Nem os militares do governo conseguem "enquadrar" Jair Bolsonaro. Nos bastidores do Congresso e do Supremo a impressão é cada vez mais frequente: dois Bolsonaros parecem habitar o Palácio do Planalto. Um deles recua algumas casas no jogo quando a popularidade cai, mas o outro, logo em seguida, desfaz tudo o que o primeiro fez e avança no estilo beligerante.
A condução da crise do coronavírus deixou evidente essa característica. Em conversas reservadas, interlocutores do presidente dizem que ele se sente "perseguido", desconfia da equipe e emite sinais trocados porque trabalha com a lógica das redes sociais.
Um amigo de Bolsonaro o define como um lutador de box solitário, em um ringue, onde a maioria da plateia sempre quis que ele fosse a nocaute. "Foram 28 anos assim. Agora, querem que ele passe a ser um jogador de xadrez. Mas isso é contra a sua natureza", resumiu o interlocutor, da ala militar do governo.
Os últimos movimentos de Bolsonaro, porém, fazem parte de um cálculo político. Na terça-feira, 31, uma semana após o pronunciamento em que chamou a covid-19 de "gripezinha", Bolsonaro baixou o tom, sintonizou o discurso com o do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e até parecia outro presidente. Para essa nova atuação, ouviu generais de dentro e de fora do Planalto e consultou interlocutores como o ex-presidente Michel Temer.
A mudança, porém, não durou um dia. Incentivado pelo "gabinete do ódio", Bolsonaro voltou a ser Bolsonaro e atacou governadores. "Partimos para o socialismo. Todos dependentes do Estado até para comer, grandes empresas vão embora e o pequeno investidor não existe mais", previu o filho Carlos Bolsonaro no Twitter. Diz a fábula que a natureza do escorpião é mesmo picar. Ao que tudo indica, esta é a natureza do presidente. E também de seus filhos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.