Na última semana, a segurança pública estremeceu a relação entre o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro mais popular, Sérgio Moro. Pressionado pelos secretários de segurança estaduais, o chefe do Planalto cogitou retirar a pasta da Segurança Pública do ministério da Justiça, esvaziando o trabalho de Moro. Na chegada à India, Bolsonaro voltou atrás na proposta, de forma a controlar a crise que ele próprio estimulou. À parte o interesse político daqueles que pretendem atingir o prestígio de Moro, a disputa também está relacionada a uma mudança recente na realidade brasileira: a redução dos índices de criminalidade.
Há dois anos, os índices de criminalidade no Brasil, em especial o de mortes intencionais, registram queda acentuada e sequencial. No entanto, em estados do Norte e Nordeste, as forças de segurança têm dificuldade em combater a violência. A expansão de facções na região desafia as autoridades e mantém em alta o número de homicídios, em decorrência da disputa por território. Nas demais localidades, porém, a queda no número de mortes nem sempre significa que o poder público está ganhando força. Pode revelar, na verdade, o domínio de apenas uma facção criminosa, criando uma falsa sensação de eficiência do poder público e gerando uma máscara para esconder a verdadeira face do crime.
Em meio à necessidade de formular constantes políticas para o setor, o governo se vê em meio à polêmica de dividir as ações de Justiça e Segurança em duas pastas, algo que ocorreu no governo do ex-presidente Michel Temer, período em que as taxas de criminalidade começaram a reduzir. O presidente sinalizou aos secretários de Estado de Segurança que estudaria o pedido deles para avaliar a recriação da pasta de Segurança. A proposta irritou o ministro Sergio Moro, que veria seu ministério esvaziado com a perda de comando sobre a Polícia Federal e sobre o combate ao crime organizado. Bolsonaro recuou dois dias depois e descartou a separação das pastas.
De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, os maiores índices de homicídios dolosos a cada 100 mil habitantes atualmente são registrados no Norte e Nordeste. Na região Norte, ocorreram, de janeiro a setembro de 2019, 3.937 homicídios dolosos, o que representa uma taxa de mortalidade de 21,65 pessoas a cada 100 mil habitantes. No Nordeste foram 12.032, com taxa de 21,20. No mesmo período, no Centro-Oeste, ocorreram 2.478 mortes, com uma taxa de 15,40 homicídios dolosos a cada 100 mil habitantes. No Sudeste, região que concentra a maior taxa populacional do país, estão os índices mais baixos. Foram 7.783, com taxa de mortes de apenas 8,87 a cada 100 mil habitantes.
Em todo o país, o número de homicídios caiu 21,9% nos primeiros nove meses do ano passado, em relação ao mesmo período do ano anterior. Esta foi a primeira vez que o governo realizou este tipo de avaliação. Até então, os números da violência eram restritos a organizações civis e universidades, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que ainda faz o estudo mais completo e abrangente sobre o tema. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum anualmente, em 2018, o país registrou 57 mil mortes violentas intencionais. Os dados do governo falam em 49.079 mil homicídios dolosos no mesmo período, número expressivamente menor. O levantamento do Ministério se baseia em boletins de ocorrência registrados pelas polícias dos estados. O estudo do Fórum leva em consideração várias fontes, como dados das secretarias de segurança pública das unidades da federação e balanços regionais.
Recorde em 2017 Em 2017, foi registrado o recorde histórico, com 63 mil assassinatos. No ano seguinte, na gestão Temer, a redução foi de 10%, na primeira baixa significativa dos homicídios em uma série de aumento constante da violência desde 2011. O cientista político Guaracy Mingardi, mestre pela Universidade de Campinas (Unicamp), doutor pela USP, ex-investigador da polícia, e especialista em Segurança Pública, destaca que a redução dos dados criminais não significa que o Estado está vencendo a guerra contra o crime organizado. “Não tem lugar mais sob domínio de facções que São Paulo. No entanto, os crimes vêm caindo há 20 anos. As taxas de roubo independem de presença do crime organizado ou não. Já os assassinatos têm íntima ligação com estes grupos. No Nordeste, em 2018 e no ano passado, teve uma briga entre o Comando Vermelho e PCC, que disputam o território, por isso registram maiores taxas de mortes dolosas”, disse.
Para Leonardo Sant’Anna, coronel aposentado da Polícia Militar do Distrito Federal e especialista em segurança pública, o poder público não deve se concentrar apenas em mudar a legislação, mas também em políticas públicas para reduzir a desigualdade e a pobreza. “O Estado, hoje, não investe no jovem, no cidadão. Ele foca no criminoso, e o jovem desocupado fica mais vulnerável para ser cooptado pelas facções criminosas”, afirma.