“Este lugar aqui não é para quem quer fazer as coisas corretas.” Isso foi o que passou pela cabeça da presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Nely Aquino (PRTB), de 47 anos, durante o último ano no Legislativo, marcado por denúncias contra vereadores e duas cassações de mandato, algo inédito em 83 anos desde a fundação da Casa.
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Entre outros assuntos, Nely abordou as eleições municipais deste ano. Deixou claro que tem situação aberta sobre candidatura e não descarta até alguma composição de chapa para a prefeitura da capital. Um fato que pode contribuir para isso é a troca de partido.
A parlamentar está em negociações para se filiar ao Podemos. Nely Aquino foi eleita em 2016 com o nome de urna Neli do Valdivino, pelo PMN, com 4.765 dos votos válidos. Ela foi lançada pelo irmão Valdivino Pereira, vereador de BH de 2005 a 2008 e de 2009 a 2012. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Qual o balanço do primeiro mandato como vereadora? Logo coordenando uma casa como a Câmara de BH...
A experiência é espetacular e surpreendente. Em momento algum pensava em ser presidente da Câmara em primeiro mandato, vim com intuito de ajudar o terceiro setor, gosto muito de projetos sociais. No primeiro ano, fui secretária-geral, já comecei a trabalhar na administração da Casa, e nesses dois anos (2017 e 2018) dividi bem meu mandato com a secretaria. Veio a eleição para a presidência, coloquei meu nome para vice, e dentro da discussão do grupo que participava foi falado no meu nome. Fiquei um pouco assustada, é uma responsabilidade muito grande gerir uma Casa deste tamanho, administrar os problemas não é fácil. Mas não pensei que iria administrar tantos processos de cassação, tantas situações complexas que vieram no percurso do trabalho. Durante esse período, pensei em desistir diversas vezes, sou ser humano, tenho família, tenho filho pequeno, por diversas vezes pensei se valia mesmo a pena. E por diversas vezes falei assim: ‘Olha, este lugar aqui não é para quem quer fazer as coisas corretas’. Porque o peso é muito grande. Mas ao mesmo tempo ouvi de diversas pessoas, de delegados e outras pessoas, que o mal só progride porque o bem recua. Então, se eu estive aqui tenho que fazer.
A grande maioria dos vereadores deve se candidatar no pleito deste ano. Você faz parte desse grupo? Pensa na Câmara ou na prefeitura?
A gente vive um momento de discussão. Existem todas as possibilidades, e não fecho as portas. Estamos discutindo se venho candidata a vereadora ou não, isso envolve discussão do meu grupo interno, partidário. Isso não é solitário, sempre tem um número maior de pessoas participando. Acredito que em março a gente tenha uma definição mais concreta sobre esse caso.
E a troca de partidos, já conseguiu concretizar? Isso pode influenciar em algo na eleição?
Existe a possibilidade sim, estamos em conversa com vários partidos. Está mais alinhado com o Podemos, ainda não batemos o martelo, mas venho conversando com Ígor Timo (deputado federal), presidente, e ele tem a possibilidade até de sair como cabeça de chapa como prefeito. Ainda está tudo recente, tudo dentro dessa discussão. Esse período é para isso mesmo.
Com a sra. na presidência, a Câmara passou por momentos turbulentos. Como lidou com isso e como avalia o trabalho da Casa?
Acredito que a Câmara está correspondendo com o que a população acredita. Já me perguntaram se é ruim, ruim para a imagem da Casa, mas ruim para a imagem é ter situações a ponto de cassação. Porém, a postura da Câmara é de lisura, de colocar em investigação e discussão avaliação de colegiado. E quem toma decisão é a grande maioria, e acredito que ela acompanhou a opinião pública, o que o povo gostaria que se fizesse. No entanto, tivemos aí 10 pedidos de cassação e tivemos dois que efetuaram a cassação, com procedimentos, com regras e avaliação técnica. Alguns perceberam que pedido de cassação é oportunidade para ser usado como plataforma, para aparecer, de ir para o jornal. Por isso, a procuradoria usou de toda técnica para avaliar, e só foi para frente aquilo que tinha relevância, o que não tinha foi arquivado.
Entre essas denúncias, houve uma contra a sra. Como viu toda essa situação?
Não poderia esperar flores depois de termos dois vereadores cassados, após 83 anos de Câmara sem cassação alguma. Sabia que ataques viriam, era esperado. Mas sou servidora pública, e os órgãos têm a obrigação de acompanhar fiscalizar e confirmar se as denúncias têm ou não procedência, e quem denuncia tem que provar.
Como avalia o ano de 2019?
Em 2019, a pauta negativa chamou mais atenção. Mas conseguimos aprovar a nova lei do Plano Diretor, um projeto polêmico que tramitou por cinco anos sem ser aprovado. Também aprovamos a lei de regulamentação dos transportes de passageiros por aplicativos, se arrastava e acabamos com essa guerra. Leis que reestruturam plano de carreira da educação, saúde e guarda municipal. Leis que garantem ações afirmativas de defesa das mulheres, e aprovamos o tempo de respeitar. Também foi aprovado o orçamento de 2020. Aqui na Câmara teve o retorno da previsão regimental de parecer conclusivo na Comissão de Constituição e Justiça nos projetos que tramitam na Casa, e a aprovação da Arena MRV, que gera emprego e desenvolvimento para a cidade. Fora isso, muitas audiências públicas também, vários assuntos discutidos. Criamos a comissão permanente de mulher, que discute assuntos exclusivos de mulheres, principalmente com alto número de feminicídios dentro da cidade. Também há CPI do código de postura de Belo Horizonte, das barragens, sobre crise hídrica, que foi a partir disso que a se descobriu a chance de termos dificuldades com abastecimento de água em 2020.
A sra. acredita que sofre machismo por parte de colegas na Casa?
Existe sempre uma desconfiança se eu vou dar conta, existe um machismo em torno da mulher à frente. É muito pontual o machismo. Quando fui eleita como presidente só tive um voto de mulheres, os outros foram de homens. Os comentários e ações machistas são pontuais, e às vezes fazem até sem perceber, mais por causa da educação que tivemos, tivemos uma educação machista. É cultural, temos que nos reeducar, eu tenho que me reeducar, então vamos todos nos reeducando.
A sra. se considera mais exposta a isso por conta de ser a presidente?
Até nos ataques estou mais exposta. Eles atacam a mulher como? Primeiro, a família, perseguiram meu filho, meu marido, é a forma onde a mulher seria mais vulnerável. Depois, a honra, aí falam que sou cafetina, dona de bordel, é uma forma que acham que me agridem. Não agridem, pois não estão falando de mim, não sou eu. Atacam minha religião, minha fé, que sou falsa cristã. Mas a fé é minha, cada um tem a sua e temos que respeitar, mas é a forma que têm de me atacar.
E os trabalhos para 2020, o que já há em mente e em pauta?
É um ano eleitoral. Grande maioria dos meus colegas, e provavelmente eu, somos candidatos. É um ano mais presente talvez. Mas temos aqui para votar de início: instrumentos da política urbana relacionados ao Plano Diretor, porque aprovamos o projeto, mas não os instrumentos de cobrança do plano, a outorga. É a parte mais difícil. Há também concessão de feiras públicas e mercados municipais, para início do ano; código municipal de saúde; e redução do valor e contribuição para o custeio da iluminação pública. Esses são os projetos principais do Executivo que estão aqui, fora os dos vereadores que tramitam.
Como vê a relação entre prefeitura e Câmara?
O andamento da prefeitura tem que ser muito em consenso com o Legislativo. Porque a prefeitura só consegue desenvolver bem o trabalho quando o Legislativo corresponde, vota os projetos a tempo e a hora, aprova projetos corretos. Caso contrário, acaba não tendo desenvolvimento, pois trava no Legislativo, e nós não atrapalhamos em momento algum a prefeitura no último ano e trabalhamos em conjunto para a construção da cidade”.
Um projeto polêmico aprovado em primeiro turno no último ano foi o Escola Sem Partido. O que a sra. acha desse projeto?
O projeto é da Frente Cristã, que são mais de 20 vereadores. É um projeto polêmico, mas onde se discute os assuntos polêmicos? Tem que ser nas casas legislativas, aqui é o ambiente para esse tipo de discussão. Teve uma discussão ampla, muita gente favorável, muito gente contrária, foi aprovado em primeiro turno. Voltou às comissões, e o acordo firmado entre as partes é de que esse projeto só volta para a pauta depois de ampla discussão, então não tem previsão de retorno dele à pauta.
Qual sua posição?
Eu sou signatária no projeto. Prefiro não opinar se votaria pelo sim ou pelo não, pois agora não voto, mas sou signatária e assinei o projeto.
Muito se ouve sobre a dificuldade das câmaras municipais em anos eleitorais. Acha que o Legislativo de BH pode ser prejudicado pelo período?
Existem muitas lendas em torno de diversos setores, sempre tem lendas. Existe uma lenda que ninguém trabalha na Câmara em janeiro. A Câmara está toda funcionando, tem gente que acha que a Casa é fechada em janeiro, mas funciona normalmente. Ao longo desses 25 anos de Legislativo, sempre vi os parlamentares administrando entre trabalho da Câmara e o eleitoral, pois as grandes reuniões normalmente são feitas na parte da noite. Até porque o povo só pode cumprir o papel de polícia à noite, porque estão todos trabalhando de dia. É uma rotina mais corrida, mas o trabalho continua sendo feito.
Por fim, qual a reflexão que a sra. faz sobre o atual cenário político de BH?
O ano de 2019 foi um divisor de águas para a cidade. Ninguém mais será vereador achando que está acima da lei. Ninguém mais vem para a Câmara Municipal achando que pode fazer o que quiser, porque existem regras, e elas serão cobradas, principalmente de quem está aqui para criar leis. Somos criadores de leis, então temos a obrigação de sermos cumpridores de leis e regras.
Perfil
“Sou de São Sebastião do Maranhão, cidadezinha do interior perto de Santa Maria do Suaçuí. Sou de uma família de 10 irmãos, sou uma das mais novas, e quando todos vieram para BH eu tinha apenas 1 ano. Minha mãe era lavadeira, meu pai lavrador no interior e faxineiro em BH, trabalhava em serviços gerais. Morei na Vila Cemig, favela da Região do Barreiro, até os 10 para 11 anos. Os filhos foram começando a trabalhar, cada um em seu espaço, a família mudou para o Céu Azul, na Região Venda Nova, e, aos 11 anos, comecei a trabalhar como caixa de supermercado. Trabalhei em vários mercados, depois em lojas, atacadistas, fui gerente de supermercado, e em 1996 comecei a trabalhar com a Elaine Matozinhos. Quando ela foi eleita vereadora, pelo primeiro mandato, trabalhei com a Elaine por seis ou sete anos, como assessora. A homenageei no grande colar em 2019, e ela acredita que eu levei algumas centenas de mulheres para denunciar os crimes na delegacia. Cuidava da agenda dela, cuidava da rotina dela. Depois saí, trabalhei com Eduardo Brandão, que foi deputado também. Desde então, não deixei esse meio mais, são mais de 20 anos entre Assembleia, Câmara e prefeitura”.