Previsto na Constituição Federal, o teto salarial para servidores públicos – R$ 39.293,32 pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – foi ignorado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) no ano passado. O pagamento médio líquido (já descontados a contribuição previdenciária e o imposto de renda) para juízes e desembargadores em 2019 foi de R$ 47,4 mil, mais de R$ 8 mil acima do teto. Apenas com auxílio para moradia, saúde, alimentação, transporte e outros tipos de gratificações extras, os magistrados custaram R$ 76.117.777,27 aos cofres mineiros, uma média de R$ 3.825,59 por contracheque.
Levantamento feito pelo Estado de Minas a partir de dados públicos com todas as folhas de pagamento para os magistrados mineiros em 2019 mostra que, em oito meses, a média de recebimentos dos juízes e desembargadores ficou bem acima do máximo previsto pela lei. Entre janeiro e dezembro de 2019, mais de 60% dos contracheques pagos aos magistrados em Minas extrapolaram os R$ 39,2 mil em rendimento líquido. Em 13 casos, os pagamentos mensais ultrapassaram R$ 300 mil, sendo que em dois deles os valores superaram R$ 700 mil.
O auxílio pago aos magistrados nas Justiças estaduais, tribunais de contas e Ministério Público – como auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde, férias prêmio e outras gratificações – é legal de acordo com regulamentações e resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Decisões dos tribunais superiores não consideraram tais vantagens na conta do teto. No entanto, os valores acabam fazendo com que os rendimentos líquidos de grande parte dos juízes e desembargadores ultrapassem o salário máximo previsto em lei.
Ao longo de 2019, foram 936 contracheques de juízes e desembargadores mineiros que apontavam rendimentos líquidos superiores a R$ 100 mil. Outubro foi o mês mais representativo nesse sentido. O estado pagou, já descontados os impostos, valores superiores a R$ 100 mil a 555 magistrados. Em seguida, aparecem maio (260) e agosto (99). Essas foram as três folhas com maiores rendimentos líquidos de juízes e desembargadores em 2019: R$ 116,1 milhões em maio, R$ 101,8 milhões em agosto e R$ 105,1 milhões em outubro.
Houve ainda 13 magistrados que tiveram rendimentos superiores a R$ 300 mil num mês, já descontados os impostos. Os casos que mais chamam a atenção são os do juiz de entrância especial Paulo Antônio de Carvalho, que recebeu R$ 752.159,39 em abril, e do desembargador Orlando Adão Carvalho, com R$ 703.940,97 em outubro.
Os dois foram os magistrados mineiros com maiores rendimentos líquidos em 2019, com valores superiores a R$ 1 milhão. Paulo Antônio de Carvalho recebeu R$ 1.369.848,33 (média mensal de R$ 114,1 mil), enquanto Orlando Adão Carvalho ficou com R$ 1.325.786,60 (média mensal de R$ 110,4 mil). Outros quatro magistrados receberam mais de R$ 1 milhão livres em 2019: a juíza de segunda entrância Lúcia de Fátima Magalhães Albuquerque Silva (R$ 1.168.826,83), os juízes de entrância especial Ruy Nogueira de Sá Filho (R$ 1.142.673,34) e Abenias César de Oliveira (R$ 1.097.021,99), além da desembargadora Denise Pinho da Costa Val (R$ 1.033.656,83).
Nesses casos, o rendimento líquido aumenta de forma significativa por causa dos valores referentes ao item “vantagens eventuais” dos dados acessados pelo Estado de Minas. Essa categoria engloba pagamentos referentes a “abono constitucional de um terço de férias, indenização de férias, antecipação de férias, gratificação natalina, antecipação de gratificação natalina, serviço extraordinário, substituição, pagamentos retroativos, além de outros desta natureza”.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais informou que os valores pagos aos magistrados mineiros são previstos pela legislação e que não se manifestaria sobre casos individuais. “O detalhamento de cada magistrado pode ser encontrado no site do CNJ e o TJ não irá se pronunciar sobre casos individuais. Todos os valores pagos são legalmente devidos e referem-se a vantagens e benefícios acumulados ao longo da carreira dos magistrados, como férias e férias prêmio vencidas e não usufruídas. São verbas indenizatórias, que não incidem no cálculo do teto constitucional”, diz a nota do tribunal.
Já o Conselho Nacional de Justiça informou que, de acordo com a Constituição “valores de subsídio é que não podem superar o teto”. “Em cada caso, é preciso verificar a que rubrica o excedente se refere, como por exemplo, pagamentos retroativos, férias ou gratificações. O acompanhamento dos valores pagos aos magistrados é feito pela Corregedoria Nacional de Justiça, que pode, de ofício ou se instada, requerer informações e determinar medida de adequação”, diz o órgão por meio de nota. Segundo o órgão, em 2019, não houve nenhum questionamento sobre salários de magistrados extrapolarem o teto constitucional.
SEM CORTES NA FOLHA
Entre os mais de 1,6 mil magistrados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, apenas dois tiveram seus salários reduzidos no ano passado por exceder o teto de R$ 39,2 mil. Ao longo do ano, os desembargadores Unias Silva e Llewellyn Davies Antônio Medina tiveram, juntos, deduções em 19 contracheques mensais.
Porém, levantamento do Estado de Minas a partir de dados publicamente disponíveis mostra que 11.958 dos 19.897 demonstrativos de pagamento (mais de 60%) de magistrados de Minas Gerais referentes ao ano passado apontaram vencimentos superiores ao limite estabelecido pelo artigo 37 da Constituição Federal.
Em 2019, o valor total descontado por ultrapassar teto constitucional no TJMG foi R$ 58.398,20. Unias Silva, que morreu em agosto passado, teve R$ 36.257,90 retidos em sete folhas (R$ 5.179,70 por mês). Já os valores deduzidos de Llewellyn Davies Antônio Medina somam R$ 22.140,30 (R$ 1.703,10 entre janeiro e novembro e R$ 3.406,20 em dezembro, quando recebeu o 13ª salário).
Se considerados valores brutos, os pagamentos aos magistrados custaram R$ 1.159.886.362,00 aos cofres públicos. Deste número, foram descontados R$ 216.060.604,80. Os poucos mais de R$ 58 mil debitados por teto constitucional dos dois desembargadores correspondem a menos de 1% do total – mais precisamente 0,02%.
Imposto de Renda é o principal responsável pelas retenções nos contracheques dos magistrados, com dedução de R$ 146.456.654,44 (mais de 67% do total). Os débitos restantes se dividem em duas categorias: Previdência Pública (R$ 69.545.420,52) e “descontos diversos” (R$ 131,64).
Gastos estourados
O Poder Judiciário federal e o Ministério Público da União ultrapassaram o teto de gastos em 2019, segundo informações do Tesouro Nacional. A Emenda Constitucional 95, que instituiu o teto de gastos em 2016, permitiu que o Executivo federal compensasse o gasto extra dos demais poderes por três anos – de 2017 a 2019. A partir de 2020, isso não pode mais ser feito, e os órgãos terão que controlar despesas para se adequar à regra.No total, a União desembolsou R$ 2,49 bilhões para enquadrar os demais poderes ao teto.
A compensação já estava autorizada no orçamento do ano passado. Por isso, o governo entende que os órgãos cumpriram a norma. O Judiciário gastou R$ 2,4 bilhões a mais do que o limite estabelecido, que permitia despesas de até R$ 41,5 bilhões em 2019. A Justiça do Trabalho foi o órgão que mais ultrapassou o “teto”, com gasto extra de R$ 1,63 bilhão. Em seguida, estão: Justiça Federal (R$ 514,3 milhões acima do teto), Justiça Eleitoral (R$ 97,9 milhões), Justiça do Distrito Federal e Territórios (R$ 80,2 milhões), Supremo Tribunal Federal (R$ 70,7 milhões), Justiça Militar da União (R$ 6,6 milhões)e Conselho Nacional de Justiça (R$ 3,8 milhões).
O Ministério Público da União ultrapassou o “teto” em R$ 83,9 milhões. O MPU reúne o Ministério Público Federal, o MP do Trabalho, o MP Militar e o MP do Distrito Federal e Territórios. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que também compõe a administração federal, ultrapassou o teto em R$ 6,1 milhões.
A compensação já estava autorizada no orçamento do ano passado. Por isso, o governo entende que os órgãos cumpriram a norma. O Judiciário gastou R$ 2,4 bilhões a mais do que o limite estabelecido, que permitia despesas de até R$ 41,5 bilhões em 2019. A Justiça do Trabalho foi o órgão que mais ultrapassou o “teto”, com gasto extra de R$ 1,63 bilhão. Em seguida, estão: Justiça Federal (R$ 514,3 milhões acima do teto), Justiça Eleitoral (R$ 97,9 milhões), Justiça do Distrito Federal e Territórios (R$ 80,2 milhões), Supremo Tribunal Federal (R$ 70,7 milhões), Justiça Militar da União (R$ 6,6 milhões)e Conselho Nacional de Justiça (R$ 3,8 milhões).
O Ministério Público da União ultrapassou o “teto” em R$ 83,9 milhões. O MPU reúne o Ministério Público Federal, o MP do Trabalho, o MP Militar e o MP do Distrito Federal e Territórios. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que também compõe a administração federal, ultrapassou o teto em R$ 6,1 milhões.
Saiba mais
Limite previsto na Constituição de 1988
Artigo 37 – (...) XI – A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos municípios, o subsídio do prefeito, e nos estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos feputados estaduais e distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos procuradores e aos defensores públicos;