“Esse é um vírus da solidão. A febre é suportável, a tosse é suportável. Mas ficar sozinho é terrível.” Foi assim que Gabriel Azevedo (sem partido), vereador de Belo Horizonte, começou a entrevista exclusiva com o Estado de Minas, feita a distância. O parlamentar foi diagnosticado com o coronavírus na última terça-feira e, desde então, se mantém em isolamento domiciliar em um apartamento próprio.
O caso fez com que a Câmara Municipal da capital mineira fosse fechada temporariamente. A expectativa de reabertura da Casa é na próxima quinta-feira. No dia anterior ao resultado do teste em Gabriel, os trabalhos no Parlamento aconteceram normalmente.
O Estado de Minas procurou o vereador, que falou sobre o delicado momento de pandemia que se vive devido ao COVID-19, da sensação de estar com a doença e também das atitudes dos poderes públicos, tanto estadual quanto municipal. Leia, abaixo, a íntegra da entrevista:
Como o sr. se sente, está bem? Como o coronavírus afetou sua saúde, tanto mentalmente quanto fisicamente?
Estou no meu apartamento isolado e sozinho desde a tarde de segunda-feira. Naquele momento, eu não apresentava nenhum sintoma. Não tive contato com ninguém que apresentasse sintomas. Decidi me isolar depois de ler uma notícia, no mesmo dia, informando a possibilidade de contágio de uma pessoa com quem estive na última sexta, no Mercado Central. Por precaução, vendo o caminho que algumas nações tomaram, já tinha decidido agendar o teste em mim, na minha equipe e na minha família na quinta da semana passada. E fomos testados dois dias depois, no sábado. Todos os exames foram negativos, menos o meu. Fiquei completamente surpreso com o resultado apresentado na última terça. Todavia, pensei que pelo menos já tinha decidido ficar isolado desde o dia anterior. Hoje (quinta-feira), comecei a apresentar febre e tosse. Isso é suportável. Ficar sozinho é terrível, embora seja a única medida a se tomar. Sou resiliente. Tenho recebido muitas mensagens positivas. Isso ajuda nessa hora.
O sr. recebeu a notícia de que contraiu a doença um dia depois de estar com todos os colegas na Câmara de BH. Como isso te afetou?
Essa tem sido a pior sensação da minha vida. Na última quinta, era meu aniversário. Iria jantar num restaurante com minha família e cancelei. Tanto minha mãe quanto meu pai possuem mais de sessenta anos e, no dia anterior, a OMS tinha declarado a pandemia. Ouvindo pessoas dizerem que iniciaram trabalho remoto em São Paulo, decidi colocar todos os servidores do meu gabinete em suas residências. Liguei para a presidente da Câmara e a avisei. Também sugeri várias medidas e disse que tínhamos de criar uma comissão para isso. Pedi para cancelar todos os meus compromissos externos a partir de segunda. Deixei de ir em festas no fim de semana. Imaginei que estava tomando todas as medidas corretas reduzindo minha atividade ao mínimo. Na segunda, meus colegas sabem disso, não cumprimentei ninguém na sessão extraordinária e orientei todos a fazerem o mesmo. Votamos o plano de carreira de servidores de saúde e ainda discursei dizendo que dependeríamos muito deles. Estávamos em plenário ouvindo o barulho de furadeiras instalando recipientes de álcool em gel que eu tinha sugerido. Disse a vários vereadores para se cuidarem. Estive em um shopping para comer e acabei sem me alimentar por receio. Fui a um serviço de podologia lá e só o fiz ao ver que usavam luvas e máscaras. Fui escolhido para compor a comissão pela presidente e já tinha sugerido inclusive o trabalho remoto para todos. A reunião da comissão foi meu último compromisso antes de me isolar. Portanto, saber depois que eu já estava contaminado e assintomático foi terrível.
O que o sr. pensou?
A sensação de ter contaminado alguém sem saber é a pior coisa para alguém que sente que precisa cuidar da cidade. Não apenas pelos meus colegas vereadores. Estive com mãe, pai, tia e uma avó que sofreu com um Acidente Vascular Cerebral (AVC) recentemente. Eu não colocaria o que tenho de mais precioso em risco. E não faria isso com ninguém. Só não poderia imaginar que estava contaminado. E isso me assusta. Outras pessoas podem não sentir sintomas e portar o vírus também. Que meu exemplo sirva para alertar a população.
Como será o trabalho da comissão especial da Casa que tratará do coronavírus?
Sigo na comissão. Criamos um grupo de WhatsApp, e estou nele. Agradeço o carinho dos colegas que ligaram nesse momento que parece um ostracismo, a pior condenação que um cidadão poderia receber em Atenas na antiguidade. Quero continuar ajudando. Já sugeri à presidente formas da Câmara seguir de forma remota. Temos que ajudar o prefeito nesse momento. Ele pode precisar do Legislativo para medidas emergenciais. Por enquanto, a decisão mais impactante da comissão foi fechar a Câmara. Ironicamente, já tinha sugerido isso, mas foi justamente pelo meu contágio que tal fato ocorreu. Espero que ao menos isso tenha servido para evitar outros infectados com esse vírus.
Como o sr. vê o trabalho do prefeito e do governador em meio à pandemia de coronavírus?
Espero que o prefeito e o governador encontrem total sintonia nessa hora. É momento de deixar qualquer diferença de lado. Precisamos prevalecer. Precisamos cuidar das vidas. Não é possível julgar algo que nunca foi vivenciado por todos nós. Estou isolado num apartamento, mas há muitas pessoas em situação de rua na cidade. Há muita miséria. Há gente que não consegue se manter. Precisamos pensar nessas pessoas o tempo todo. E isso aumenta a responsabilidade de quem está exercendo o poder. Precisamos de isolamento social com urgência. Sugeri que utilizem espaços vazios, como o antigo hotel Othon Palace. Fico preocupado vendo o movimento que segue no centro da cidade da minha janela. É hora de empatia. Esse vírus pode não representar risco para muitos, mas pode ser fatal para outros. Que ele sirva ao menos para transformar nosso mundo num local mais solidário.
O sr. tem uma expectativa de quando poderá voltar ao trabalho?
Os médicos que conversaram comigo disseram que, passado o tempo necessário, estarei imune. Isso significa que vou poder sair novamente. E quero fazer isso o mais rápido possível para ajudar as pessoas que estão precisando. Para alguém como eu, terrível nisso tudo é ver limitada minha atuação. Espero ao menos conscientizar as pessoas com a minha própria situação: não estamos diante de algo banal. Tenho conversado com outras pessoas infectadas. Criamos uma rede de apoio. Muitas choram bastante. Sofrem com a solidão. Sofrem com o preconceito. Precisamos entender que isso vai passar. Precisamos entender que ninguém quis contrair esse vírus. E precisamos tirar de tudo um aprendizado para nos aprimorarmos como civilização. O planeta, ficou evidente, é um só.