O coronavírus causará impactos diretos à popularidade de prefeitos, governadores e do presidente da República. É o que avaliam cientistas políticos ao analisarem as ocorrências da pandemia em outros países e o avanço da doença no Brasil. Diante do cenário, os mandatários municipais e estaduais, que estão na ponta do atendimento à população, não têm outra escolha senão abraçar as medidas de isolamento social e fechamento do comércio para reduzir a disseminação do vírus.
Já o presidente Jair Bolsonaro tenta se descolar da crise e de seus resultados ao descumprir as recomendações de distanciamento social feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde. Além disso, critica seguidamente governadores e prefeitos pelas medidas restritivas que adotaram.
Ontem, Bolsonaro usou o Twitter para postar um vídeo de protesto no Pará contra o governador Helder Barbalho. Ele escreveu: “Além do vírus, agora também temos o desemprego, fruto do ‘fecha tudo’ e ‘fica em casa’, ou ainda o ‘te prendo’. Para toda ação desproporcional, a reação também é forte. O Governo Federal busca o diálogo e solução para todos os problemas, e não apenas um”. Na quarta-feira, em pronunciamento em rede nacional, ele foi direto ao empurrar para mandatários as futuras consequências econômicas. “Respeito a autonomia dos governadores e prefeitos. Muitas medidas, de forma restritiva ou não, são de responsabilidade exclusiva dos mesmos. O Governo Federal não foi consultado sobre sua amplitude ou duração”, enfatizou.
Mestre em administração pela Universidade Federal da Bahia e doutor em ciências políticas pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, André Borges diz que a motivação do presidente é, justamente, não assumir o custo de parar a economia. “Mas acho que essa estratégia pode dar muito errado, porque os governadores vão levar o crédito se o confinamento for efetivo para conter a pandemia, e o governo federal não tem como não assumir a responsabilidade pela crise que virá”, sentencia.
Professor de ciências políticas e relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB), Aninho Mucundramo Irachande afirma que governadores e prefeitos não têm alternativa, senão adotar medidas restritivas. “Qualquer efeito sobre a crise grave, as mortes, o comércio, tudo isso recai sobre eles. Se não fizerem nada, ou não fizerem o suficiente, vão sofrer as consequências”, completa. O cientista político também destaca que quanto mais funcionar o isolamento, mais ele parecerá desnecessário, pois o resultado é a redução das infecções e um baixo número de mortos. “Aqui, não cresceu como na Itália porque adotamos o isolamento mais cedo. Também tem essa contradição”, acrescenta.
O sociólogo Paulo Baía, doutor em ciências sociais e professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que Bolsonaro faz um “jogo dúbio”. “Quando você pega a diretriz oficial do governo, é a do Ministério da Saúde, que está em consonância com governadores, prefeitos e OMS. É a diretriz do ministério que está balizando a decisão dos governadores”, frisa. “O presidente tem uma atitude que não contraria os governadores, mas o seu próprio governo. Eu avalio que, ao fim, ninguém vai conseguir tirar proveito da tragédia. Todos terão de pagar a conta.”
O cientista social lembra que Manaus já chegou ao colapso do sistema de saúde e que São Paulo, Rio de Janeiro e DF atingirão o mesmo patamar em algumas semanas. “O sistema de saúde não dará conta (do número de casos) nem se ficar no ritmo que está hoje. Esse é o drama. Estamos diante de uma novidade sanitária. Você até tem conhecimento anteriores, mas tudo que acontece agora é ensaio e erro.”