Jornal Estado de Minas

CORONAVÍRUS

Vereadores de BH infectados falam sobre remédio, cura e força ao SUS


“Cheguei ao hospital praticamente carregado, com 53% do meu pulmão infeccionados. Pensei que ia morrer.” A descrição sobre o terror em torno da pandemia de coronavírus é de Jair di Gregório (PP), vereador de Belo Horizonte, um dos sete parlamentares da capital que contraíram a doença, assim como Bella Gonçalves (PSOL), Gabriel Azevedo (Patriota), Dr. Nilton (PSD), Irlan Melo (PL), Dr. Bernardo Ramos (Novo) e a presidente da Câmara Municipal, Nely Aquino (Podemos).


Entre variações de sintomas, projetos para o fim da quarentena e relatos sobre a cura, os vereadores contaram ao Estado de Minas como foram seus dias de convalescença e como projetam o futuro da capital após o turbilhão provocado pela pandemia.

Um vírus sobre o qual muito pouco se conhece atingiu de maneiras diferentes os vereadores. Jair di Gregório sofreu os efeitos com maior intensidade, por ser diabético, portanto, mais propenso a ter complicações decorrentes da doença, considerado integrante do grupo de risco.

“Fiquei 13 dias internado no Hospital Madre Teresa, confinado com minha esposa, que também deu positivo. Ela teve pouquíssimos problemas. Dor de cabeça, perdeu paladar, olfato comprometido por um tempo, uma febrezinha no primeiro dia. No meu caso, sou do grupo de risco, porque tenho diabetes”, relata o vereador.


Outra que sofreu com a COVID-19 foi Bella Gonçalves. “Tive sintomas fortes, febre alta, falta de ar, muito cansaço e dor no corpo”.

Em contraponto aos relatos acima, o vereador Irlan Melo disse ter sido muito pouco afetado pela doença.

“Do dia 15 para 16, estava com nariz entupido e dor de cabeça. No dia 16, estava com coriza. Quando, no dia 17, tivemos a informação de que o vereador Gabriel estava também com COVID-19, me desloquei até um hospital e colhi o exame. No dia 17 eu já não tinha mais sintoma nenhum e ficou assim o tempo todo. Tenho 44 anos e nenhuma doença preexistente, nenhuma comorbidade. Não senti nenhum desconforto, absolutamente nada”, destacou.

Confinamento

Após receber o diagnóstico, cada um dos vereadores teve que passar por período de isolamento, por medida de segurança, a fim de evitar a transmissão do vírus para outras pessoas. Uma realidade incomum e incômoda – mas necessária – para pessoas cujo trabalho depende do contato com a população.


Durante a quarentena, o trabalho teve de ser adaptado à nova realidade. Bella Gonçalves relata como tem exercido a função legislativa durante a pandemia, recorrendo às ações virtuais.

“Temos feito um trabalho remoto intenso, com muita responsabilidade. Fazemos reuniões várias vezes por dia. Estamos construindo propostas legislativas para poder pautar as políticas públicas do município. A gente faz reuniões com categorias de trabalhadores, com organizações da sociedade civil, para tentar diagnosticar onde está mais difícil a aplicação das medidas de segurança. Para fiscalizar o pode público”, conta a parlamentar.
 
Ela completa, dizendo que tem focado o trabalho na assistência às pessoas mais vulneráveis. “Uma das primeiras medidas que a gente tomou foi entrar em contato com as pastorais de rua, Ministério Público, Defensoria, órgãos que estavam preocupados com o isolamento social da população em situação de rua. Construímos documentos, ofícios, buscamos intermediação com a prefeitura para garantir, por exemplo, a ampliação dos restaurantes populares nos fins de semana, disponibilização de leitos, principalmente para idosos e pessoas com sintomas. Estamos acompanhando a situação das periferias e ocupações urbanas, pressionando a Copasa para garantir água onde não há abastecimento constante. São muitos desafios”, detalhou.


Além de impactar a atividade legislativa, as restrições de contato também afetam, obviamente, a vida pessoal dos parlamentares. Nely Aquino enfatiza o sentimento de satisfação ao poder deixar para trás o período de quarentena. E de como passou a valorizar situações aparentemente mais simples.

“Sinto um misto de alegria e alívio por saber que poderei rever as pessoas que amo e, ao mesmo tempo, o sentimento de alerta ainda pesa em meu coração. Aprendi a desacelerar, ver o nascer e pôr do sol, pude apreciar cada gracinha do meu filho, ser amada e cuidada pelo meu marido e, o mais importante, me reencontrei com a presença de Deus. Foram momentos intensos que em toda minha existência não tive a oportunidade de experimentar”, disse Nely Aquino por meio de seu Instagram ao anunciar o fim de seus dias de isolamento, em 31 de março.

Tratamento e cura

Gabriel Azevedo foi uma das primeiras pessoas de Belo Horizonte a ser diagnosticada com a COVID-19. E também um dos primeiros a ter confirmada a cura da doença na capital.

“Recebi hoje (quinta-feira) dois testes feitos no dia 2 de abril de 2020 que não detectaram a presença do novo coronavírus, o que significa que eu me curei da COVID-19. Foram 25 dias isolado no meu apartamento. Nos cinco piores dias houve uma dor intensa, sobretudo nos pulmões, febre de cerca de 40 graus e tosse constante, forte, seca”, contou o vereador à reportagem.



Uma das opções de tratamento, ainda em fase de testes, foi à base de cloroquina e seu derivado, a hidroxicloroquina. O uso dessas substâncias vem causando polêmica, por ainda não ter sua eficácia comprovada cientificamente no combate à doença, mas ser defendida com veemência pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).

O vereador Jair di Gregório disse também ter sido tratado com o medicamento – juntamente com outros remédios – e alega que o resultado foi positivo.

“Graças a Deus, a equipe da doutora Geovana fez a opção de me tratar com hidroxicloroquinaazitromicina e antivirais. Depois de 13 dias, recebi alta. Mas sofri muito. Sou testemunha viva de que funciona hirdoxicloroquina e também azitromicina. Por isso meu vídeo está bombando na rede social. Achei que poderia ajudar com esse vídeo. Tudo que puder fazer, estou engajado no combate à COVID-19”, conta.

A cloroquina é um medicamento barato e usado há várias décadas no tratamento da malária, um parasita transmitido por mosquito. Seu derivado, a hidroxicloroquina, é usado contra doenças inflamatórias das articulações.



Em meados de fevereiro, pesquisadores chineses afirmaram ter obtido resultados positivos em ensaios clínicos com cloroquina, entre 100 pacientes com COVID-19. Há, porém, risco de efeitos colaterais graves.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, alertou em diversas oportunidades que o medicamento não é a cura para todos os males e que deve haver cautela na sua utilização. “Cloroquina não é uma panaceia. Cloroquina não é o remédio que veio para a salvar a humanidade. Esse medicamento, se tomado, pode dar arritmia cardíaca e paralisar a função do fígado. Então, se sairmos com a caixa na mão e falar 'pode tomar', nós podemos ter mais mortes por mau uso de medicamento do que pela própria virose. Então, não façam isso", declarou Mandetta em entrevista no Palácio do Planalto em 28 de março.

Além dos efeitos colaterais citados pelo ministro, o uso indiscriminado da cloroquina pode causar náusea, vômito, erupções cutâneas e distúrbios oftalmológicos e neurológicos. Há controvérsia entre os médicos sobre dosagem e recomendação expressa para que não seja usada sem indicação e controle de especialista.

Ainda sem um medicamento comprovadamente eficaz para o tratamento da doença, o que continua valendo são as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde: distanciamento social. É o que recomenda o vereador – e médico – Nilton Cesar Rodrigues, o Dr. Nilton.



“Quero dizer da importância de seguir as orientações das autoridades. Esse isolamento é necessário durante a quarentena. Sabemos que tem um debate se precisa ou não. Realmente, é necessário, é importante. Na minha casa são cinco pessoas e, felizmente, ninguém se contaminou. Porque seguimos as orientações do Ministério da Saúde, como deve ser feito o isolamento. Seguimos tudo à risca e, felizmente, deu tudo certo. Então, para que a gente não viva uma tragédia igual está acontecendo na Itália, na Espanha e em outros países, temos que realmente tomar os cuidados, seguir as orientações do Ministério da Saúde, das autoridades sanitárias”, disse o vereador em seu Instagram.

E depois da pandemia?

Nesta quinta-feira (9), houve a primeira reunião especial na Câmara Municipal de Belo Horizonte, com a presença do secretário municipal de Saúde, Jackson Machado Pinto. A atividade presencial é uma exceção, já que todas as reuniões estão suspensas desde 17 de março. Apenas reuniões especiais exclusivamente relacionadas ao enfrentamento e impactos da pandemia de COVID-19 estão sendo realizadas nas dependências da Casa.

A maioria dos vereadores belo-horizontinos infectados já não convive mais com os sintomas da COVID-19. E vários deles relatam uma mudança de perspectiva após a pandemia, que pode alterar as relações humanas em diversas áreas, inclusive na política. Bella Gonçalves projeta um fortalecimento de politicas públicas, principalmente de assistência à saúde.



“A discussão do coronavírus nos leva a uma reflexão muito importante de contraponto às ideias do Estado mínimo. É no momento de uma crise generalizada que a gente percebe como o Estado é importante para garantir às pessoas as medidas assistenciais básicas, de saúde, de manutenção de emprego, salário. Se trabalhássemos sem o Estado nessas políticas públicas, não teríamos condição, enquanto sociedade, de enfrentar uma guerra contra um inimigo invisível. Algumas mudanças de mentalidade já estão acontecendo e vão acontecer”, projeta.

A vereadora prevê também uma valorização maior do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, com reflexos em outros países. “A pandemia chama a gente para medidas de intervenção mais fortes na economia, para garantir a vida. Depois que passar, vai haver um longo tempo sem que ninguém levante a bandeira de privatização do SUS. Dependendo do resultado das eleições nos Estados Unidos, essa pode ser uma das pautas principais e levar a uma estatização do sistema de saúde mundo afora, o que seria um grande avanço”.

Gabriel Azevedo conclui afirmando que a cidade precisará se reerguer, sem dissidências políticas.

“Na função de um membro do Poder Legislativo municipal, quero entender o que mais posso fazer pela cidade, além de todo o trabalho que desempenhei mesmo no meu apartamento remotamente com minha equipe. O aplicativo “meu vereador” e as mídias sociais ajudaram muito. As pessoas foram muito gentis comigo. Agradeço a cada uma delas. A cidade vai precisar se reerguer e meu pensamento fixo é isso. Quem briga politicamente nessa hora perde tempo. Precisamos salvar vidas e colocar a capital de pé após isso tudo”, propõe.