Apesar do esforço fiscal, comandado pelo secretário municipal da Fazenda, Fuad Jorge Noman Filho, para elevar, nos últimos três anos, as receitas da capital mineira – que apontavam para o fechamento de 2020 com recursos em caixa para fazer face aos restos a pagar legados à próxima gestão – agora, o novo cenário que se apresenta é de incerteza. O enfrentamento da pandemia, que obriga a adoção de medidas drásticas para conter a velocidade de disseminação da doença, pode representar perdas de arrecadação para Belo Horizonte que variam de R$ 200 milhões – em projeção para um PIB igual a zero – a até R$ 500 milhões, caso se aprofunde uma recessão, com retração do PIB de 4% a 5%.
Os próximos meses serão difíceis, mas, apesar disso, na PBH, a expectativa é honrar os compromissos com folha de pessoal e investimentos emergenciais para a assistência da população. À projeção de queda de receita somam-se despesas emergenciais de 2020. Em janeiro, por causa das chuvas, foram estimados investimentos de R$ 200 milhões para recuperar a cidade. E agora, com o drama da pandemia, já foram anunciados pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD), pelo momento, investimentos adicionais de R$ 220 milhões na saúde e na assistência social aos alunos de escolas municipais, autônomos e às populações mais fragilizadas de vilas e favelas.
Em eventual cenário de PIB zero, por ora, entre perdas de receita e aumento de gastos, o resultado aponta para R$ 600 milhões a menos do inicialmente projetado em 2020, que representam cerca de 41% do que se arrecadou em 2019 com o IPTU. No pior cenário para o desempenho da economia, a PBH teria entre despesas adicionais e queda de arrecadação, R$ 920 milhões, o que corresponde a aproximadamente 62% da arrecadação do IPTU no ano passado.
Num período em que a economia brasileira andou de lado, e o governo do estado, em situação fiscal dramática, reteve inclusive os repasses constitucionais do ICMS devido aos municípios mineiros, as receitas de BH passaram de R$ 10,191 bilhões em 2016 para R$ 11,051 bilhões em 2019 – aumento nominal de 8,42%. No mesmo período, a receita tributária própria, que correspondia a 33% da receita corrente do município em 2016, teve incremento nominal de 22,5% em 2019, passando a representar 37,4% da receita corrente. Só com o ISSQN, a PBH arrecadou em 2019 R$ 1,58 bilhão; com o IPTU, R$ 1,45 bilhão, registrando em relação à arrecadação de 2017, primeiro ano do governo Kalil, um incremento desses tributos de 20,59% e 15,3% respectivamente.
“Viemos nos três anos com as contas no azul, terminamos 2019 com superávit de R$ 100 milhões. Entramos muito bem em 2020. Mas tudo aponta para um ano difícil. Emergência é emergência, não tem alternativa. É atender ao que tem de fazer para não faltar nada à população, como quer o prefeito”, afirma Fuad Noman, que apesar de projetar meses críticos pela frente, considera que o município não atrasará salários nem deixará de fazer os investimentos emergenciais necessários.
“Nao vai faltar salário ao funcionalismo”
O secretário municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão, André Reis, sustenta que Belo Horizonte fechou 2019 com receitas em caixa, projetando para a virada de 2020-2021 o cumprimento dos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, com as devidas provisões para quitar os restos a pagar de 2020 em 2021. As situações emergenciais enfrentadas pela cidade este ano, contudo, trazem risco de desequilíbrio das contas e muitas incógnitas.
Segundo André Reis, uma saída para o município seria o prorrogamento do pagamento dos juros e serviço da dívida de BH com os bancos da União, estimados em R$ 600 milhões para 2020. “O estoque da dívida de Belo Horizonte consolidado no terceiro quadrimestre de 2019 era de R$ 1,6 bilhão, que corresponde a cerca de 10% de nossa receita corrente líquida do ano passado”, afirma Reis.
Segundo ele, a prefeitura atravessará meses críticos, mas sem atrasar pagamentos do funcionalismo e sem que faltem os investimentos emergenciais à saúde. Mas como a prefeitura chegará ao fim de 2020 é uma incerteza. “Não temos o quadro completo. Nem do ponto de vista da arrecadação, que depende muito do desempenho da economia; nem dos investimentos emergenciais, já que, para se ter uma ideia, ainda estamos fazendo intervenções viárias que decorrem das chuvas e preparando a cidade para o novo período chuvoso do ano que vem”, disse Reis, considerando que a PBH ainda monitora mais de mil pontos de áreas de risco com sinalização de intervenções necessárias nas vilas e favelas.
“Mas olhando para os investimentos emergenciais na saúde e do pagamento das contas, vamos atravessar um período crítico, mas vamos dar conta de pagar tudo nos próximos meses. Não vai faltar salário ao funcionalismo, não há esse cenário. O maior desafio são insumos necessários para enfrentar a pandemia, que estão em falta no mundo todo”, acrescenta Reis.
Três perguntas para/FUAD JORGE NOMAN FILHO,
secretário municipal da Fazenda
Perda grande de receita
Qual é a diferença entre o orçamento de BH, inicialmente estimado para 2020, e a nova realidade projetada para a arrecadação deste ano?
O que vai acontecer não podemos adivinhar. Nosso orçamento estimado no ano passado para 2020 foi de R$ 13,7 bilhões. Mesmo com as dificuldades por que passava o país, estávamos dando pequenos passos, chegaríamos ao final deste ano talvez com PIB positivo. Mas agora a situação é muito difícil, temos incerteza muito grande do que vai acontecer em termos de receita. Dependerá do impacto na economia do país. Se tivermos recessão de 4% a 5%, as coisas se complicam muito mais. Se for de menos 1%, vai cair, mas menos. Em nossa projeção para o PIB zero, perderíamos aproximadamente R$ 200 milhões em receitas. Essa diferença, somada às despesas emergenciais deste ano, nos daria um impacto negativo de R$ 420 milhões no nosso orçamento inicialmente projetado, que se somam a outros R$ 200 milhões de despesas em obras emergenciais que decorrem das chuvas. Mas vai dar certo. Deus é grande.
O senhor poderia discriminar as despesas adicionais?
Primeiro, tivemos a chuva de janeiro e tivemos de adiar o pagamento de impostos – como o IPTU para todos que tiveram ruas e situações de dificuldades. Algumas pessoas foram anistiadas, outras tiveram o pagamento prorrogado. Com as chuvas gastamos perto de R$ 200 milhões para recuperar a cidade. Mas quando pensamos que estava superado esse problema, nos deparamos com a pandemia. E temos novas e inadiáveis despesas. Só para a Secretaria de Saúde, compramos material médico, liberamos R$ 100 milhões. Se incluirmos as cestas básicas – imprescindíveis para assistir à população carente neste primeiro momento, com a pandemia, os gastos vão chegar a R$ 220 milhões. Esta é a nossa projeção de despesa adicional para os próximos dois a três meses.
Muito tem se falado de uma dicotomia entre a necessidade de medidas sanitárias restritivas para conter a doença e o impacto dessas medidas na economia. Para o senhor, esta é uma dicotomia verdadeira, que está posta ou que deve balizar o papel do Estado neste momento?
É determinação do prefeito Alexandre Kalil apoiar a população no que for necessário. Vamos deixar a população ficar em situação de dificuldade extrema. Viemos nos três anos com as contas no azul, poderemos ter um ano difícil. Mas emergência é emergência, não tem alternativa. É atender o que tem de fazer. Então as contas vão ficar comprometidas. Mas a pergunta que fica é: o que é conta comprometida em relação à decisão do prefeito em atender a população de BH?. Não podem faltar máscaras, luvas e comida para a população que mais necessita. O prefeito tem sido mão firme em cima das ações. Um dia desses falou: “Deus dá o frio de acordo com o cobertor”. A liderança tem sido firme, forte. Preocupação dele é se está faltando comida? Não pode. Estamos preparados para atender os doentes? E ele tem uma equipe brava, coesa. Aqui está um secretário da Fazenda cuja obrigação é arrecadar e segurar o gasto. Mas numa situação dessas, nem se discute, tem de abrir mão de suas convicções econômicas, para atender à prioridade da vida e necessidades da população. Não sabemos o que vai acontecer.