serviço e determina a regulamentação da lei de greve para o funcionalismo. O economista Marcos Mendes, consultor licenciado do Senado e um dos autores do teto dos gastos, defende que as alterações são fundamentais.
Mendes destaca que a grande dificuldade de fazer reformas foi se consolidando há anos no país. Ao longo do tempo, segundo ele, os servidores armaram, contra a administração, uma bomba que pode explodir a qualquer momento pelo excesso de poder que conquistaram. “Poder que vem do direito de sindicalização e de greve, aliado à estabilidade no emprego. É um modelo de gestão que soma judicialização com autorização para mobilização. Os servidores foram hábeis em criar vitimização. Diante de qualquer ameaça de mudança, dizem que surgiu mais um vampiro querendo acabar com a vida deles”, ironizou.
Já os altos salários provocam uma distensão no mercado de trabalho. “Os jovens estudam com o único objetivo de fazer concurso”. Quanto à manutenção da estabilidade, ele acha que deve ser mantida apenas para carreiras de Estado, como diplomata, juiz, auditor-fiscal, funções que não existem no setor privado.
O economista Newton Marques, da Universidade de Brasília (UnB), diz que é inegável o inchaço do setor público. Contudo, defende debate qualificado sobre a reforma administrativa, sem que se olhe somente para um lado da questão. “Principalmente no Judiciário e no Legislativo, há cargos com remuneração muito acima do que o mercado paga. A sociedade quer mudança. Mas, por outro lado, a equipe econômica se mostrou, até agora, incapaz de tirar recursos de quem ganha mais. Isso somente seria feito com uma reforma tributária, para taxar mais o rico”, destacou.