Em 1º de novembro deste ano, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), deixará os trabalhos na corte e abrirá uma vaga que deve ser preenchida por um jurista indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. O cargo é um dos que provocam intensa cobiça no chefe do Executivo. A depender do nome que indicar, pode aumentar sua força no Poder Judiciário. O posto na mais alta instância da Justiça é tema de declarações e promessas de Bolsonaro desde a campanha eleitoral. Mello deixará a corte porque fará 75 anos, limite para permanecer entre os integrantes do plenário. Essa será a primeira indicação de Bolsonaro, já que, em 2021, quem sairá de cena será o ministro Marco Aurélio Mello, também pelo critério de idade.
De acordo com a previsão constitucional, o indicado pelo presidente para integrar o Supremo deve ter mais de 35 anos, notável saber jurídico e ser alguém de reputação ilibada, ou seja, sem condenações na Justiça ou fatos que possam entrar em contradição com a importância social e as atribuições de um integrante do tribunal. O presidente deve confirmar o nome do indicado com poucas semanas de antecedência, mas com tempo hábil para que o candidato passe por uma sabatina no Senado, que tem o poder de chancelar ou vetar a escolha do presidente da República. Nos bastidores, Bolsonaro já conversa com interlocutores e faz avaliações de cenários possíveis sobre quem tem o perfil desejado por ele para ocupar a cadeira.
Diante de decisões que desagradaram ao Executivo, como a criminalização da homofobia e a revogação da autorização para prisão a partir de condenação em segunda instância, o que resultou na soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro passou a cogitar escolher para a corte alguém com perfil ideológico pró-governo. Ele chegou a dizer que um dos indicados, provavelmente o que ocupará a vaga de Celso de Mello, será evangélico.
As declarações causaram mal-estar entre os ministros do STF e juristas de todo o país. “Tenho duas vagas para o Supremo Tribunal Federal. Uma será de um evangélico. Se somos laicos, eu sou cristão. No Supremo Tribunal Federal, não é porque é evangélico apenas, vai ter que ter conhecimento jurídico, obviamente. Mas vai ao lado desse indicado um fato a oferecer: ser cristão, ou melhor dizendo, evangélico”, declarou ele durante culto na Assembleia de Deus de Manaus, em novembro.
Relevância
Atualmente, quem desponta para a vaga é o atual advogado-geral da União, André Mendonça. Além de evangélico, ele é respeitado no meio jurídico e visto como uma pessoa de perfil técnico e moderado. Um ministro do Supremo, além de chamar a atenção da sociedade, está sempre envolvido em julgamentos de relevância nacional, muitas vezes polêmicos, e suas declarações têm grande influência. Se errar na escolha, Bolsonaro pode ser cobrado até a próxima eleição, em 2022, o que tem potencial para gerar um grande desgaste em sua imagem e perda de apoio entre os eleitores.
André Mendonça é visto dentro do governo como alguém que não traria grandes problemas. No entanto, é alvo de críticas na internet por ter atuado contra pautas conservadoras, levando em consideração avaliações estritamente jurídicas. Para Vera Chemim, advogada constitucionalista, o Estado laico deve ser preservado e não se deve levar em consideração a religião do futuro ministro. “O Poder Judiciário exige critério técnico, e não é aceitável analisar por esse requisito (religião)”, frisa. “A pessoa que substitui um ministro do Supremo tem de pertencer ao Poder Judiciário, um juiz, magistrado, que tenha notório conhecimento jurídico e com capacidade para assumir essa vaga. Isso pressupõe que seja uma pessoa preparada do ponto de vista acadêmico.”
Outro nome que está no radar do presidente é o do atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira. Amigo de Bolsonaro há mais de 10 anos, ele tem a confiança do chefe do Executivo e se aproximou ainda mais dele após ganhar um cargo no Planalto. Atualmente, não encontra rejeição entre eleitores e apoiadores do presidente. No entanto, a tendência é que ele seja indicado para a vaga do ministro Marco Aurélio, que deixará o Supremo em julho de 2021.
Sergio Moro em compasso de espera
Ao deixar o cargo de juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, após se tornar o grande nome da Operação Lava-Jato, Sergio Moro vislumbrava o cargo de ministro do STF, posto mais elevado na carreira de um magistrado. Nas primeiras conversas que ele teve com o presidente Jair Bolsonaro, antes mesmo de ser empossado no cargo, o assunto foi a vaga de Celso de Mello, que seria aberta neste ano no tribunal. Meses depois, porém, o chefe do Executivo minimizou a promessa que fez ao ex-juiz.
Moro se tornou o ministro mais forte do governo, atingindo popularidade maior que a do próprio Bolsonaro. Esse fato ganhou notoriedade com a sanção, por parte do presidente, da figura do juiz de garantias, incluído no pacote anticrime aprovado pelo Congresso. O ex-magistrado de Curitiba fez declarações públicas contra esse trecho da legislação, e Bolsonaro foi alvo de ataques de pessoas que até então o seguiam com afinco na internet.
Pensando em 2022, o chefe do Planalto pretende incluir Moro em sua chapa, como vice. No entanto, não está descartada a hipótese de o atual ministro encabeçar uma disputa ao cargo mais importante do país, o que dividiria os apoiadores do presidente. A indicação ao Supremo tiraria Moro da corrida eleitoral, já que os integrantes da corte não podem concorrer a cargos políticos sem deixar as atividades do tribunal. Na mais recente manifestação pública sobre o caso, Bolsonaro afirmou que é preciso avaliar a aceitação do ministro da Justiça pelo Senado, que toma a decisão final sobre o indicado.
Pacote anticrime
Em dezembro, Bolsonaro sancionou, com 25 vetos, o pacote anticrime. O texto reúne trechos apresentados pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, por Alexandre de Moraes, ministro do STF, e por parlamentares. A despeito, porém, do pedido de Moro, o chefe do Executivo não vetou o trecho que cria a figura do juiz de garantias — de acordo com a medida, um magistrado conduzirá a investigação criminal e outro julgará o processo. O item foi incluído por emenda do deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) e teria sido represália a Moro, acusado de parcialidade quando era juiz da Lava-Jato, em Curitiba. Na internet, apoiadores chamaram Bolsonaro de traidor. Pelas redes sociais, o presidente se defendeu: “Não fiz nenhum trato com ninguém sobre vetar o juiz de garantias. Estou fazendo com a consciência tranquila, não é para proteger ninguém”.
Os requisitos
Veja as características necessárias para um candidato ao STF
» Ser brasileiro com pelo menos 35 anos
» Ter no máximo 65 anos de idade
» Ter reputação ilibada (ausência de condenações, crimes, moral etc.)
» Ser indicado pelo presidente da República e aprovado pelo Senado
» Ter notável saber jurídico (não precisa ser graduado em direito)
» Estar no gozo dos direitos políticos