Brasília – O Ministério Público Federal deu cinco dias para que o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, esclareça os critérios de concessão do Bolsa-Família. O pedido de informações foi feito após a divulgação da informação de que a Região Nordeste ficou com apenas 3% das famílias contempladas em janeiro deste ano, embora a região tenha o maior número de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza na fila do programa. Enquanto isso, Sul e Sudeste foram priorizadas e receberam 75% das novas concessões.
Leia Mais
Tasso, sobre Bolsa Família: pode significar rompimento do NE com governo federalSenadores vão ao TCU pedir auditoria em Bolsa Família no NordesteComissão aprova relatório de MP e torna permanente 13º para Bolsa Família e BPCBeneficiários do Bolsa-Família recebem 3ª parcela do auxílio emergencialO MPF também solicita que Onyx indique os critérios e conjunto de indicadores sociais utilizados pela pasta para estabelecer as situações de vulnerabilidade social e econômica utilizados na seleção de beneficiários. A procuradoria pediu ainda informações sobre a cobertura do programa Bolsa-Família por Estado.
"No caso da indisponibilidade orçamentária eventual para expandir o programa no ritmo necessário para alcançar novas famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, os critérios para priorização na concessão dos benefícios devem ser claros e lícitos, não havendo qualquer possibilidade de preferências ou perseguições políticas", destaca a Procuradoria.
Como mostrou a reportagem, antes de ter sua fatia nas concessões do Bolsa- Família reduzida a 3% em janeiro de 2020, o Nordeste vinha respondendo por 35% a 39% dos novos benefícios ao longo de 2019. A queda na participação da região ocorreu justamente em janeiro, mês de maior liberação de pedidos após sete meses de freio no programa social.
Em fevereiro, quando houve novo freio nas concessões, o Nordeste voltou a responder por uma fatia maior de novos benefícios: 39,5%. Nesse mês, foram apenas 4,8 mil novos contemplados, 1,9 mil deles nordestinos. Nas eleições de 2018, a Região Nordeste foi a única que votou majoritariamente no candidato do PT, Fernando Haddad. No segundo turno, o petista teve 69,7% dos votos válidos, ante 30,3% de Bolsonaro. Nas demais regiões, o atual presidente foi o vencedor. No Sul, conseguiu a maior vantagem: 68,3% ante 31,7% de Haddad.
"Embora pareça inconcebível que o governo federal esteja deliberadamente preterindo a região Nordeste em um programa de transferência de renda destinado a erradicar a pobreza, essa hipótese não pode ser prontamente descartada", afirma o Ministério Público Federal. O órgão lembra que, sob a atual gestão, o Nordeste também ficou para trás na concessão de novos empréstimos pela Caixa, como revelou a agência Estado em julho do ano passado. A Procuradoria cita ainda declarações do presidente da República, também em julho de 2019, "sugerindo uma possível perseguição aos estados da região, por questões políticas".
Na última sexta, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), tido como apoiador da agenda de reformas do governo, publicou um duro posicionamento nas redes sociais alertando que a menor concessão de benefícios do Bolsa-Família para o Nordeste pode significar o rompimento da região com o governo federal. A bancada do Nordeste tem 151 deputados e 27 senadores.
No ofício, o Ministério Público Federal lembra que um decreto de 2004 prevê que as famílias elegíveis e identificadas no Cadastro Único poderão ser selecionadas a partir de um conjunto de indicadores sociais capazes de estabelecer as situações de vulnerabilidade social e econômica, que deve ser divulgado pelo governo. O Nordeste tem 1,314 milhão de famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza ainda sem receber o benefício, 36,8% do total de 3,57 milhões de famílias nessa condição no país.
Segundo a Procuradoria, portaria de 2009 editada pelo então Ministério do Desenvolvimento Social prevê outras regras em caso de necessidade de priorização do benefício, levando em conta os índices de cobertura do programa em relação às estimativas de famílias em situação de pobreza.
Censo demográfico
Em meio à polêmica, no entanto, os critérios de concessão também estão na berlinda. Isso porque a estimativa em questão leva em conta o Censo Demográfico de 2010 - que já não retrata fielmente a renda das famílias nas regiões, sobretudo num momento após crise econômica. Com isso, a cobertura nas regiões poderia estar superestimada nos Estados mais pobres, que já contam com maior número de benefícios concedidos, mas ainda têm uma longa fila que não é levada em consideração nas novas concessões.
O ofício esclarece que a existência de famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza cadastradas no CadÚnico e sem receber os benefícios deve sempre ser transitória, apenas pelo tempo estritamente necessário para trâmite burocrático e, eventualmente, para obtenção de disponibilidade orçamentária.
"O Estado é obrigado a atender todas as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza com o Bolsa-Família, desenvolvendo ações para ampliar o cadastro, especialmente para alcançar locais mais pobres e de difícil acesso, concedendo os benefícios e garantindo recursos para seu pagamento", diz o documento. Segundo o MPF, essa obrigação vinha sendo cumprida em 2017 e 2018, com a fila de espera pelo benefício "constantemente sendo zerada".