O adiamento das manifestações marcadas para este domingo, 15, por causa do coronavírus não poupou o Congresso de ataques. Mesmo após ter vivido a maior renovação da história recente nas eleições de 2018, o Legislativo ainda é alvejado por críticas, como mostram pesquisas de opinião.
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Apoiadores de Bolsonaro se dividem entre manter e cancelar manifestação do dia 15 de marçoDe máscara, Bolsonaro desconvoca manifestação e afirma: 'Já foi dado um recado ao Parlamento'Regina Duarte apaga um dos posts de apoio à manifestação anti-CongressoBolsonaro passa de carro ao lado de manifestação em Brasília e atende apoiadores em BrasíliaApoiadores ignoram pedido de Bolsonaro e se manifestam na Praça da Liberdade, em BHNo Twitter, Bolsonaro posta vídeos de manifestação no ParáA percepção negativa se reflete nas pesquisas. Divulgado em dezembro, levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre a imagem das instituições mostrou que 79% das pessoas não confiam no Congresso. Apenas 10% acham a atuação do Parlamento ótima ou boa.
No diagnóstico de ex-presidentes, políticos e analistas ouvidos pela reportagem, a explicação passa pelo excesso de privilégios dos parlamentares, por práticas de corrupção e "toma lá dá cá" e pelo hiato entre o resultado de votações no plenário e a melhoria no cotidiano da população.
Foi uma discussão sobre a concentração de uma fatia de recursos públicos nas mãos de deputados e senadores que levou Bolsonaro a alimentar a fogueira acesa dias antes pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. O chefe do GSI provocou um terremoto político ao acusar o Congresso de chantagear o Executivo.
Bolsonaro compartilhou um vídeo por WhatsApp incentivando as manifestações em defesa do governo - como revelou o jornal O Estado de S.Paulo - e, a partir daí, a convocação de atos contra o Congresso e o Judiciário foi feita nas plataformas digitais. Na prática, ao mesmo tempo em que impulsiona novas figuras da política, o terreno virtual expõe o poder.
Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, trata-se de um sintoma da crise de democracia representativa. "Com as redes sociais, as pessoas opinam diretamente e imaginam que as instituições representativas são dispensáveis", disse FHC. "A Lava Jato mostrou a teia que envolveu governo, empresas e alguns parlamentares. Além disso, o Poder Legislativo sempre foi mais aberto e, também, mais fácil de ser criticado."
Desgaste
O retrospecto do Congresso não ajuda. Escândalos como o dos anões do Orçamento (1993), do mensalão (2005) e a prisão do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), em 2016, afetaram a imagem do Legislativo e o desgaste se tornou irrestrito.
Na avaliação do ex-presidente Michel Temer, a generalização atrapalha. "Há uma tentativa de desacreditar o Congresso, uma coisa meio doentia até, e negativa para o País", afirmou ele, que também foi alvo da Lava Jato. "Algumas ações judiciais propostas contra membros do Legislativo, ao longo do tempo, criaram essa visão negativa de um órgão que é muito positivo para a democracia." Temer presidiu a Câmara três vezes.
A baixa credibilidade não é apenas saldo dos ruidosos protestos de 2013. Para o historiador e cientista político José Murilo de Carvalho, o descontentamento se agravou após 1964. "A ditadura manteve a instituição em situação de humilhante dependência do Executivo. Os eleitores eram obrigados a participar de uma farsa em que elegiam representantes que não os representavam e usavam o mandato apenas em benefício próprio, em arranjos clientelistas."
Trinta e cinco anos após o fim do regime, o resultado das urnas de 2018 sinalizava o início de uma nova relação entre representantes e representados. Naquele ano, surgiram novos personagens para 46 das 54 cadeiras em disputa no Senado e a Câmara mudou sua composição em 52%. Mesmo assim, esse aspecto não foi capaz de alterar de forma expressiva a opinião do eleitor. Pesquisa da XP Investimentos, feita em fevereiro, apontou que a avaliação ótima ou boa era de 19% quando os atuais parlamentares tomaram posse, caiu ao longo do ano e chegou a 10%. E, para 52% dos entrevistados, a expectativa para os próximos seis meses não é melhorar nem piorar. É ficar tudo como está.
As pessoas não entendem as atribuições dos Poderes e o senso comum prevalece, sobretudo entre aqueles que não acompanham e não conhecem as atribuições das Casas. É o que observa o cientista político Jairo Nicolau, professor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV. "A população não tem noção da renovação. Sabe de um nome ou outro, mas não acompanha milimetricamente a atividade parlamentar. E a ideia dos privilégios, da autoproteção do Congresso, é bem explorada nas redes sociais."
Embora sejam alvo de críticas, líderes do Congresso estão convencidos de que atendem às demandas populares. Citam o trabalho para a aprovação das reformas e do equilíbrio fiscal como sinal de responsabilidade e consideram injustos os ataques sofridos pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Contribuição
O ex-senador e ex-ministro Cristovam Buarque disse, porém, que a contribuição do Congresso ainda é pequena. "Onde o povo vê a construção de uma coesão e de um rumo para o País? O povo não vê. Claro que pior que o Congresso é o presidente que temos hoje. Mesmo assim, (o Legislativo) não atrai a simpatia da população pelo excesso de privilégios que têm os parlamentares em relação ao Brasil."
Para o jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira, o Congresso tem se empenhado em algumas boas decisões reformistas. "Mas continua cobrando pedágios, na forma de fundos eleitorais, etc."
O próprio processo de escolha de candidatos aparece no radar das críticas ao Congresso. O sistema brasileiro é o proporcional. Com isso, não necessariamente o deputado mais votado ganha. Eleito 11 vezes para a Câmara, o ex-deputado e ex-ministro Miro Teixeira considera "um desastre" esse modelo. "O sistema de voto proporcional com quociente eleitoral se esgotou. No voto majoritário, a expressão popular do parlamentar contribui para o fortalecimento da instituição. No proporcional, é a instituição que vai fortalecer o titular do mandato."
Professor da USP, José Álvaro Moisés também questiona o sistema proporcional, em que correligionários disputam entre si, coligações põem ideologias distintas no mesmo pacote e candidatos menos votados podem ser eleitos. "Isso explica a distância que o Legislativo tem com relação aos representados. Em seis meses, as pessoas esquecem em quem votaram e não têm mais conexão."
'Manifestações ficaram pequenininhas'
O chef e empresário Junior Durski, dono da rede de restaurantes e hamburguerias Madero, disse à reportagem que o ato convocado para hoje ficou "pequenininho" diante da pandemia do novo coronavírus. "Tudo que estou fazendo nesse momento é olhar o coronavírus, administrando uma crise chegando", afirmou Durski, que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro e sócio do apresentador Luciano Huck, apontado como candidato ao Planalto em 2022.
O sr. vai ao ato no Paraná?
Não sei. Tenho 3 milhões de clientes por mês para atender. Tudo que estou fazendo nesse momento é olhar o coronavírus, administrando uma crise chegando. Acho que isso é outra história. Não sei se deve ter ou não (manifestação). Não sei como vamos acordar amanhã com esse coronavírus. Acho que isso não é a prioridade no Brasil e não é a minha prioridade agora. Esse negócio de manifestação virou pequenininho perto do tamanho dessa crise que está chegando.
Fizeram campanha de boicote ao Madero após o sr. declarar apoio a Bolsonaro. Isso pegou?
Não pega. O barulho nas redes sociais não é o que as pessoas pensam. A rede social é muito dura. As pessoas que estão nas redes são muito provocativas, dos dois lados. Nunca foi meu estilo, meu negócio. Brigar é uma coisa, no mínimo, não inteligente. Se as pessoas não se entendem, que tentem conversar e se não der corta a relação e toca a vida. Com respeito. A rede social não funciona assim. É uma coisa chata que faz parte do Brasil.
O sr. se arrependeu de ter feito o vídeo de apoio ao ato?
Não me arrependi, mas também não me orgulho, não me aplaudo. Por que eu não fico quieto e vou fazer hambúrguer? Esse é o ponto. Estou muito mais preocupado com a chegada do coronavírus, o que a gente pode fazer para ajudar e se defender. Esse é o assunto do momento. Minha obrigação como patriota é tentar ajudar nesse problema. O coronavírus não vai escolher a direita ou a esquerda para infectar, vai pegar todo mundo e todo mundo está junto.
Como fica sua relação com seu sócio Luciano Huck, que tem projeto político?
Já conversamos muito, é meu amigo de longa data. Politicamente, ele tem opiniões diferentes da minha, e eu respeito muito a opinião dele. Se ele fosse presidente, seria muito bem-intencionado, tentaria fazer um bom governo e tem toda a condição para isso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.