Além do Ministério Público Federal, a Câmara deve analisar a revogação de portarias que previam regras mais rígidas de controle de armas e munições no País. Como revelou o jornal O Estado de S. Paulo ontem, o presidente Jair Bolsonaro entrou na mira de procuradores por indícios de violar a Constituição ao mandar suspender as normas. Um projeto de lei, apresentado pelo deputado Beto Pereira (PSB-MG), retoma os atos derrubados.
As portarias 46, 60 e 61, revogadas pelo comandante do Comando Logístico do Exército (Colog), general Laerte de Souza Santos, por exigência de Bolsonaro, foram elaboradas em conjunto por militares, policiais federais e técnicos do Ministério da Justiça. "Determinei a revogação das portarias (...) por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos", escreveu Bolsonaro no Twitter em 17 de abril.
Essas portarias estabeleciam o controle, rastreabilidade e identificação de armas e munições importadas e fabricadas pela indústria nacional, sob a finalidade de atividades esportivas, de colecionador e também para abastecer os quartéis. Na avaliação dos procuradores, ao revogá-las, o governo facilita o acesso do crime organizado a armas e munições desviadas. "A cidade do Rio de Janeiro é a face mais visível dessa ausência de efetivo controle no ingresso de armamento no País", observou a procuradora Raquel Branquinho em ofício obtido pelo Estado.
O projeto de Pereira foi protocolado na semana passada, mas foi atualizado após a reportagem revelar que o Ministério Público Federal apura se houve interferência de Bolsonaro na revogação. A proposta pede que sejam sustados os efeitos da Portaria nº 62, do Colog, que revogou as portarias 46, de 18 de março de 2020, 60, de 15 de abril e 61, de 15 de abril de 2020.
Caso seja aprovado, o projeto de Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação. O deputado argumenta, na proposta, que o presidente Jair Bolsonaro afirmou nas redes sociais que as portarias não se adequam às diretrizes definidas por ele em decretos sobre o tema. E não deu mais justificativas.
"A revogação nos causou grande estranheza e fez com que o Ministério Público Federal abrisse investigação para apurar a interferência do Presidente da República em atos de exclusividade do Exército. Procuradores apontam suspeita que o presidente possa ter agido para beneficiar uma parcela de eleitores e que não há espaço na Constituição Federal para ideias e atitudes voluntaristas do presidente, ainda que pautadas por bons propósitos", diz o deputado.
A primeira portaria criava o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército (SisNaR), que teria como finalidade rastrear os chamados Produtos Controlados pelo Exército (PCE), que incluem armas de fogo e explosivos.
As outras duas ampliavam pontos da primeira, trazendo regras sobre munição, definindo, por exemplo, que toda munição de órgão público, nacional ou importada, deveria conter código de rastreabilidade gravado na base dos estojos, estabelecendo ainda que estojos adquiridos com finalidade de recarga de munição também deveriam possuir o código de rastreabilidade entre outras disposições.
"Diante a aparente gravidade do ato do Presidente da República em ordenar de forma arbitrária e sem justificativa plausível a revogação de normas, numa clara interferência no Exercito Brasileiro, apresento o presente Projeto de Decreto Legislativo para que essa Casa, possa discutir e analisar o ato do Presidente da República e, se assim entender, sustá-lo."
Defesa
Após o jornal O Estado de S. Paulo revelar que o Ministério Público Federal apura possível interferência "inconstitucional" de Bolsonaro no Exército, o Ministério da Defesa procurou a reportagem, nesta terça-feira, 28, para dizer que as portarias revogadas, depois de determinação do presidente, estão passando por aperfeiçoamento em sua redação.
O ministério admitiu, ainda, ter tomado conhecimento das investigações em curso no MPF. E informou que prestou esclarecimentos, nesta terça-feira, sobre a revogação das portarias, um dia após a reportagem ter noticiado o caso com exclusividade.
"O Ministério da Defesa, por intermédio do Exército Brasileiro, informa que o Comando Logístico do Exército (COLOG) revogou as Portarias nº 46, 60 e 61, que entrariam em vigor em 4 de maio de 2020, a fim de aperfeiçoar sua redação, de modo a dirimir questionamentos recebidos por intermédio da sociedade em geral e da Administração Pública", diz trecho da nota.
A reportagem questionou ao ministério quais são os nomes das entidades que pediram aperfeiçoamento da redação das leis. Perguntou ainda qual setor da Administração Pública sugeriu alterações, e aguarda uma resposta.
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