Em tom de desabafo, o agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, colocou à prova a administração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). As declarações do ex-juiz federal em entrevista nesta sexta-feira podem fazer com que o chefe do Executivo nacional seja investigado por crimes de responsabilidade ou mesmo na esfera comum.
Ao Estado de Minas, juristas detalharam de que modo as acusações de Moro podem repercutir judicialmente, caso sejam apresentadas provas das infrações.
Crime de responsabilidade
Foi consenso entre as fontes ouvidas pela reportagem que, se comprovadas as acusações de Moro, Bolsonaro deve ser julgado por cometer crime de responsabilidade. Caso as investigações avancem, o presidente pode ser submetido a um processo de impeachment.
Juristas citaram a Lei 1.079/50, que estabelece parâmetros para o julgamento de crimes de impedimento do presidente pelo Congresso. O avanço de eventuais investigações depende da análise do procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado ao cargo pelo próprio Bolsonaro.
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Segundo o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e especialista em direito constitucional, José Alfredo de Oliveira Baracho Junior, a interferência, se comprovada, “seria uma atuação do presidente contra o regular funcionamento das instituições”. “Isso pode configurar crime de responsabilidade”, frisou.
Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello também comentou as declarações de Moro e criticou a suposta interferência do presidente na PF. “A Polícia Federal não é uma polícia de governo, é uma polícia de Estado, e deve atuar com independência”, disse, em entrevista à Rádio Gaúcha.
Outro trecho da lei citado por juristas ouvidos pela reportagem trata de “atos que atentem contra a probidade na administração”. Bolsonaro pode ser investigado por supostamente incluir, sem autorização, a assinatura de Moro na exoneração de Valeixo. “Eu não assinei esse decreto”, disse o ex-juiz federal, que queria manter o agora ex-diretor-geral no cargo.
“Tem uma outra declaração grave de Sérgio Moro com relação a isso, que é a de que ele (Bolsonaro) mandou publicar no Diário Oficial da União (DOU) a demissão (de Valeixo) com a assinatura do Moro. E o Moro dá uma declaração pública dizendo que ele não autorizou e não assinou esse documento. É um grave ato de improbidade administrativa”, avaliou o especialista em direito constitucional José Luiz Quadros de Magalhães, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Doutor em Direito Constitucional e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Alexandre Bahia entende que há ainda outros atos de Bolsonaro que podem significar crime contra a probidade administrativa, caso as declarações de Moro se comprovem verdadeiras. Para isso, ele se baseia no artigo 9º da lei.
“O item 4 fala sobre ‘expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição’, e a Constituição fala de impessoalidade na administração pública. O item 5 fala sobre ‘infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais’, e estamos falando do critério de escolha do diretor da PF. E o item 7 fala sobre ‘proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo’, o que é a quebra de decoro com relação à forma como ele (Bolsonaro) está conduzindo a designação de membros da administração pública”, disse.
Crimes comuns
Juristas citaram pelo menos outras quatro infrações pelas quais o presidente pode ser investigado, caso as declarações de Moro se sustentem com provas: falsidade ideológica, prevaricação, advocacia administrativa e até obstrução de justiça.
Investigações por falsidade ideológica dependeriam de comprovação de que Bolsonaro mandou incluir, sem autorização, a assinatura de Moro no ato de exoneração de Valeixo. A pena prevista para esse tipo de caso é reclusão de um a cinco anos e multa.
Segundo o Baracho, porém, o caminho mais provável, com base nas declarações de Moro, é investigar Bolsonaro por prevaricação ou advocacia administrativa. Nos dois tipos de enquadramento, o presidente seria julgado por interferir politicamente nos trabalhos da Polícia Federal.
“A interferência do presidente no sentido de que a investigação tivesse um ou outro curso, aí sim acho que é uma apuração que pode prosperar. Seria advocacia administrativa, prevaricação. O enquadramento criminal depende das provas que você vai apurar. Esse é o ponto, sob a ótica do crime comum, que tem maiores possibilidades de prosperar”, disse.
Se a interferência nas investigações da PF se comprovar, Bolsonaro também poderia ser julgado por obstrução de justiça. A pena prevista nesse caso é de três a oito anos de prisão a “quem impede ou, de alguma forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”.
Possíveis crimes
Crime de responsabilidade - Bolsonaro seria julgado pelo menos dois pontos estabelecidos pela Lei nº 1079/50, que trata de crimes de responsabilidade. O primeiro trata de atos que atentem contra o livre exercício do Poder Judiciário, supostamente cometidos pelo presidente nas tentativas de interferir nas investigações da Polícia Federal (PF). Já o segundo diz respeito a atos que “atentem contra a probidade na administração”, supostamente cometidos no processo de mudança na PF e ao forjar a assinatura de Moro na publicação da exoneração do ex-diretor-geral, Maurício Valeixo, no Diário Oficial da União (DOU).
Pena prevista: processo de impeachment no Congresso Federal e inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública
Falsidade ideológica - Por supostamente mandar publicar a assinatura de Moro na exoneração de Valeixo, Bolsonaro pode ser julgado por falsidade ideológica. O crime está tipificado no artigo 299 do Código Penal, que prevê punições a quem “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.
Pena prevista: reclusão de um a cinco anos e multa
Prevaricação - Baracho diz que, se verdadeiras as declarações de Moro, Bolsonaro pode ter cometido o crime de prevaricação por ter feito “algum esforço do presidente no sentido de ter uma pessoa na PF que distorcesse algumas investigações que estão sendo feitas”. O artigo 319 do Código Penal prevê punições a quem “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
Pena prevista: detenção, de três meses a um ano, e multa
Advocacia administrativa - Se comprovada a acusação de Moro que Bolsonaro queria ter acesso a detalhes das investigações da PF, existe a possibilidade de investigação por advocacia administrativa. O artigo 321 do Código Civil fala em punir quem “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”.
Pena prevista: até três meses de reclusão e multa
Obstrução de justiça - A suposta tentativa de Bolsonaro interferir na PF também daria margem a investigações por obstrução de justiça. O crime está previsto na lei 12.850/2013, que trata de organizações criminosas e prevê punição a “quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
Pena prevista: de três a oito anos de prisão